Manual Prático Sobre a Velhice

Manual para leer un prospecto médico: un efecto secundario da dramaturgia de Lorena Lima 

Escribir es sin duda un acto político, escribir sobre si es un acto íntimo. Sin embargo, escribir sobre aquello que nos atraviesa a veces es, ante todo, la única manera de no sucumbir al torbellino, al caos, al desorden. Escribo, como muchas mujeres, ante todo, para mi misma, porque requiero organizar mis ideas, porque no sé qué hacer con lo que trasborda, con los restos de lo vivido. Porque las palabras me rondan hasta que las escribo en una servilleta, en una libreta. Me piden tinta, me exigen ser. La autora de manual para la vejez, Lorena Lima, nos recuerda eso, no solo con su intervención generosa de la última sesión del club de lectura, sino, sobre todo, en su texto. Abrir un texto sobre la vejez con preguntas es generoso, y al mismo tiempo instigante, pues hace que, desde el primer renglón su texto dramatúrgico cumpla su función primordial, plantear abismos a quienes, del otro lado leeremos el texto y por supuesto a las actrices, actores y directores que le pondrán el cuerpo a ese escrito. 

Ya la sugerencia de que el texto sea leído como un prospecto de medicamento me lleva a pensar en tantas cosas, pues como dije durante nuestros encuentros yo nunca los leo. Tengo con ellos una especie de relación de premonición hipocondriaca que no me lo permite. Aun así, tengo que confesar que la idea me ha fascinado desde el primer momento, me ha seducido a pensar en las posibles interpretaciones de las consignas de los actos de los diálogos escritos. 

Después de leer el prospecto, de Lorena, tengo la sensación de que me he terminado tomando el remedio que me ha ofrecido. Un remedio que alivia el caos de decir, de hablar sobre aquellos temas que nadie quiere abordad de modos bien diferentes a los que siempre son abordados, la vejez y el sexo, la vejez y la vanidad, la vejez y el cinismo del lucro sobre ella.  Es de todas esas sensaciones que surgió un cuento, un texto proprio, un efecto secundario del remedio que nos ha ofrecido lorena. Se los dejo para que lo lean. Lo he llamado: “recorro la casa”. 


Recorro la casa

Recorro la casa, una y otra vez, intentando vencer el pequeño caos que ocasiona la vida con un hijo, la vida con la vida, la vida con un cuerpo. 

Llevo medias impares en una mano, con la otra recojo los vasos de vidrio que quedaron en algún mueble, en la mesita de dormir, son dos y luego tres vasos con una sola mano. No se me caen. Las cosas se rompen siempre sin que lo preveamos, justo en la hora donde la idea premonitoria no se nos cruza por la cabeza. Pero cuando agarras tres vasos con la misma mano, juntándolos por el borde, nunca resbalan. Recorro la casa, tomo un vaso de agua fría, siento el cansancio de mi cuerpo mientras trago el agua, un cierto dolor que no puedo ubicar exactamente, que me recorre como yo recorro esta casa, a sus anchas. 

Pongo algo de agua a calentar, sacudo las almohadas, barro debajo de las camas, limpio el polvo detrás de los barrotes. Separo los juguetes por montoncitos, los acumulo para llevarlos más tarde al otro cuarto. Limpio la mesa, odio el mantel de hule que nunca se termina de secar… insisto, varias veces. Siempre olvido prender mi pelo antes de empezar. 

Llevo la ropa sucia al tacho y al pasar por la cocina recuerdo el agua que ya burbujea dentro de la pequeña jarra azul. ¡Es una suerte! pues puedo recorrer la casa durante horas sin pasar nuevamente por la cocina, sin escuchar las burbujas desesperadas de calor. Es una suerte, porque entonces me obligo a colar el té negro con dos rodajas de limones deshidratados, las últimas de la bolsita. Es una suerte los limones, es una suerte sentarme y poder escribir, por fin, esa frase que me ronda la cabeza desde que empecé a querer dar un cierto orden para este caos. La he repetido como un mantra para que no se me olvide mientras limpio…

Tomo una libreta y escribo “Recorro la casa, una y otra vez”. Respiro aliviada. Ahora es solo dejar venir lo que viene después. Tomo un sorbo de té. Me invade la sensación de que todo esto es una especie de suerte… el caos, el mantra, el agua, el té, la libreta y, por supuesto, las últimas dos rodajas de limones. 

Recorro la casa, una y otra vez.


Manual para ler uma bula: um efeito colateral da dramaturgia de Lorena Lima. Por: tatiana Azeñas

Escrever é, sem dúvida, um ato político, escrever sobre si mesmo é um ato íntimo. No entanto, escrever sobre aquilo que nos atravessa às vezes é, antes de tudo, a única maneira de não sucumbir ao turbilhão, ao caos, à desordem. Escrevo, como muitas mulheres, principalmente para mim mesma, porque preciso organizar minhas ideias, porque não sei o que fazer com o transbordar, com os restos do vivido. Porque as palavras me rodeiam até que eu as escreva em um guardanapo, em um caderno. Elas pedem tinta, exigem ser. A autora de "manual para a vejez", Lorena Lima, nos lembra disso, não apenas com sua generosa intervenção na última sessão do clube de leitura, mas, sobretudo, em seu texto. Abrir um texto sobre a velhice com perguntas é generoso e ao mesmo tempo instigante, pois faz com que, desde a primeira linha, seu texto dramatúrgico cumpra sua função primordial, apresentar abismos àqueles que, do outro lado, lerão o texto e, é claro, às atrizes, atores e diretores que darão vida a esse escrito. 

A sugestão de que o texto seja lido como um prospecto de medicamento me leva a pensar em tantas coisas, pois, como disse durante nossos encontros, eu nunca os leio. Tenho com eles uma espécie de relação de premonição hipocondríaca que não me permite. Mesmo assim, tenho que confessar que a ideia me fascinou desde o primeiro momento, me seduziu a pensar nas possíveis interpretações das instruções dos atos dos diálogos escritos. 

Depois de ler o prospecto de Lorena, tenho a sensação de que acabei tomando o remédio que ela me ofereceu. Um remédio que alivia o caos de falar sobre temas que ninguém quer abordar de maneiras diferentes das usualmente abordadas, como a velhice e o sexo, a velhice e a vaidade, a velhice e o cinismo do lucro sobre ela. Foi a partir de todas essas sensações que surgiu um conto, um texto próprio, um efeito colateral do remédio que Lorena nos ofereceu. Deixo para que o leiam. Eu o chamei de: "percorro a casa".



Percorro a casa

Percorro a casa, uma e outra vez, tentando superar o pequeno caos provocado pela vida com uma criança, pela vida com a vida, pela vida com um corpo. 

Seguro meias desiguais em uma mão, com a outra apanho os copos de vidro que ficaram em algum móvel, na mesa de cabeceira, são dois e depois três copos com uma só mão. Eles não caem. As coisas sempre quebram sem que possamos prever, exatamente na hora em que a ideia premonitória não nos passa pela cabeça. Mas quando seguras três copos com a mesma mão, juntando-os pela borda, nunca escorregam. Eu ando pela casa, pego um copo de água gelada, sinto o cansaço do meu corpo enquanto bebo a água, uma certa dor que não consigo localizar exatamente, que me percorre enquanto eu percorro essa casa, à vontade. 

Coloco um pouco de água para esquentar, sacudo as almofadas, varro debaixo das camas, limpo o pó atrás das grades. Separo os brinquedos em montinhos, os acumulo para levar depois para o outro quarto. Limpo a mesa, odeio o mantel de plástico que nunca seca totalmente... eu insisto, várias vezes. Sempre esqueço de prender meu cabelo antes de começar. 

Levo a roupa suja para o cesto e, ao passar pela cozinha, lembro da água que já está borbulhando dentro da pequena jarra azul. É uma sorte! pois posso andar pela casa por horas sem passar novamente pela cozinha, sem ouvir as bolhas desesperadas de calor. É uma sorte, porque então me obrigo a coar o chá preto com duas rodelas de limão desidratadas, as últimas do saquinho. É uma sorte os limões, é uma sorte sentar e finalmente poder escrever essa frase que fica rondando a minha cabeça desde que comecei a querer dar uma certa ordem para esse caos. Eu a repeti como um mantra para não esquecer enquanto limpo...

Pego um caderno e escrevo "Percorro pela casa, uma e outra vez". Suspiro aliviada. Agora é só deixar o que vier depois. Dou um gole no chá. Sinto a sensação de que tudo isso é uma espécie de sorte... o caos, o mantra, a água, o chá, o caderno e, é claro, as últimas duas rodelas de limão. 

Percorro pela casa, uma e outra vez.


Uma Jornada de Reflexão: Resenha do Livro ' MANUAL PRÁTICO SOBRE A VELHICE.' por  Aline Lopes

"Manual prático sobre a velhice", uma obra surpreendente e luminosa da autora Lorena Lima, é uma celebração da vida em sua plenitude, oferecendo uma perspectiva singular e profundamente humana sobre o processo de envelhecimento.

Lima nos leva a uma jornada cativante, onde cada página é um convite para explorar as complexidades, desafios e, acima de tudo, as alegrias que acompanham a passagem do tempo. Com uma mistura habilidosa de humor e sabedoria, ela nos presenteia com uma galeria de personagens vibrantes e situações do dia-a-dia que ressoam com autenticidade e empatia.

Uma das características mais marcantes do livro é a forma como Lima desafia e subverte estereótipos sobre a velhice. Longe de retratar esse período da vida como um declínio inevitável, ela nos apresenta uma visão renovada e esperançosa, onde a maturidade é celebrada e a experiência é valorizada. É uma narrativa que nos lembra que envelhecer não é apenas uma questão de contagem de anos, mas sim uma jornada de autoconhecimento, crescimento e, acima de tudo, de renovação constante.

Através de uma prosa envolvente e rica em detalhes, Lima nos convida a refletir sobre uma série de temas pertinentes, desde questões de saúde e bem-estar até a importância dos vínculos familiares e sociais. Ao mesmo tempo, ela nos desafia a repensar nossas próprias atitudes em relação ao envelhecimento, confrontando-nos com perguntas difíceis e nos encorajando a abraçar cada fase da vida com gratidão e coragem.

Um dos aspectos mais notáveis da dramaturgia é sua capacidade de evocar uma ampla gama de emoções no leitor. Em uma página, podemos nos encontrar rindo alto com as travessuras de um personagem excêntrico; na próxima, somos levados a reflexões pela ternura de um momento de conexão genuína. É essa riqueza emocional que torna "Manual Prático sobre a Velhice" uma leitura verdadeiramente inesquecível, capaz de tocar os corações e as mentes de leitores de todas as idades.

Em última análise, "Manual Prático sobre a Velhice" é mais do que apenas um livro sobre envelhecimento; é uma obra-prima de empatia e compaixão, que nos lembra da beleza e da dignidade inerentes a cada estágio da vida. Com sua prosa habilidosa e seu olhar perspicaz, Lorena Lima nos presenteia com uma obra que não apenas nos faz refletir sobre o verdadeiro significado do envelhecimento, mas também nos inspira a viver cada dia com mais amor, aceitação e gratidão. É uma leitura obrigatória para todos aqueles que buscam uma visão mais ampla e mais profunda do que significa ser verdadeiramente humano.

Referência: Manual Prático sobre a Velhice – Lorena Lima - Elas tramam livro dois.


Crônica : O Brilho na Janela,  por Aline Lopes 

Nas tardes ensolaradas de verão, quando o calor se espalhava preguiçosamente pelas ruas e o céu se tingia de um azul profundo, havia um pequeno apartamento na esquina da rua que chamava a atenção de quem passava. Não pelos seus adornos extravagantes ou pela sua imponência, mas sim pelo brilho que emanava de uma janela solitária no último andar.

Ninguém sabia ao certo quem era o morador daquele apartamento, nem mesmo seu nome. Alguns diziam que era um escritor solitário, cujas palavras ganhavam vida sob o brilho do sol da tarde. Outros afirmavam que era um artista, que transformava suas telas em obras de arte sob a luz inspiradora que adentrava pela janela.

Eu, porém, prefiro acreditar em uma história diferente. Uma história de amor e de esperança, que transformava aquele pequeno apartamento em um refúgio de felicidade e paz.

Para mim, o morador daquele apartamento era um idoso gentil e sorridente, cujos dias eram preenchidos com as lembranças de uma vida bem vivida e os sonhos de um futuro ainda por vir. Ele passava suas tardes na poltrona ao lado da janela, observando o mundo lá fora com olhos cheios de ternura e gratidão.

Era ali, naquele cantinho iluminado pelo sol, que ele encontrava conforto e inspiração para enfrentar os desafios do dia a dia. Era ali que ele se conectava com as memórias de um passado distante e com os anseios de um amanhã promissor.

Ao passar pela rua, muitos podiam ver apenas um simples apartamento em uma esquina qualquer. Mas para aqueles que paravam por um instante e observavam com mais atenção, havia ali muito mais do que isso. Havia o brilho da esperança, a luz do amor e a beleza da vida, refletidos naquela janela solitária no último andar.


O medo da velhice por  Dandara Dias de Oliveira

O medo da velhice

Apresentação:

Inspirado na obra “Manual prático sobre a velhice” de Lorena Lima e “Farmácia Literária” de Susan Elderkin, o monólogo apresentará questionamentos vividos por uma mulher de fases.

A história se desenvolverá através de trocas de interpretações de cenas com pausas dramáticas, promovidas por frases reflexivas.

 

Inicia com a declamação de uma poesia:

Enquanto caminha a personagem analisa sua vida. Voz ao fundo, como pensamento.

Observando o tempo passar, presa em minha solitude, vejo que meus passos já não estão como antes. Seu ritmo desacelera de acordo com o aumento da minha idade, e esta se aproxima com uma velocidade inimaginável.

Meus desejos se perderam com a decepção de não realizá-los. Minhas metas se frustraram com a rotina desanimadora. Meu modo de ser, pensar e agir, se perderam, como também o tradicionalismo, para um mundo onde a pressa fala mais que a beleza da vida, que a perfeição.

E hoje sigo apenas, aceitando minha velhice!

 

Locutor:

Quando crianças questionamos tudo aos mais velhos. Quando jovens desobedecemos todos seus conselhos. Quando adultos ignoramos ou esquecemos de pôr em prática seus ensinamentos, mesmo assumindo respeitá-los. Quando velhos refletimos nossos erros.

 

Cena 1:

Em frente ao espelho analisando os sintomas da vida.

Por que? Por que tenho que brincar de boneca? Por que tenho que ir para escola? Por que não posso saber agora? Por que...por que?...por que?...Quero ser grande logo.

 

Enquanto uma mão escreve o receituário a indicação do remédio.

Indicado para a infantilidade e inocência, para crianças de 0 a 14 anos.

 

Cena 2:

Em frente ao espelho analisando os sintomas da vida.

Eu vou assim mesmo. Não importa o que me digam. Não vejo a hora de me tornar adulta. Estou cansada que me digam o que fazer. Quero independência, quero ir longe, quero viver minha vida. Quero ser adulta logo.

 

Enquanto uma mão escreve o receituário a indicação do remédio.

Indicado para a imaturidade e teimosia, para jovens de 15 a 29 anos.

 

Cena 3:

Em frente ao espelho analisando os sintomas da vida.

Hoje me apego aos detalhes já vividos. Minhas tarefas tornaram-se rotina e o comodismo me atingiu. Meus planos e metas se ofuscaram com o cansaço do dia a dia. Já não tenho ânimo para procurar por mais.

Já me sinto tão próxima a velhice, que tenho medo e arrependimento por não ter tentado mais. Tento seguir aos aprendizados que a vida e os mais velhos me ensinam, mas apesar de tudo que faço, me vejo mais longe da verdade.

 

Enquanto uma mão escreve o receituário a indicação do remédio.

Indicado para a procrastinação e o comodismo, para adultos de 30 a 59 anos.

 

Cena 4:

Em frente ao espelho analisando os sintomas da vida.

A vida é passageira sendo a morte a única certeza que temos, e que torna o medo pela velhice algo que nos aflige por toda a vida. E quando chegamos enfim nessa fase da vida, percebemos que nem todas promessas são cumpridas, e que nada é para sempre.

Passamos a maior parte da vida buscando encontrar nosso eu perfeito, que esquecemos ou, sequer, percebemos que nosso verdadeiro ser está na imperfeição.

E quando chegamos na velhice, nos questionamos: “Será que realmente recebemos aquilo que merecemos?”. De uma coisa é certa, nesta etapa da vida aprendemos a reconhecer o valor da simplicidade, do descanso, sossego e silêncio. Adquirimos o dom da paciência, a agilidade dá espaço para a sabedoria. Queria tanto que a juventude entendesse a importância dos pequenos detalhes.

Neste momento, meu maior medo é perder a memória, pois junto com ela, irá embora todo o aprendizado adquirido na vida. Vida esta, que me deixou muita saudades. Tenho saudades de tempos que não voltam mais.

Será que aproveitei bem a vida?

 

Enquanto uma mão escreve o receituário a indicação do remédio.

       Indicado para a dúvida e incerteza, para idosos acima de 60 anos.

 

Texto final: Novamente uma declamação de poesia.

A velhice é o ápice da sabedoria, pois ela nos permite viver como se tudo fosse o último de nossas vidas. Quando ela se apresenta, já não consegue acompanhar o tempo, não que isso importa, já que viveu muitas coisas e o que virá torna-se acréscimo.

A velhice tem muitas versões e visões, de quem vive, quem convive e quem reavive, mas todas elas representam uma parte de um ciclo. Muitos acreditam que a mudança para a velhice lhe fará mal, e que com o tempo, os planos não existem mais, sobrando apenas viver intensamente.

Quisera eu envelhecer com calma, analisando todos os detalhes da minha vida, e quando o esquecimento basta apenas sobreviver. Meu maior medo é que a velhice me aprisione na solidão.

Mas uma coisa é certa, entendam que a sabedoria chega em momentos diferentes nas pessoas.


EPITÁFIO por  Maria Eduarda Cândido

Olá, queridos alunos. Se esse texto chegou até você de alguma forma, é porque eu morri. Não, eu não sou um Brás Cubas ou aquele cara que canta “O acaso vai me proteger…”, e não estou narrando esse texto do além. Na verdade, escrevo isso no que provavelmente será um dos meus últimos dias de vida. 

Quem me conhece, sabe que luto contra a Esclerose Múltipla há alguns anos. ‘Pra aqueles que me conhecem mas não sabem exatamente o que é isso, eu explico brevemente: é uma doença crônica e autoimune, ou seja, não tem cura e surge dentro do meu próprio corpo. Existem até fatores que podem aumentar a possibilidade de desenvolver, mas não são via de regra. Enfim, esse tipo de esclerose é neurológica, ou seja, atinge o sistema nervoso, mais especificamente, os neurônios. Em palavras leigas, consiste na quebra da capinha que protege os neurônios, e quando isso acontece, a transmissão da mensagem entre o cérebro e o corpo é danificada, gerando os sintomas. 

É um fim um tanto irônico para uma médica neurologista, não acham? Isso parece até roteiro de Grey’s Anatomy, só porque eu detesto essa série. Gostaria de deixar aqui meu recado para o universo: eu já entendi, ok? Essa carta é sobre isso. 

Durante muitos anos, minha vida foi dedicada aos estudos e ao trabalho: não me casei e nem tive filhos, mas me tornei uma das 5 melhores médicas do mundo na minha área. Me dediquei à pesquisas, doutorados, palestras, tudo que vocês imaginam, tanto no campo acadêmico quanto na prática profissional. Em 20 anos de carreira, eu havia conquistado coisas que meus pais com 40 não chegavam nem perto. 

Até que aos 48 anos eu fui diagnosticada, já portando a forma terciária da doença, que deixa algumas sequelas. A verdade é que eu ignorei os sintomas anteriores, porque a minha vida era agitada demais para que eu parasse e olhasse para isso da forma que deveria. Então, bloqueei os sinais e continuei. E aqui estou. 

E não, a esclerose em si, não mata. Mas ela causa muitos outros problemas e reduz muito a minha mobilidade. Esse texto inclusive está sendo ditado, e tem uma inteligência artificial registrando tudo. Tá aí mais uma coisa que eu critiquei e, no final, estou usando.

Enfim, o que eu tenho pra dizer fica endereçado especialmente aos meus alunos, pois eles são o mais próximo que eu cheguei de ter filhos, mas qualquer um que esteja vivo pode se beneficiar do que preciso contar. Ou não, aí já é escolha de vocês. Minha parte estou fazendo. 

Tendo isso esclarecido, o que eu quero dizer é: sejam humanos. Olhem para vocês e para os outros com humanidade. Vocês precisam aprender que ninguém é uma máquina que vai fazer tudo perfeitamente, até porque, mesmo as máquinas apresentam defeitos. Terão dias em que vocês vão se sentir muito cansados. Sintam o cansaço. Abracem suas necessidades e se permitam descansar. Haverá momentos em que vocês irão sentir muita raiva. Se permitam sentir, e tenham cuidado para não despejar esse sentimento em cima de outras pessoas, pois elas não têm nada a ver com isso, mas sintam. Abracem suas fraquezas. Aprimorem suas habilidades. Não deixem que a vida tire de vocês a oportunidade de enxergar todas as coisas boas por trás de cada momento. 

Não quero romantizar a vida, pois ela é muito injusta e pode sim ser muito ruim para muitas pessoas. Entretanto, ao mesmo tempo existe muita coisa boa que eu só descobri que existiam depois de deixar de vivê-las. Transformem seus próprios valores em seus pilares, deixem de medir-se pela régua alheia. Sigam a intuição de vocês. Desenvolvam um olhar mais gentil um ao outro. Retribuam os tapas com gentilezas. Busquem reconhecer a dor escondida atrás dos muros alheios, e permitam-se que suas próprias feridas sejam curadas. Vivam. Arrisquem-se. Tirem os pés do chão por alguns instantes. 

A velhice é muito subestimada. Muitos a enxergam como algo negativo, pensam somente nas doenças, nos empecilhos, no que a sociedade vai pensar. Hoje, eu sei que a velhice é uma dádiva. Significa mais tempo para viver uma vida bem vivida. É a oportunidade de descobrir cada vez mais sobre esse mundo gigantesco. É explorar milhões de possibilidades diferentes. É viver novas experiências. É um presente que nem todos possuem a honra de receber. Hoje, eu sei que não irei receber esse presente, porque eu mesma não fui uma “boa menina”. Mas aprendi a lição, mesmo que tarde demais. 

Vivam. Aproveitem cada segundo e cuidem de si mesmos, porque eu posso garantir: tudo passa rápido demais, e o arrependimento por não ter vivido, é o pior de todos. 

Se cuidem. 


Drª Betânia Oizus

1970–2024


O direito à velhice como ela é por  Laís Gomes Lopes Scarpe

O Manual Prático sobre a Velhice de Lorena Lima tem muitas camadas, assim como o passar da vida. Nele, Lorena escancara como a velhice é (não)vista em nossa sociedade, seja pela puta que perdeu o valor com o avançar da idade, seja pelo pai que não consegue mais fazer tudo sozinho e incomoda até a própria filha com sua velhice. 

 

A peça também percalça as diferenças de gênero do envelhecer. Na cena da farmácia “resort”, duas idosas na busca desenfreada pela “juventude eterna”. O fato de serem duas mulheres, sem nenhum homem, enfatiza uma preponderância da pressão estética recair no colo das mulheres, que por sua vez não têm permissão de envelhecer, quem dirá naturalmente. São convencidas de que precisam do creme X e do tratamento Y para que permaneçam bonitas nos moldes de uma beleza etarista, sinônimo de juventude.

 

A cena da consulta médica nos mostra que as mulheres devem sim permanecer bonitas e vaidosas desde que se comportem de acordo com sua idade. Tudo bem a idosa ser vaidosa e se preocupar com a aparência, mas não ao ponto de usar bíquini na praia. Já que o maiô é o traje ideal para esconder a pele enrugada e flácida do mundo, negando que o envelhecimento faz parte da vida. 

 

O personagem-defunto Hélio é a negação da morte real. Somos nós com dificuldades de aceitar nossa trajetória. O texto todo apresenta momentos que exprimem esse passar do tempo, com tudo o que ele pode trazer: arrependimentos, frustrações, desamor. Como o caso da mulher barbada que teve o sonho de voar no picadeiro frustrado, porque os pais não achavam que circo era lugar para mulher direita - “Meu sonho ficou pendurado lá no alto, balançando pra lá e pra cá…”.

 

Esses elementos provocam reflexão e angustiam o leitor atento, já que o tempo passa pra todo mundo, ou seja, todos nós envelhecemos a cada instante.

 

Em sua prestigiada história em quadrinhos “A obsolescência programada dos nossos sentimentos”, Zidrou & Aimée de Jongh contam a história de um casal de idosos que se conhecem já na velhice. Os autores bem sintetizam a universal trajetória física e psíquica do envelhecer: “O corpo se resigna mais rápido do que a alma. O tempo o enruga, o injuria, o humilha. Bom jogador, o corpo acompanha. O espírito, esse é mau perdedor. Só se rende aos trancos e barrancos, depois de revelações dolorosas e sucessivos espantos.”.