João Mateus Pintura a Pastel Seco ESTÓRIAS SEM PALAVRAS home contactos
ESTÓRIAS SEM PALAVRAS
As estórias que vemos nas imagens ou as
imagens que lemos nas estórias.
Por vezes as imagens evocam memórias inacabadas onde cada um pode mergulhar numa viagem imaginária ao mundo do fantástico e onde a dialéctica entre o orgânico e o virtual parecem dar lugar a figuras mutantes transfiguradas.
Outras vezes as imagens podem sair do sonho de alguém que dorme... acordar as memórias que possam dormir no interior de cada um de nós... abrir o livro de estórias que lemos... ouvir em nós os contos que nos contaram... Numa dialéctica entre a realidade e a fantasia, transpomos o universo ficcional outrora contado, descobrindo outras estórias por contar.
Eduarda Carvalho
e se...?
2011 - pastel seco sobre cartão 50x32,5cm
2. ceci n'est pas un chapeau
2011 - pastel seco sobre cartão - 49,5x39,5
...
3. fora de escala
2011 - pastel seco sobre cartão - 49x39cm
4. a arca
2011 - pastel seco sobre cartão - 61x39cm
5. a queda *
2011 - pastel seco sobre cartão - 50,5x39cm
5a. a subida *
2011 - pastel seco sobre cartão - 50,5x39cm
ORACI
Oraci levantou os olhos da página do livro e olhou ao longe. O horizonte estava turvo. De nada serviria meter uma moeda naquele telescópio e tentar alcançar o infinito. Sim, porque a maior parte dos telescópios nestes miradouros de Lisboa ou têm a lente partida ou não funcionam mesmo... Oraci sabia da geometria as regras da perspectiva, linhas paralelas convergem no mesmo ponto e encontram-se no infinito. No entanto do ponto em que se encontrava não vislumbrava nenhuma perspectiva e as linhas imaginárias convergiam para um infinito inalcançável. Tal e qual o seu futuro. O trabalho incerto de vez em quando ia aparecendo... Oraci, quando o conseguia, entrava dentro dele. Agarrava-o com quanta força tinha a pontos de se confundir com ele... depois sem saber como, soltava-se das suas mãos e desaparecia sem deixar rasto. O Trabalho aqui é já uma coisa rara que só é reservado a alguns. São tempos difíceis, vai-se vivendo um dia após o outro de cada vez... Oraci retomou de novo na leitura.
(...) Dédalo era um célebre arquitecto, escultor e inventor que vivia em Creta. A sua arte tornou-se prisioneira dos desejos do rei Minos. Sempre à deriva dos caprichos reais, a bela rainha Pasífae, a esposa do rei, tendo-se apaixonado por um touro, pediu a Dédalo que criasse uma armadura no formato de uma novilha que lhe permitisse atrair o touro. Dédalo construiu uma novilha em madeira. Desse amor incomum da rainha e o touro nasceu o Minotauro, uma criatura com corpo de homem e cabeça de touro. Para esconder a vergonha da traição da mulher, Minos ordenou que o seu arquitecto concebesse uma prisão para o monstro, um lugar de onde ele jamais pudesse sair. Dédalo construiu um labirinto como um enigma com inúmeros corredores, becos e caminhos sinuosos, criados de maneira a fazer perder a direcção e confundir até o mais astuto dos homens. Quem entrasse ali, nunca mais sairia. (...)
Oraci, deteve-se por um momento. Sentia-se também a viver dentro de um labirinto de onde não conseguia sair. A liberdade de poder decidir por si a sua vida, de estar ali sentado no banco do miradouro, parecia-lhe cada vez mais uma liberdade aparente. Olhou a enorme figura de pedra disforme ali mesmo ao lado... Os olhos salientes do Adamastor, observavam-no... Ali em baixo junto ao rio, para as bandas do Cais do Sodré, depois daquele labirinto de ruas, na antiga Lisboa do século XVI, havia uma zona a que se chamava Cata-que-farás. Curiosa toponímia. Era o local onde todas as manhãs bem cedo se juntavam todos aqueles sem trabalho e esperavam que alguém os contratasse para o dia. Daí o nome porque era conhecido - Cata-que farás ou melhor dizendo procura-o-que-fazer... Oraci sentia hoje a mesma insegurança... Mas procurar hoje trabalho em pleno século XXI não será o mesmo que dizer encontrar... Baixou os olhos e continuou a ler.
(...) Com o passar dos anos, o Minotauro foi crescendo dentro do labirinto, longe dos olhares do mundo. Quando Minos derrotou os atenienses numa batalha, exigiu que todos os anos, Atenas deveria enviar sete rapazes e sete raparigas para serem devorados pelo Minotauro. Triste fim estaria reservado a Teseu, herói ateniense que acompanhou os outros jovens para Creta. Teseu estava disposto a pôr um fim aquela terrível situação. Antes de entrar no labirinto, Dédalo deu instruções a Teseu do modo como deveria encontrar a saída. Deveria utilizar um novelo de fio que seria desenrolado a medida que fosse penetrando no labirinto. Dessa forma, conseguiria fugir do labirinto. Teseu matou o monstro e conseguiu em seguida libertar-se. O rei Minos ficou furioso e prendeu Dédalo e o seu filho Ícaro no labirinto. Assim, Dédalo tornou-se prisioneiro de sua própria criação (...)
Uma joaninha pousou-lhe no dedo. Oraci olhou-a mais de perto. Quando pousada tem sempre a mesma forma linda de semi-esfera vermelha com pintas pretas, mas quando voa a calote abre-se e saem asas transparentes de insecto. Lembrava-se de ter estudado que estes insectos, Coleópteros da família chamada Coccinellidae, mas de nada lhe servia este saber... Joaninha voa voa que o teu pai está em Lisboa... era a lengalenga que lhe veio logo à mente. Oraci, nem teve tempo de pedir um desejo... logo o insecto levantou voo e desapareceu no ar. Oraci, ajeitou-se no banco de jardim, cruzou a perna, e continuou a sua leitura.
(...) Como o rei tinha deixado guardas a vigiar as saídas, Dédalo pensou que a única forma de conseguirem sair seria através do espaço de ar superior ao labirinto. Construiu umas asas com penas dos pássaros colando-as com cera. Dédalo recomendou a seu filho Ìcaro os cuidados para o vôo.
Oraci, olhou novamente para o horizonte ... Curiosa a semelhança! Se o meu pai, tal como Dédalo me construísse umas grandes asas, talvez eu conseguiria sair deste meu labirinto, sem sentido e sem futuro. Poderia certamente emigrar e encontrar novas oportunidades... Mas onde? Oraci, fechou os olhos como que a perguntar respostas dentro de si. Voltou a página do livro e continuou a leitura.
(...) Dédalo preveniu Icaro que quando voasse, se mantivesse numa determinada altura; nem tão baixo junto ao mar, pois a humidade tornaria as asas pesadas, nem tão alto pois o calor do sol poderia fazer derreter a cera. Dédalo e Ícaro movidos de coragem, saltariam para o infinito. Ícaro elevou-se no ar e começou a ganhar altura. A sensação de voar foi tão estonteante para Ícaro que se esqueceu das recomendações e elevou-se demasiado nos ares... A cera começou a derreteu... as penas começaram a cair... Ícaro perdeu as asas, e precipitou-se no mar...
Nisto, o livro soltou-se das mãos, deu uma volta e caiu no chão. Oraci observou o título e descobriu que o seu nome era o de Ícaro lido em sentido inverso.
João Mateus 2012
6. ambiguidade *
2011 - pastel seco sobre cartão - 50,5x39cm
13. agarrar o tempo
2011 - pastel seco sobre cartão - 59x39cm
7. o outro lado
2011 - pastel seco sobre cartão - 53x39cm
8. armadilha *
2012 - pastel seco sobre cartão - 70x50cm
14. inatingível
2012 - pastel seco sobre cartão - 70x50cm
12. nas nuvens
2012 - pastel seco sobre cartão - 70x50cm
9. Oraci
2012 - pastel seco sobre cartão - 70x50cm
9a. Icaro
2012 - pastel seco sobre cartão - 70x50cm
10. as aves têm razão
2012 - pastel seco sobre cartão - 70x50cm
11. O desejo *
2011 - pastel seco sobre cartão - 20x22,5cm
(*) - Já não estão comigo porque já partiram...