Entrevista a José Afrânio Moreira Duarte

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José Afrânio Moreira Duarte

entrevista

Angela Togeiro

  1. Sendo contista e romancista, considera o conto como gênero inferior ao romance ou pensa que em termos de valor literário os dois gêneros são iguais?

· Os dois têm o mesmo valor literário. Ambos exigem que o escritor se situe dentro do texto para não perder, digamos, o fio da meada. O romance exige personagens bem construídos tanto no aspecto físico quanto no psicológico, o contexto que o envolve é maior e mais complexo à medida que envolve outros personagens e, no entanto, tem o final mais previsível do que o do conto. Sim, porque no romance o desenlace do tipo “felizes para sempre” ou “o bem vence o mal” é o esperado. É frustrante você ler um romance em que o mal vence. Já no conto, não. Finais chocantes instigam o escritor e o leitor a trabalhar suas idéias, seus valores e interagir na estória. Eu gosto dos dois e não tenho dificuldades ao escrever de passar de um gênero para outro.

  1. Dotada de múltiplos dons, você é poetisa também. Que diz dos literatos que afirmam que a poesia já está morta?

· Só posso lhes perguntar: — Vocês já fizeram uma declaração de amor? Lembram-se dela? Já choraram lágrimas de dor pela perda de um amor, de um amigo, um familiar... de assistir a um filme triste ou reportagem cruel e verídica de guerras, de crianças morrendo de fome? Já sonharam ao ouvir a risada de criança? Não? (É preciso nascer de novo, então!)

  1. O soneto e a trova são gêneros superados ou não? Por quê?

· A poesia clássica convive com a moderna muito bem. Tanto que o vencedor do Prêmio Jabuti/2004 na categoria poesia, Alexei Bueno, traz no seu livro “Poesia Reunida”, os dois gêneros. Soneto e trova foram imortalizados pelo homem, são musicais, belos. Jamais serão superados. O soneto é o ícone da poesia clássica e a trova segue seu rastro. Quer coisa mais difícil que fazer uma trova? Não há. Temos ainda no Brasil o cordel, o clássico mais popular da nossa literatura.

  1. Detentora de prêmios de literatura no Brasil e no exterior, o que pensa dos concursos literários?

· Gosto de participar. Quando premiada —o último lugar para mim é o primeiro: sei que meu trabalho foi aceito. Eu não sou dona do que escrevo, então o termômetro para saber se estou interagindo com o leitor é essa premiação. Já participei de concursos fora do Brasil nos EEUU, Inglaterra, Espanha, Portugal, Argentina, Uruguai e obtive classificação em poesia — clássica e moderna, e em conto. Os concursos literários são uma fonte de descoberta de novos talentos, oportunidades de muitos se projetarem, tanto que até a Biblioteca Nacional promove concursos. Concursos são a grande saída, no mundo inteiro, sobretudo no nosso país em que as editoras não parecem interessadas a investir em talentos desconhecidos e não há uma estrutura para absorver todos os escritores, nem cultural nem financeiramente . Como em tudo na vida, há riscos: de vez em quando surgem alguns promotores de concursos mal intencionados que querem apenas lucrar fazendo antologias decorrentes dos concursos, ou a premiação não é honesta. Mas estes logo ficam fora de cena.

  1. As academias de letras ainda têm razão de ser no mundo hodierno?

· Sim. Toda agremiação em torno da cultura e arte é benéfica. Levadas a sério são o respaldo da cultura de um país. Claro que, dada a sua peculiar formação, não podem abrigar todos os valores, mas reconhecem o talento dos outros através de concursos ou outros tipos de premiações. Além do mais, fazer parte de uma academia não é um status, mas uma responsabilidade que o indivíduo assume perante a sociedade em prol da cultura, da formação da bagagem do país. As academias podem e devem fazer mais, os acadêmicos não podem se sentir mais privilegiados que os outros já que o acesso à educação hoje é livre.

  1. Como você age no ato da criação literária?

· A inspiração não tem lugar. Costumo andar com papel e caneta para anotar o que me assoma, depois trabalho a idéia. Talvez por isso costumo dizer que trabalho o título. Gosto de estar só para escrever: é quando entro em mim e trago a lume o que está lá dentro. Carlos Gomes disse a Chiquinha Gonzaga algo em torno de que o músico tem dentro de si uma enorme partitura que ora toca alegre, ora triste, ora é uma valsa, ora uma polca... É assim que me sinto ao escrever: como se tivesse um grande livro de livros dentro de mim esperando o momento certo de mudar de lado. Para tanto preciso de solidão. De estar comigo mesma. É quando me entrego. Vivo literatura.

  1. Gosta de ser chamada de poeta ou aceita ser poetisa como é gramaticalmente correto?

· Como poeta não é comum-de-dois, sou poetisa.

8. Numerosas escritoras têm uma preocupação, a meu ver, exagerada no sentido de divulgar a boa literatura brasileira no exterior. Não seria mais importante divulgá-la dentro do próprio Brasil, já que os brasileiros lêem tão pouco e até mesmo nossas grandes escritoras para a plebe ignara são ilustres desconhecidas?

· A busca de reconhecimento fora do país, num país que lê tão pouco se deve à falta de oportunidades ao novo ou consagrado escritor e, sobretudo ao povo. Ler é um hábito. Para se criar um hábito não é preciso só querer, é preciso dispor do bem em questão. Com nossa renda o acesso torna-se difícil. Seria preciso que os livros fossem mais baratos (ou a renda maior) para que se tornassem um bem de consumo acessível e também que houvesse editores comprometidos em ampliar o mercado com talentos nacionais. Lemos muito do que vem de fora, isto não quer dizer inexistem valores, mas que há uma inversão na nossa cultura privilegiando o que vem de fora, o que ocorre em várias áreas, até mesmo no cultuar nomes estrangeiros para placas de lojas, nome de pessoas, programa de televisão, nomes de músicas, roupas, comidas etc

Belo Horizonte, setembro de 2004.

José Afrânio Moreira Duarte - (Alvinóplis, 08/05/1931-Belo Horizonte, 03/06/2008)

"Nasceu em Alvinópolis, MG em 8 de maio de 1931.

Filho de Antônio Duarte Júnior e Petrina de Vasconcelos Moreira Duarte.

Iniciou os estudos na terra natal, continuou-os em Juiz de Fora e terminou-os em Belo Horizonte, onde reside desde 5 de fevereiro de 1955 e se bacharelou em Direito pela UFMG. turma de 1964.

Embora desde menino colaborasse em jornaizinhos do Grupo Escolar "Bias Fortes" de Alvinópolis, considera como sua verdadeira estréia na literatura a publicação, no dia 31 de dezembro de 1950, no suplemento literário do "Diário Mercantil de Juiz de Fora" de seu primeiro conto, "Vingança de Caboclo". escrito quando ele tinha apenas dezesseis anos, em 7 de setembro de 1947 - Já colaborou em quase uma centena de órgãos da imprensa. em todas as regiões geográficas do Brasil, mas principalmente em Belo Horizonte. Rio de Janeiro. São Paulo e Juiz de Fora. No exterior, além de colaborar na imprensa portuguesa, teve contos ou poemas traduzidos para o espanhol, italiano, francês, inglês e húngaro. publicados em jornais e revistas de mais de quinze países, na Europa e nas Américas - Participou de numerosas antologias, em prosa e verso. destacando-se entre elas a intitulada "Brasil. Terra & Alma: Minas Gerais", organizada por Carlos Drummond de Andrade. Quando universitário, em sua Faculdade, dirigiu "Plural", revista jurídica e literária.

Tem seu nome incluído em enciclopédias, dicionários e livros especializados em literatura nacional, no Brasil e nos Estados Unidos da América do Norte.

Já publicou onze livros, destacando-se "O Menino do Parque". "A Muralha de Vidro". contos, "Fernando Pessoa e os Caminhos da Solidão" e "Henriqueta Lisboa: Poesia Plena", estes dois últimos ensaios - É contista. ensaísta, critico literário, poeta bissexto (só na juventude) e entrevistador. Já ganhou 32 prêmios literários, com realce para o "Sílvio Romero". de critica, da Academia Brasileira de Letras", conferidos em 1983. a seu livro 'Opinião Literária".

É cidadão benemérito de Alvinópolis. Foi duas vezes condecorado pelo governo do Estado de Minas Gerais, primeiro com a Medalha da Inconfidência, a mais importante de Minas) entregue em Ouro Preto em 21 de Abril de 1995. e depois, por ocasião do Centenário de Belo Horizonte com a Medalha do Centenário, entregue no Palácio da Liberdade, sede do governo mineiro.

É membro da Academia Mineira de Letras. Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, e da Casa do Escritor, entre outras agremiações.

Fala italiano, espanhol e francês.

A União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro conferiu-lhe as medalhas "Henriqueta Lisboa" e "Centenário de Murilo Mendes"."

Fonte: Academia Mineira de Letras

http://www.academiamineiradeletras.org.br/joseafranio.asp?l=joseafranio.asp

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