Por Elise

Por Elise é a primeira criação do grupo espanca! (MG), que desde a sua fundação, em 2004, busca na arte no teatro uma reavaliação sobre a ética. A peça, agora no formato de livro, é dirigida por Grace Passô, que também é atriz do espetáculo.Por Elise trata das constantes revelações das relações humanas e as contradições dos sentimentos. A peça aborda o nosso envolvimento com as coisas e o quanto nos protegemos delas. E nessa busca, o amor espanca os homens, docemente. No encontro dos mais diversos personagens – uma Dona de Casa que narra a história de seus vizinhos; um Cão que late palavras; um Lixeiro em busca de seu pai; uma Mulher perdida e um Funcionário que trabalha como recolhedor de cães doentes – se revela o universo humano de cada um.

Fonte: Amazon

Resenha por Wiliam Siqueira

Resenha: Por Elise de Grace Passô


O texto foi produzido no processo do espetáculo Por Elise e foi uma parceria de quatro atores. O que chama atenção logo no início da leitura é a orientação (Canovaccio 5), o que nos remete a commédia dell’arte. Que é uma vertente do teatro renascentista, que surgiu no começo do século XV. 

Canovaccio é uma espécie de roteiro, onde está descrito que são as personagens, o que e onde elas atuam e o enredo da história, porém não há falas, elas são feitas de improviso pelos atores, no texto em questão há as rubricas e as falas das personagens. 

A história nos traz uma acontecimento repetitivo de um abacate que cai sempre próximo aos personagens, como se fosse um aviso, um sinal para eles. A queda do abacate provoca medo em uma das personagens que sempre se assusta com este ocorrido. Imaginamos aqui o medo da dor, pois uma fruta pesada cair e sobre nossas cabeças pode nos machucar muito. O medo é o que mantém o ser humano longe dos perigos, é uma espécie de alarme, um alerta para nosso corpo e mente e assim evitarmos possíveis problemas.Outr

Na dramaturgia Por Elise, 5 personagens se encontram com bastante dinamismo nas ações e falas, fazendo com que a história flua com bastante agilidade. 

Há ainda no enredo um cão que late palavras:

CÃO: É por isso que eu peço: cuidado com o que planta no mundo. Cuidado com o que toca; com a capacidade que gente tem de se envolver com as coisas. Não adianta fingir que não sente. Gente sente tudo. Se envolve com tudo! Tudo.

Os cães são conhecidos por serem amáveis e mesmo quando distratados, voltam felizes com seu rabinho abanando no mesmo momento em que são chamados e esta fala acima descreve esta emoção, pois o ser humano vestido de seu orgulho e muitas vezes arrogância prefere a vingança ao diálogo e possível entendimento, prefere a discórdia, a briga, já os cães preferem o carinho, o amor, o perdão. 

Outra personagem que nos traz indagações mais filosóficas é o funcionário:

Func.: Meu coração tá parecendo um cavalo trotando! Eu não respiro, socorro! E Deus? Deus respira? E Deus, quem respira por ele? Quem respira por ele? Cadê Deus? Quem é Deus? Quem é Ele?

Nosso coração sempre parece um cavalo trotando pois sempre estamos com as emoções palpitando, a ansiedade nos faz ser e/ou ficar com esta sensação. E quanto as perguntas não temos as respostas, apenas simples e inquietantes suposições.

Por Elise nos leva com diálogos rápidos e dinâmicos a pensar sobre questões da vida, que muitas vezes só passamos de olho ou olhamos de rabo de olho. 


Wiliam Siqueira

Ator, DRT 55251

Jornalista MTB 47981


Bibliografia:

Site: Commedia Dell’Arte - Toda Matéria (todamateria.com.br)

Site: Por Elise | espanca!

POR ELISE Canovaccio 5 Março/2005 Dramaturgia: Grace Passô


Resenha por Nathalia Rios Moreira

A dramaturgia contemporânea brasileira tem visto, nos últimos anos, o surgimento de novos nomes que renovam a cena teatral e apresentam trabalhos que exploram as fronteiras do teatro como forma de arte. Entre esses novos nomes, destaca-se a dramaturga mineira Grace Passô, que tem conquistado espaço e reconhecimento por sua escrita poética e singular.

Uma das obras mais emblemáticas da autora é Por Elise, um espetáculo que se destaca pela sua delicadeza e sutileza. A peça apresenta fragmentos de histórias que vão ganhando sentido pela montagem das cenas, revelando intensidades em seus personagens e explorando a memória como elemento que estabelece o percurso entre os "eus" e desestabiliza as identidades-fixas dos personagens.

Nesse sentido, Por Elise se edifica numa mostragem, numa exposição do que pode a língua como figura daquilo que acontece ao falarmos, ao ouvirmos alguém dizer algo. A inserção dramatúrgica da melodia da “música do caminhão de gás”, como ficou conhecida a peça para piano de Beethoven, promove o reconhecimento e nos mostra o estranho do mundo cotidiano.

A obra convida o público a refletir sobre as relações humanas, a importância da memória e do tempo, além de nos mostrar a força da arte como meio de expressão. Por Elise fala do envolvimento entre as pessoas por um regime de vizinhança, seja esta geográfica ou puramente afetiva, alcançando o espectador ainda pelo que não se diz.

Com uma linguagem poética e imagética, a dramaturgia de Grace Passô é capaz de envolver o espectador de forma única e transformadora. Através de imagens que transitam entre movimento e ações, como no Tai Chi, que é utilizado como um meio expressivo para as qualidades dos corpos na cena, a obra apresenta memórias que aparecem nos corpos e gestos pequenos, como iluminação de um outro tempo, e nos fazem ter a percepção sobre acontecimentos que normalmente não podemos enxergar ou dos quais não temos consciência.

Os jorros de memória encontram materialização nas falas-latido do cão, na corrida incessante do rapaz que recolhe o lixo, nas quedas da mulher e na imagem do lixo. Tudo isso constrói um ambiente que promove o reconhecimento e a identificação do público com a obra, além de despertar a reflexão sobre questões fundamentais da vida em sociedade.

No texto retirado do site “Questões de Critica”, o crítico e pesquisador teatral Luiz Fernando Ramos destaca a força poética da obra em falar do envolvimento entre as pessoas por um regime de vizinhança, seja esta geográfica ou puramente afetiva, e alcançar o espectador ainda pelo que não é dito. Segundo Ramos, "Em Por Elise, paradoxalmente, as associações não são óbvias, mesmo a vida não sendo tão imprevisível que não possa acontecer na história comum, ou dos comuns como diz o texto de Grace Passô".

Por tudo isso, Por Elise é uma obra que merece ser lida e vista. É uma verdadeira pérola da dramaturgia contemporânea brasileira, que apresenta uma linguagem poética singular e uma abordagem delicada e transformadora sobre as relações humanas e a importância da memória. Grace Passô é uma autora que merece ser conhecida e reconhecida pelo seu trabalho singular e transformador.


Resenha por Sávio Lima Lopes

Por Elise, de Grace Passô: a memória é uma ilha - de um imenso arquipélago

Por Sávio Lima Lopes


Grace Passô é atriz, diretora, curadora e dramaturga brasileira. Alguns de seus trabalhos, são: a direção de "Contrações", "Os Bem Intencionados" fundou o

grupo Espanca! em 2004, e assinou como dramaturga textos como “Amores Surdos”, “Vaga Carne” e “Por Elise”.

“Por Elise” escrita, em 2005, por Grace Passô, durante o processo de criação do espetáculo, em parceria com os atores Gustavo Bones, Marcelo Castro, Paulo Azevedo e Samira Ávila, sendo que estes dois últimos foram substituídos posteriormente por Sérgio Penna e Renata Cabral, foi a primeira produção do grupo já citado. A peça granjeou reconhecimento de crítica e público nas apresentações ao longo de 2005/2006.

A peça narra histórias que perpassam os habitantes do cotidiano comum: vizinhos, lixeiros (garis), uma jovem amargurada e um cachorro à beira da morte. Tudo isso entremeado pela tradição da sabedoria popular: “Cuidado com o que planta”. Afinal, em um palco nu, o que é visto vez por outra, são abacates caindo e quase acertando a protagonista. Apesar dos personagens cotidianos, a estrutura do texto não é prosaica, fácil; não se está diante de uma narrativa linear.

A fragmentação é a regra no espetáculo de Grace, fazendo parecer que as múltiplas tramas dessas situações não têm relação entre si. Os flashes da narrativa (saltos ou lapsos) impõem o contrário da advertência inicial da peça - “Não se envolva!” - é do envolvimento que precisamos - ou, como diz Caetano em “Divino Maravilhoso”, é preciso estar atento e forte. É através da atenção, que compomos o mosaico fragmentado em busca de sentido.

As fugazes aparições derivadas do texto fragmentado, permitem a criação de uma imagem da memória. Já bem disse o poeta Waly Salomão: “A memória é uma ilha de edição”. O sentido, parece, é de que a memória é editável; não é precisa, pode ser manipulada ao sabor do seu editor. Entretanto, arrisco uma outra hipótese: a memória como ilha, ilha como porção de terra. Uma ilha, memória individual, subjetiva. Neste sentido, o texto de Grace, parece ser uma coleção de memórias - de ilhas - que estão relacionadas por fazerem parte de um arquipélago que, ganham sentido no agrupamento. Assim, as memórias-ilhas expostas no palco ganham sentido e relação à medida que o público se envolve - contrário da advertência inicial.

Apesar das situações prosaicas, a linguagem é poética. Como não notar a imagem evocada a partir de algo como um lixeiro que durante o trabalho fantasia estar correndo a caminho do mar?

Por conta do lirismo presente no texto - não fosse sua linguagem - a peça passaria como uma crônica baseada no ordinário cotidiano. Superada a ordinária vida comum, “Por Elise” ganha o status de (pequena) fábula contemporânea, dada sua delicadeza.

Apesar do quão ordinárias são as memórias colocadas no palco, quão erudita é, também, a alusão ao título da peça? Für Elise, de Ludwig Van Beethoven, é uma das obras mais conhecidas do compositor germânico. No entanto, o que popularizou a composição no Brasil, foi quando esta foi integrada ao caminhão de lixo, sinalizando, assim, que o caminhão estava passando na rua. Assim como a delicada melodia no robusto caminhão, quanto lirismo cabe no bruto cotidiano? Esse parece ser o ponto central da peça. E Grace, com sua delicada fábula contemporânea, parece nos responder precisamente: Muito.


Referências

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/acontece/ac0910200502.htm

https://www.cultura.pe.gov.br/canal/fig2023/por-elise-um-espetaculo-que-reclama-se

nsibilidade/

https://www.horizontedacena.com/dossie-espanca-por-elise-e-amores-surdos-poetic

as-textuais/

FÜR ELISE. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2021.

Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=F%C3%BCr_Elise&oldid=60250294>

GRACE PASSÔ. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2023.

Disponível em:

<https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Grace_Pass%C3%B4&oldid=65839392>

Resenha por Josilene Nery

Resenha da dramaturgia Por Elise, de Grace Passô 

                                                                                                     por Josilene Nery


A intrigante dramaturgia Por Elise, foi escrita pela dramaturga, atriz e diretora Grace Passô. Publicada em 2005, foi montada pelo grupo Espanca. Inclusive, o nome do grupo está totalmente relacionado às metáforas presentes na peça e a marcante frase " Tem coisa na vida que espanca doce".

E de fato a própria peça espanca doce, pois mesmo ouvindo o aviso da narradora para não se envolver, somos tomados pelo lirismo da peça.

  A dramaturga estruturou a narrativa de forma aparentemente singela, e por meio de ações cotidianas e metáforas extra cotidianas constrói sentidos subjetivos que aos poucos vai desmontando quem lê/assiste. 

E fazendo com que o leitor/espectador se aproprie da narrativa e veja seus próprios medos refletidos nas personagens.As personagens caminham numa crescente, a medida que  expõe seus objetos de desejo e/ ou medos suas camadas vão se revelando. 

A mulher dançante, o jovem em busca de respostas para superar  traumas do passado. O funcionário que veste várias camadas de roupas na vã tentativa de se proteger das emoções, dona de casa, que acompanha toda movimentação ciente do destino de cada um. E a figura do cão, que lê o sentimento de todos, incapaz de  dissimular, totalmente disponível para o afeto e o perdão.

A dona de casa  abre a peça anunciando que tem mil histórias e desfila diversas delas, de forma natural. E ao longo da trama, cabe a ela acionar o público para que permaneçam ativos. 

É ela  que Brechtinianamente quebra a quarta parede e alerta que tenhamos cuidado com o que plantamos no mundo.

Assim como adverte os atores para que usem a técnica para não envolverem demasia com a história que estão contando.E a necessidade desse cuidado se materializa a cada queda de abacate, que marca as mudanças de cena e  as frases que ficam por terminar.

Por Elise, aborda de forma muito sensível a liquidez do mundo contemporâneo, em que o medo do envolvimento superficializa as relações.

Em que na tentativa de nos proteger, deixamos de viver plenamente nossos afetos. Explícita quase que de forma desenhada as nossas contradições e a teia complexa dos nossos sentimentos.

Apesar de ser um texto épico, ele flerta com o dramático e bebe do lirismo nas construções linguísticas  recheadas de recursos expressivos, haja vista para o título dos atos que têm uma  carga subjetiva muito grande. Alguns detalhes só perceptíveis pra quem lê o texto.

Por Elise, trilha o caminho dos afetos, pois não há um conflito principal, e sim diversos conflitos internos ou do cotidiano que vão aparecendo aos poucos, a ausência de cenário material é mais uma indicação de que a peça se passa num não-lugar. E de que esses conflitos são comuns, evidenciado também pela  despersonalização dos personagens que não possuem nome.


REFERÊNCIAS

ABREU, Kill. “Por Elise”: grupo mineiro traz lições de delicadeza na bagagem. Curitiba: Di|rio do Fringe de 24 de março de 2005. Artigo acessado em <www.espanca.com>, em maio de 2023

PASSÔ, Grace. Por Elise. Belo Horizonte: Grace Passô, 2005.

RESENDE, Flávia Almeida Vieira.Por Elise: sobriedade épica, respiração lírica, grito dramático, 2011.  Artigo acessado em http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/revele/article/view/3925