Simulação em 3D, modelada por Bruno Zanette a partir de um fragmento de cerâmica guarani encontrada em 2021 em meio das Obras de Requalificação da Praça da Matriz, Centro Histórico de Porto Alegre - RS. Sua fabricação está muito distante de nós quando pensamos cronologicamente, pois data aproximadamente para 2000 anos atrás. As ranhuras, quebras e danos dizem muito da longa trajetória do artefato até chegar ao presente e da sua biografia.
Esse vaso foi produzido a partir da argila, essa matéria-prima foi o ponto de partida para um sofisticado trabalho de manufatura, em que realiza-se um processo de preparação da pasta, a constituição da forma, a queima e a pintura. Esse complexo procedimento nos sugere de qual população a pessoa que produziu pode ter feito parte: alguma de exímios ceramistas.
Para o caso do Rio Grande do Sul temos duas possibilidades para pensarmos os grupos com produção de cerâmicas em larga escala, os falantes das línguas Tupi-Guarani e das línguas do tronco Macro-Jê. Sabe-se que essa cerâmica foi coletada na região do município de Entre-Ijuís, no Noroeste do estado, território considerado como ponto de entrada dos Tupiguarani no Rio Grande do Sul, há mais ou menos 2000 anos atrás.
Outro fator que nos indica que o artefato é dessa cultura diz respeito à decoração de sua superfície, consistindo na inclusão de elaborados motivos geométricos em tinta vermelha característicos desse grupo. Ao mesmo tempo, isso nos revela que provavelmente foi uma mulher que a fabricou, pois, via de regra, eram elas as artesãs neste grupo.
Oriundos da amazônia, os Tupiguarani que chegam a partir das migrações seguem os cursos fluviais e se estabelecem próximos a eles, o que relaciona-se com um dos aspectos que caracterizam sua organização social, a agricultura. Essa população plantava diversos tipos de plantas, como mandioca, milho, batata-doce, amendoim e abóboras, diferenciando-se do modo de vida dos grupos de caçadores e coletores que já ocupavam o território.
A forma de identificação arqueológica do local das habitações antigas dessa sociedade são as grandes manchas de terra preta, formadas pelo acúmulo de grande quantidade de cerâmicas. Essa quantia estava relacionada com seu caráter agricultor, já que entre as funcionalidades das cerâmicas estava o armazenamento de alimentos e líquidos. Outros usos podem ser comentados, como o preparo e a distribuição de bebidas fermentadas (cauim) de milho e mandioca, a utilização como panela para cozinhar ou como recipientes para coletar e servir água.
No caso da cerâmica em questão, sabe-se que sua função foi servir como urna funerária, isto é, recebeu em seu interior um indivíduo para ser enterrado. O uso da cerâmica para esse fim poderia ser feita por sepultamento primário, diretamente na urna, ou secundário, em que o sujeito antes é sepultado na terra e depois seus ossos são realocados para dentro do recipiente.
Esse modo de utilização da cerâmica provavelmente não foi o único, já que um mesmo vaso poderia realizar diferentes tarefas em sua vida, e seu formato - denominado cambuchí guaçu no guarani ou “grande talha”- é produzido para a preparação do cauim (ou melhor, dos cauins, como nos mostrou Brochado).