O Novo Sistema

Ecos sobre un texto dramatúrgico de Hilda Hilst por V. Tatiana Azeñas Mallea 

 [versión en español]

Su nuca contra la acera fría, el resto de su cuerpo doblado parece más un bulto de basura, una cosa imprecisa, un algo, pero es un alguien que yace en el piso. Vive en la calle. No sé su nombre. Lo miro. El sol me incomoda en la espalda. A mi alrededor caminan varias personas, van y vienen. Son muchas, podrían ser miles. Nadie mira. Tal vez alguno, pero solo con el rabo del ojo, de soslayo. 

Fuimos hechos para no mirar. La ciudad nos ha entrenado para eso.

 Una hora, es el mendigo que vive en la calle, otra, el niño que pide limosna en el farol o el cerro enorme con miles de casas minúsculas colgadas y caóticas. 

Repite conmigo: Es solo un mal trago, un instante de mal olor, una mala racha, después pasa. No la mires de frente, no te concentres en ella, ¡Jamás!  So pena de quebrar algo dentro tuyo que nunca más se costurará nuevamente. 

No mires, no estás hecha para eso. Si miras más de un instante, aquella imagen habitará tu cabeza, tomará sin que lo notes los rincones más oscuros de ti y un día, cuando estés desayunando, tomando un sorbo de café, esa imagen te asaltará súbitamente, como un flash, robándote el alma con su destello. 

¡Allá tú que quieres mirar…! Correr el riesgo de encontrar humanidad en toda esa miseria, de sentir el desamparo cruel y desnudo del mundo. Después empezarás a pensar en la guerra y en esos niños, en el agua contaminada bien lejos de tu casa, en la falta de posibilidades, en la desesperación de la madre con un hijo enfermo. ¿qué será de ti? 

No mires, y si miras no lo hagas más que por un instante, así podrás ocupar la mente en los saberes que si valen la pena, la ciencia, la física, las estadísticas, los autores, los te 


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[versão em português]
Seu pescoço contra a calçada fria, o resto de seu corpo curvado parece mais um monte de lixo, uma coisa vaga, um algo, mas é um alguém deitado no chão. Ele mora na rua. Não sei seu nome. Eu olho para ele. O sol está batendo desconfortavelmente em minhas costas. Ao meu redor, várias pessoas caminham, indo e vindo. São muitas, podem ser milhares. Ninguém olha. Talvez alguém, mas apenas com o canto do olho, de lado. 

Fomos criados para não olhar. A cidade nos treinou para isso.

 Ora é o mendigo que mora na rua, ora é a criança pedindo esmola no poste de luz ou a enorme colina com milhares de casinhas penduradas e caóticas. 

Repita comigo: é apenas "um mal bocado", um momento de mau cheiro, uma maré de azar, e depois passa. Não olhe para isso de frente, não se concentre nisso, nunca!  Sob pena de quebrar algo dentro de você que nunca mais se recomporá. 

Não olhe, você não foi feito para isso. Se olhar por mais de um instante, essa imagem habitará sua cabeça, tomará conta dos seus cantos mais escuros sem que você perceba e, um dia, quando estiver tomando café da manhã, bebendo um gole de café, essa imagem o atacará de repente, como um flash, roubando sua alma com seu brilho. 

Você vai olhar? Correr o risco de encontrar humanidade em toda essa miséria, de sentir a cruel e nua impotência do mundo. Então você começará a pensar na guerra e naquelas crianças, na água poluída longe de sua casa, na falta de possibilidades, no desespero da mãe com um filho doente... O que será de você? 

Não olhe, e se olhar, não olhe por mais de um instante, de modo que possa ocupar sua mente com o conhecimento que vale a pena, ciência, física, estatística, autores, teoremas. Não olhe, sob pena de nunca mais pertencer a este mundo com impunidade.




"O Novo Sistema Velho" por Laís Gomes Lopes Scarpe

Em 1968, Hilda Hilst nos presenteia com “O Novo Sistema”, dramaturgia distópica que ao invés de projetar uma visão negativa do futuro (como costumam fazer as distopias) realiza uma alusão pessimista sobre seu próprio tempo histórico, visto que o Brasil vivia os anos de chumbo da Ditadura Militar. Nesse período, o país sofria o pior momento da ditadura, com o auge da censura, da opressão à qualquer tipo de oposição e da restrição à liberdade de expressão, utilizando de mecanismos de poder como tortura, assassinatos e prisões ilegais.

Assim como na realidade concreta, no Novo Sistema de Hilst, quem não colabora com o regime tem destino certo em cima dos postes, como deixam bem claro os escudeiros do sistema. Os corpos sem vida são expostos em praça pública, pendurados para servir de lição a qualquer um que cogite contrariar o governo ou apenas não tirar boas notas em física. Aqui, a física é utilizada como metáfora, sendo uma razão instrumental - como fundamentaram Adorno e Horkheimer - para justificar o novo sistema implantado, ou seja, a razão, o  raciocínio lógico cartesiano é utilizado como instrumento de coerção para que o regime consiga permanecer e alcançar seus objetivos.

A repetição da palavra “lógico” ao longo de todo texto por Hilst não é por acaso. É o recurso de persuasão que o Estado utiliza pautado no logos (um dos três modos de persuasão da retórica de Aristóteles), que representa o discurso da lógica, o racionalismo. Essa ferramenta foi muito utilizada ao longo da história da humanidade para justificar governos totalitários, genocídios, racismo e opressão a minorias. 

Quando Popper e Kuhn, os maiores teóricos da filosofia da ciência no século XX, atritavam-se quanto à natureza de ciências gerais, Thomas Kuhn alegava propriedades muitos particulares às ciências humanas, que jamais poderiam enquadrar-se nos paradigmas de outras ciências, especialmente as ditas ciências duras, categoria da física, reiterada por Hilda Hilst como ponto focal do Novo Sistema. Por paradigma, entenda-se uma perspectiva da qual se faz enunciações.

Popper via em Kuhn um relativismo e o apontava no sentido mais pejorativo, como um traço de fragilidade científica, mas é curioso perceber a função narrativa, em O Novo Sistema, do tamponamento de quaisquer manifestações relativistas. Não cabe o estressamento, a variação paradigmática, em um Estado que predispõe que os enunciados humanos pertencem a uma “ciência geral” atomizada, uma cosmovisão a partir da física e nada mais. Afinal, a ciência está a serviço de quem?

Uma sociedade se compõe de ciências, epistemologias, cosmovisões, enfim um plural inevitável. O Novo Sistema é a premissa contrária. Não há fenômeno que não a física. Tudo é mero epifenômeno, derivação, submetido a um lugar hierárquico abaixo da suprema lente para enxergar-se o mundo: postulados físicos literais e metafóricos. Percebe-se como resultado uma espécie de física dos afetos, comportamental, vazia de possibilidades, não desviando jamais.

Nesse mesmo sentido, no Novo Sistema, o escudeiro-mor utiliza-se da falsa ideia de coletividade para persuadir os indivíduos à obediência por um “bem comum”. Porém, essa coletividade pregada não é nada mais que manipulação e homogeneização da sociedade, querendo todos iguais como um exército militarizado. Essa “coletividade” não admite alteridade. Logo, ela se torna apenas um signo capturado e manipulado pelo regime totalitário para uma coerção bem sucedida. 

Outra ferramenta muito recorrida por regimes autoritários é a utilização de mantras condicionantes, ou seja, expressões repetitivas com o objetivo de passar alguma mensagem sobre o sistema imposto. No Novo Sistema, as pessoas devem sempre repetir a frase “Não somos uma estrutura rígida. Antes um sistema dinâmico. Como o núcleo atômico.”. Na Alemanha nazista, o mantra era “Deutschland über alles” (Alemanha acima de tudo). Na mesma linha, sem muita criatividade e sempre copiando o que é de fora (apesar de todo patriotismo pregado), o bolsonarismo brasileiro utiliza a máxima “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”.

Assim, percebemos como O Novo Sistema De Hilst é, na verdade, velho. É um sistema já conhecido e repetido ao longo da História. Que fiquemos atentos às artimanhas autoritárias e não deixemos o passado se repetir. 


Um conto inspirado na premissa política da dramaturgia “O Novo Sistema” de Hilda Hilst por Maria Eduarda Cândido 

Era aula de ciências, e uma das professoras mais rígidas da escola estava dando uma explicação sobre a atomística.

- Então, de acordo com Dalton, é assim que são os átomos que constituem tudo o que existe: pequenos demais para serem vistos por nós, são neutros e são indivisíveis. Inclusive, a palavra átomo vem do grego, e significa indivisível.

No mesmo instante em que Pedro levantou sua mão para fazer uma pergunta, o sinal tocou. Toda a turma rapidamente começou a se levantar, cada um com seus celulares, carteiras e alguns até mesmo com recipientes diversos que abrigavam seus lanches, saindo em direção ao intervalo. O jovem, ainda intrigado, fez questão de caminhar na direção contrária de seus companheiros de classe, e foi direto até a mesa da professora.

- Com licença, senhora Torres. - Pedro abordou a mulher com um pouco de receio, seu tom de voz era polido e suas mãos estavam escondidas no bolso da calça de uniforme que usava, em uma tentativa clássica de esconder o nervosismo.

- Pois não, senhor Lima? Em que posso te ajudar?

Érica encarou o rapaz enquanto cruzava seus braços em cima do peito. Sua expressão era séria, como em todas as vezes que entrava naquela turma. Seus alunos acreditavam que ela tinha algo em torno dos quarenta anos, e a única coisa que sabiam dela é que seu currículo era extenso o suficiente para encher as páginas do Lattes, já que foi o único lugar onde conseguiram descobrir algo sobre a mulher.

- Eu tenho uma dúvida sobre a matéria. Tudo o que Dalton disse foi apenas uma das teorias, certo?

- Como assim?

- É que na minha antiga escola, nós estudamos mais quatro outros cientistas: Thompson, Rutherford, Bohr e Schrödinger.

Antes que a professora pudesse responder o questionamento de seu aluno, Camila, uma das outras alunas, se pronunciou.

- Você não tem vergonha, Pedro? Como ousa questionar assim a professora?

- Não estou questionando, Camila. -Pedro se virou, observando sua colega parada na outra ponta da sala, com as mãos na cintura, encarando-o de volta. - Mas eu aprendi algo diferente e estou em dúvida, só isso.

- Mas não deveria ter dúvidas, ora! Você não sabe que o currículo da senhora Torres é o melhor já visto? Que são anos e anos estudando a área dela? Ela não pode estar errada, você não deveria nem questionar!

- Mas eu já disse, Camila, eu não estou questionando! Eu só quero entender porque outra pessoa teria me ensinado diferente!

- Mas não deveria! Só aceite o que a professora diz, e pronto!

- OK, meninos. - Érica interviu, percebendo que aquilo ali escalaria para algo maior. - Faremos assim: Pedro, prepare para a próxima aula uma apresentação com tudo isso que você aprendeu, e lhe darei espaço para apresentar. Já você, Camila, irá defender o que aprendeu com base em minhas aulas.

- Sim senhora!

Camila respondeu, enquanto Pedro se limitou a apenas acenar positivamente. Pôde ouvir os passos da garota enquanto saía da sala, enquanto observava a professora guardar seus próprios materiais. Lentamente, seguiu os passos da colega, pensativo sobre o que tinha acabado de acontecer.

A partir daquele momento, o menino dedicou todo seu tempo livre às pesquisas sobre a atomística: as diversas teorias, como se complementam, a linha do tempo, as aplicações na ciência e, principalmente, as fontes que lhe diziam tudo isso. Três dias se passaram e a apresentação finalmente havia chegado. A aula da senhora Torres seria a primeira, então assim que Pedro chegou na sala, começou a organizar seu próprio computador para que pudesse projetar seu próprio material.

Não demorou muito para que a professora chegasse e autorizasse o início da apresentação. Durante 30 minutos, o rapaz contou sobre cada uma das teorias atômicas: Sobre Dalton, que a professora havia ensinado na aula anterior, de Thompson, de Rutherford, De Bohr e de Schrödinger. Explicou que a comunidade científica entende que todas as teorias foram importantes à sua maneira, e que auxiliaram na definição oficial do que é um átomo e sobre como ele é formado. Além disso, Pedro também buscou exemplificar que Dalton estava sim certo sobre algumas coisas, e que durante certo tempo ele realmente foi o dono da verdade absoluta, mas que assim como o próprio átomo, as teorias também são mutáveis. Em nenhum momento Pedro disse que sua professora estava errada. Mas deixou bem claro que especialistas no assunto pensavam de forma diferente.

Logo em seguida, foi a vez de Camila.

- Bom dia a todos. Diferente do Pedro, eu não trouxe apresentações em Power Point nem nada disso. Não é preciso inventar várias firulas para que eu prove a verdade, pois tudo isso não passa de uma distração, criada para que vocês se encantem pela beleza de todas as imagens, nomes e cores. Mas vocês, caros colegas, precisam se atentar à verdadeira questão em pauta aqui: a credibilidade da professora Érica. Todos nós sabemos que ela possui até mesmo um doutorado em sua área. É óbvio que ela não mentiria para nós. Que razões teria para isso? A diferença entre nós e ela é exclusivamente a idade, que lhe permitiu saber mais do que nós. Todos viemos de famílias ricas, afinal, com o currículo que ela possui, jamais poderia ser pobre. Érica Torres é uma de nós. É alguém que compactua com os ideais da escola, se não, não estaria dando aulas aqui. É alguém que se preocupa com as nossas necessidades, pois deu até a liberdade para que esse jovem perdido viesse contradizê-la. Sendo assim, por qual razão devemos acreditar em alguém que está no mesmo patamar que o nosso, e não em uma autoridade que sabe o que está dizendo? Se a professora Érica não nos conduzisse entre as estradas do conhecimento, nós não saberíamos o que fazer de nossas próprias vidas. Nós dependemos de pessoas como ela, para nos guiar pelo que é correto, e garantir que todos nós iremos seguir as ideias certas.

- E qual a importância dessas ideias, senhora Farias? - A professora indagou.

- O futuro da humanidade! Onde vamos parar em um mundo com pessoas que nem o Pedro? Que ousam questionar autoridades e impor suas meias verdades com frases bonitas e nomes difíceis, com a intenção apenas de causar balbúrdias e gerar o caos? De destruir princípios e valores, e influenciar pessoas inocentes.

- Tudo bem, muito obrigada, Camila.

A professora dispensou a jovem e se colocou frente a turma novamente, indo direto para o quadro branco, onde dividiu o espaço em quatro retângulos verticais, nomeando cada um deles: Dalton, Thompson, Rutherford-Bohr e Schrödinger. Os burburinhos na turma começaram, mas logo foi cessado pela voz da mulher.

- Alguém de vocês sabe me explicar como funciona a formulação de uma teoria científica? - Depois de alguns instantes em silêncio, apenas Pedro levantou a mão, sendo ignorado- Aparentemente, só o Pedro sabe dizer. Pois bem, uma teoria é formada, primeiramente, pela observação. Como o nome já diz, consiste em observar um fenômeno específico. É através dela, que as primeiras dúvidas surgem:

Por que a maçã cai para baixo? Por que o céu é azul? Por que só chove quando há nuvens? Este, é o passo do questionamento. Em seguida, há a formulação de hipóteses, que nada mais é do que formular possíveis explicações para as perguntas feitas anteriormente. Logo após, vem as experimentações, onde os testes são feitos para ter certeza de que as hipóteses estão certas, ou erradas. Vocês conseguem entender que, considerando o método, há a possibilidade de alguém estar errado de alguma forma, até que todas as conclusões acerca de um mesmo assunto sejam definidas?

Um sonoro “sim”, em coro, foi ouvido.

- Pois bem. Pedro sempre esteve certo em vir me perguntar. Eu entendi que a sua dúvida não era para me rebaixar como autoridade, mas ele buscava entender a discrepância de informações que havia chegado até ele. Pedro entendeu que sempre há dois lados de uma mesma moeda, e buscou informações para tirar suas próprias conclusões. Hoje, Pedro sabe que Dalton foi importante, mas que sua teoria estava incompleta. Prestem bem atenção: incompleta, não incorreta. Porém, quando ouvi a forma como Camila se pronunciou antes que eu pudesse responder ao Pedro, precisei permitir que vocês passassem pela experiência pessoal de observar um confronto de ideias.

- E ‘pra quê isso, professora? - Um dos alunos perguntou.

- Para vocês entenderem que nós não podemos ser uma estrutura rígida. É preciso que tenhamos espaço em nossa mente para podermos fazer questionamentos. Para entender como as coisas funcionam e porque funcionam desse jeito. Na ciência, buscar estudos é importante para compreender se aquela hipótese foi corroborada ou não. Pessoas que entendem do assunto. Pois ninguém é dono da verdade absoluta, nós apenas somos levados a acreditar nisso, de forma automática. Não pensem que estou aqui querendo expor a Camila, pois jamais seria minha intenção.

Assim como não quero expor o Pedro. Na verdade, eu permiti que vocês ouvissem os dois lados da moeda em questão. E agora, vocês vão escolher em quem acreditar, baseado nas provas que cada um deles apresentou, e pensando no coletivo. Quem acha que Pedro está certo vai continuar sentado, pois eu irei explicar, didaticamente, sobre cada uma das teorias além da de Dalton, já que não deu tempo de terminar na última aula. Quem acha que Camila está certa em acreditar somente no que lhes foi apresentado de primeira, pode se levantar e ter o resto do tempo livre. A diferença é que alguns de vocês estarão abrindo uma nova caixa de conhecimento, enquanto alguns de vocês irão escolher permanecer dentro das que possuem. Os primeiros, ao fim, terão a opção de escolher entre duas opiniões diferentes, ou até mesmo, descobrirem uma nova opção, enquanto os segundos estarão sempre restritos ao que os outros dizem, sem o poder de escolha.

Vocês estão livres para ouvir quem quiser, para pesquisar e acreditar no que e em quem quiserem. A escolha é de vocês. Mas no final, ninguém aqui poderá obrigar o outro a acreditar na mesma coisa, afinal, o mesmo direito que vocês possuem de acreditar, é o direito do outro.

E nesse instante, o sinal tocou. A explicação das teorias atômicas ficaria para outro momento, mas a primeira experiência com o desenvolvimento de pensamentos críticos havia sido extremamente positiva. E é por isso que hoje, anos depois, eu posso estar aqui fazendo essa leitura para vocês. Mais um debate presidencial se inicia, e isso representa mais uma oportunidade de celebrarmos a consciência pessoal, o poder de escolha e o senso crítico, como seres humanos e como sociedade. Eu nunca esqueci daquelas aulas, pois foram elas que me fizeram despertar como ser humano, me ensinaram a questionar e a sempre criar a minha própria opinião. E é isso que hoje, como a apresentadora oficial do debate presidencial na maior emissora do país, eu peço a vocês: ouçam nossos candidatos com as mentes abertas e se perguntem qual deles vocês gostariam de ver decidindo o seu futuro e daqueles que vocês amam. Entendam suas ideias, se informem sobre suas pretensões e sobre o que acreditam. Os candidatos que aqui estão, não são ninguém sem o povo. Nós é que temos o poder da escolha, então levem a sério e escolham com sabedoria, pois estamos todos no mesmo barco.

Sendo assim, encerro meu discurso por hoje, e declaro: Bem-vindos ao debate presidencial das eleições de 2042

Sim, Senhor. Não, Senhor.  por Dandára Dias de Oliveira

Somos educados para vivermos bem em sociedade. Somos moldados pelos exemplos que deram certo teoricamente. Somos estruturados numa sociedade que defende a vitória da maioria, mas que sua força sempre está com a minoria. Somos padronizados a seguir uma beleza perfeita vista apenas pela elite. Somos espelhos dos atos já pensados pelos formadores. Somos espécimes, resultantes de experiências que não deram certas. Somos exemplos de uma humanidade que finge ser avançada. Somos os retratos da ignorância que muitos tentam minimizar.

Sim, Senhor. Não, Senhor.

É assim que me ensinaram a me comportar diante das autoridades. Autoridades essas que nos tomam como burros, educando-nos para o abate.

Lembro-me de ter um dia aprendido que existem duas palavras que regem a nossa vida. Não e Sim. Mas ninguém me contou que o que dizemos em seguida é o que realmente guiará o nosso destino.

Não me recordo de nenhuma situação da vida que não fosse necessário o uso dessa palavra.

‘Senhor’.

Sim, Senhor. Não, Senhor.

Somos construídos a partir de instituições que formam nossa identidade.

Na instituição familiar fui obrigada a chamar de Senhor, aquela figura que me garantiria proteção e cuidado, participante da construção de minha personalidade, assim, meu ser.

Na instituição religiosa fui impelida de me referir ao ser transcendente como o Senhor, responsável por toda e qualquer situação sem explicação, detentor de toda sabedoria, e colaborador do meu saber.

Na instituição social fui educada a tratar meu líder como o senhor, por ter em sua mãos a garantia de meu esforço ser valorizado, construindo o meu poder.

É raro em nossas vidas pararmos para analisar o uso de determinada palavra em nosso vocabulário. Mas um dia eu tive a oportunidade de conhecer o seu Senhor. Mas não pense como um velho, de cabelo grisalho, e usando uma bengala para se apoiar. Seu Senhor era um homem sábio, que vivera em um tempo de tribulação e que tinha muita história para nos contar.

Seu Senhor era um homem livre, que em seus tempos de glória, vivia em uma sociedade que mal podiam opinar. Subordinados a viver à mercê de seus superiores, que os controlava em tudo que faziam. Não é diferente do mundo de hoje. 

Me sinto uma jovem engaiolada. Supostamente livre nas escolhas, mas tendo que adaptá-las ao que a sociedade impõe. Em minha vida rotineira, me divido a tarefas que escolho realizar, com burocracias que a única função é dar um falso sentido de controle.


Uma Distopia pela Odisseia da Liberdade – Resenha do livro “O novo sistema” de Hilda Hist  por Aline Priscilla Lopes Leal

“O Novo Sistema” de Hilda Hist é uma obra profundamente perturbadora que nos leva a  refletir sobre os perigos do autoritarismo e da perda da liberdade individual. Situada em  um mundo distópico onde uma elite opressora domina a sociedade, a peça apresenta  um cenário sombrio de controle absoluto e desumanização.

O contraste entre o menino, um ser humanizado que não entende a situação, e a  menina, representante do novo sistema desumanizador, é um elemento chave na  trama. A falta de nomes próprios para os personagens simboliza a perda da identidade  individual e a imposição da coletividade pelo regime autoritário. Essa estrutura linguística reflete o autoritarismo do estado e a desumanização dos personagens.

A utilização de reticências e frases subentendidas demonstra a repressão e o medo impostos pelo Escudeiro-Mor, líder do novo sistema. O silenciamento forçado dos  personagens evidencia a violência do regime, onde falar contra as normas  estabelecidas pode resultar em punição severa, incluindo a morte.

A relação entre as gerações também é explorada, destacando a doutrinação das  crianças desde cedo para idolatrar o novo sistema e esquecer o passado. A figura da  mãe da menina sendo rejeitada e até mesmo sua execução sendo justificada, evidencia  a ausência de afeto e empatia no novo regime.

A reformulação da linguagem e a manipulação dos símbolos, como o cachorro,  mostram como o estado tenta controlar não apenas as ações, mas também o  pensamento e a expressão dos cidadãos. A inserção de jargões da física Os jargões da  física eram utilizados para distorcer as coisas e criar uma divisão entre aqueles que entendiam e aqueles que não entendiam.

No desfecho da peça, o gesto do menino ao se curvar é carregado de ambiguidade,  deixando-nos imersos em questionamentos profundos. Sua inclinação pode  representar tanto o peso exaustivo da luta contra a opressão, revelando um cansaço  físico e emocional, quanto uma resignação, indicando que ele talvez tenha se rendido à  inevitabilidade avassaladora do novo sistema. Essa incerteza final ecoa a complexidade  das questões abordadas e deixa varias interpretações, desafiando-nos a refletir sobre  os limites da resistência e os dilemas éticos diante da tirania.

Ao comparar “O Novo Sistema” com “O Conto da Aia” de Margaret Atwood, percebemos  semelhanças marcantes na exploração das dinâmicas de poder e controle em sociedades distópicas. Ambas as obras destacam a importância da resistência coletiva  e da solidariedade na luta contra a opressão, convidando os leitores a refletir sobre os  valores fundamentais da liberdade e da justiça.

Em suma, “O Novo Sistema” é uma peça provocativa que nos confronta com as  consequências sombrias do autoritarismo e nos incita a questionar as estruturas de  poder em nossas próprias sociedades. Por meio de uma linguagem poderosa e uma  narrativa envolvente, Hilda Hist nos leva a uma jornada de reflexão sobre a importância  da liberdade individual e da resistência contra a tirania.


Referências :

O Novo Sistema – Hilda Hilst. (1968)

[Arquivo de vídeo] Canal do Diego Pallardo. [https://youtu.be/Y2Q0-

_UdGZk?si=dHfvZ8bb2-e4W0B_](https://youtu.be/Y2Q0-_UdGZk?si=dHfvZ8bb2-

e4W0B_)

(1985). O Conto da Aia. Editora Marco Zero.




*A escolha desse título, "Uma Distopia pela Odisseia da Liberdade", sugere uma narrativa onde uma sociedade distópica serve como cenário para uma jornada em busca da liberdade. A expressão "odisseia da liberdade" enfatiza a importância da busca por autonomia e dignidade humana, mesmo em meio à opressão e ao controle totalitário característicos de uma distopia.

Os postes da tirania   por Aline Priscilla Lopes Leal

No palco sombrio da tirania e da dor,

Os postes erguidos, símbolos de terror.

Lá onde a verdade se expõe cruelmente,

Na frieza da noite, implacavelmente.


Crianças doutrinadas, sem voz, sem vez,

Crescem na sombra do medo e da insensatez.

A crueldade impera, na busca do controle,

Enquanto o coração humano é vítima da morte.


A física ensinada, a humanidade esquecida,

Entre cifras e equações, a alma é perdida.

Os postes se erguem, testemunhas silenciosas,

Das vidas ceifadas, das almas dolorosas.


No entanto, a resistência sucumbe ao peso da opressão,

E a chama da esperança se extingue na escuridão.

As vozes silenciadas, os sonhos destroçados,

Na tristeza profunda, os corações esmagados.


Nas sombras da tirania, a dor se perpetua,

E a liberdade parece apenas uma utopia nua.

No palco sombrio, onde a verdade é sufocada,

O lamento ecoa, na alma desolada e abandonada.