Medicina & Saúde

Conheça um pouco da história das epidemias e da medicina em Caxias do Sul, desde os tempos da colonização.

Desde o início da colonização, no final do século XIX, houve uma preocupação com as questões higienista e epidemiológica. Os imigrantes europeus, logo após sua chegada ao Brasil, eram confinados e cumpriam quarentena nos chamados Barracões de Imigrantes. Posteriormente eram liberados rumo a seus destinos, dentre os quais, a Colônia aos Fundos de Nova Palmira, região isolada e de difícil acesso na Serra Gaúcha.

Estes imigrantes, ao chegarem na recém nomeada Colônia Caxias, não estavam desassistidos. Já existia uma estrutura montada para recebê-los, a Diretoria da Colônia. Nos primórdios da ocupação, o médico José Carlos Ferreira, provavelmente, tenha sido o primeiro a atender os colonos. Ele mesmo contraiu varíola no primeiro surto epidemiológico que se tem notícia na região.

Funcionários da Comissão de Terras da Colônia Caxias. Sentado, à esquerda, Hugo Luciano Ronca, nomeado como farmacêutico em 1890. De pé, à direita, médico não identificado.Vila de Santa Teresa de Caxias, 1892. Álbum Recordação das Colônias. Fundo Arquivo da Diretoria da Colônia Caxias. Acervo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.
Pharmacia de Hugo Luciano Ronca na Rua Júlio de Castilhos. Vila de Santa Teresa de Caxias, c. 1895. Álbum Recordação das Colônias. Fundo Arquivo da Diretoria da Colônia Caxias. Acervo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.

Na época dos practicos

Seguiram práticos e farmacêuticos atuando como médicos na região, isso devido a falta de profissionais titulados para tal. Deste grupo, vários fizeram fama, como Romualdo Alessandrini “il dottorin” e Hugo Luciano Ronca, que chega a Caxias por volta de 1887, passando a clinicar em sua pharmácia, denominada Ítalo-Brasileira, na Rua Júlio de Castilhos.

Ronca esteve envolvido em um dos episódios mais marcantes e controversos ligados à saúde na colônia.

Morte no Barracão

Ao chegarem às colônias, novamente os imigrantes eram alojados em Barracões. Agora enquanto aguardavam sua designação para um lote, ficavam alojados em condições precárias, sem higiene e alimentação adequadas, aglomerados e mal instalados.

Em 1890, o Barracão recebia dois grupos de imigrantes poloneses, quando um surto de disenteria acometeu a vila recém emancipada, em especial os poloneses ali alojados. A epidemia chegou a vitimar 25 crianças em um único dia, no total a mortandade acometeu cerca de 150 poloneses e mais 50 crianças de outras etnias, entre o final de 1890 e o início de 1891. Várias são as teorias e interpretações para o episódio, o que se sabe é que Ronca atendeu as crianças polonesas no Barracão, mesmo após o Dr. José Bechtinger ter questionado as habilidades do suposto médico e denunciado em carta, à Inspetoria de Higiene em Porto Alegre.

Barracão de Imigrantes. Vila de Santa Teresa de Caxias, c. 1895. Álbum Recordação das Colônias. Fundo Arquivo da Diretoria da Colônia Caxias. Acervo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.

A atuação de falsos médicos já vinha sendo denunciada para o subdelegado de Caxias, desde 1887, pelo médico das colônias do Estado, Dr. Angelo Dourado.

Em 1897, o prático Ronca, mais uma vez se vê às voltas com suas imperícias. O falecimento do menino Felipe Isotton, após ser atendido com o braço deslocado, chega a alçada policial, mas novamente Ronca escapa de qualquer punição.

As epidemias vão ser uma constante no final do século XIX, com casos de cólera, tifo, sarampo, varíola, tuberculose, influenza.


O Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami, de Caxias do Sul, possui uma série documental dedicada exclusivamente a epidemias. Você pode acessá-la aqui.

Uma estância para os Tuberculosos

No início do século XX, a Serra Gaúcha, devido ao clima e altitude, era destino para pessoas acometidas pela tuberculose. O "clima de montanha" era a recomendação médica paliativa para quem buscava enfraquecer a doença, assim obtendo melhores chances de cura.

A região de Criúva, atual distrito de Caxias do Sul, era destino escolhido por numerosos pacientes desta enfermidade. A família Cartier também elegeu a localidade como morada para o tratamento de sua filha, a poetisa Vivita Cartier.

Nascida em Porto Alegre, morreu em Criúva, conhecida como "A Noiva do Sol", por trajar sempre vestes brancas, configurando um personagem que atiçava a imaginação dos contemporâneos, ao cavalgar seu cavalo zaino, batizado "Bergerac", e costurar de volta aos galhos das árvores as folhas secas caídas no outono.

Retrato colorido a mão de Vivita Laner Cartier (1893-1919), Caxias, c. 1917. Autoria Julio Calegari. Fundo Julio Calegari. Acervo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.
Relatório do Intendente Municipal Major José Penna de Moraes, apresentado ao Conselho Municipal em 15 de novembro de 1919.Acervo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.
Jornal O BRAZIL, de 23-11-1911. Acervo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.

A Gripe Espanhola e a época das Casas de Saúde

Anos depois, a cidade volta a sofrer com uma epidemia. Finda a primeira guerra, a gripe espanhola, que afligia o mundo todo, chega à Serra Gaúcha de forma avassaladora. Medidas de higiene e segurança são tomadas, como descreve o Intendente Municipal Major José Penna de Moraes, em seu relatório anual.

Os jornais também alertam e informam a população que a estação de trem passa por desinfecção. Apesar disso, a doença deixa inúmeras vítimas, entre elas, a filha caçula do comerciante e ex-intendente municipal Vicente Rovea. Angelina faleceu em 1918, dois anos após seu casamento, deixando o filho Vasco que tinha pouco mais de um ano. Ele relata esse acontecimento:

O atendimento aos doentes era feito em suas casas, onde os infectados permaneciam isolados. De forma geral, o atendimento médico na época era realizado a domicílio ou nas Casas de Saúde. Também as pharmácias serviam de consultório e bloco cirúrgico.

É neste momento que a cidade compreende a necessidade de uma estrutura de saúde que acompanhe o crescimento do município. Assim, após a pandemia, surgem os primeiros hospitais.

Voluntárias da Cruz Vermelha em Caxias do Sul durante o período da Primeira Guerra.Caxias, [1914-1917]. Autoria não identificada.Fundo AHM. Acervo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.
Angelina Rovea, à esquerda, com a família, em frente à Casa de Negócios de seu pai, Vicente Rovea. Ela casou-se em 1916 e veio a falecer dois anos depois, de gripe espanhola, deixando o filho Vasco, com quatorze meses.Caxias, c. 1908. Autoria não identificada.Fundo Vicente Rovea. Acervo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.
Dr. Romolo Carbone.Porto Alegre, [déc. 1920]. Autoria Photo AnelloFundo Júlio Sassi. Acervo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.

Os Hospitais entram em cena

O Dr Romolo Carbone, em 1925, abre a sua Casa de Saúde no prédio que anteriormente abrigou a Casa de Negócios de Vicente Rovea.

Em 1931, quando um grupo de médicos se une ao Dr. Carbone, a Casa de Saúde se transforma no Hospital Beneficente Santo Antônio. Mas o primeiro hospital de Caxias foi outro.

Inauguração do Hospital Beneficente Santo Antônio, no local onde funcionou a Casa de Negócios de Vicente Rovea. Atualmente no prédio funciona o Arquivo Histórico Municipal.Caxias, 13/06/1931. Autoria não identificada.Fundo João Spadari Adami. Acervo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.

Em 1920, o Hospital de Caridade Nossa Senhora do Rosário de Pompéia iniciou o atendimento hospitalar em Caxias, no mesmo prédio onde aconteceu o baile que comemorou a chegada do trem à cidade. O prédio foi adquirido pela Associação das Damas de Caridade, por 20 contos de réis junto ao Dr. Fracasso, “que depois da gripe espanhola tinha ficado meio descontrolado dos nervos”, conforme relata Dona Joaninha Dal Pont Lunardi. Assim, Caxias passava a ter seu primeiro hospital.

Hospital Nossa Senhora do Rosário de Pompéia. Ao centro, o prédio inaugurado em 25 de dezembro de 1940. O prédio à direita abrigou a primeira sede do hospital, que iniciou suas atividades em 24 de junho de 1920.Caxias do Sul. 1950. Autoria Studio GeremiaFundo Studio Geremia. Acervo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.

A Associação das Damas de Caridade foi criada em 12 de agosto de 1913, atualmente denominada Pio Sodalício das Damas de Caridade. Tinha por princípio socorrer os necessitados e atender os doentes. Em 1919 adquiriram a clínica do Dr. Fracasso e do Dr. Merlo, onde, em 24 de junho de 1920, é fundado o Hospital de Caridade Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, tendo o Dr Romolo Carbone como primeiro Diretor e chefe médico.

Diretoria das Damas de Caridade do Hospital Pompéia, juntamente com o Dr. Romolo Carbone e o Pe. João Meneguzzi.Caxias, [1920-1922]. Autoria não identificada.Fundo AHM. Acervo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.

Novos hospitais foram surgindo, Saúde, Fátima, Del Mese. Alguns continuaram suas atividades e outros fecharam as portas. Em 1974, um grupo de cinco médicos, adquiriu e reformou o prédio do atual Hospital Saúde Ltda. No entanto, a história deste hospital é bem mais antiga.


Momento do discurso do Dr. Rômolo Carbone na inauguração do Hospital Nossa Senhora de Fátima, atual Hospital Virvi Ramos.Caxias do Sul, 09 de março de 1957. Autoria Studio GeremiaFundo Studio Geremia. Acervo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.
Hospital Fátima, atual Virvi Ramos, ampliação. O hospital iniciou seu funcionamento em 1957. Caxias do Sul, [1971[. Autoria Mauro De Blanco.Fundo Mauro De Blanco. Acervo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.

O prédio que abriga o Hospital Saúde foi construído na década de 1930 com o intuito de ser a segunda e ampliada sede do Hospital Beneficente Santo Antônio. Desativado em 1942, o prédio foi vendido no ano de 1945, para ali ser instalado o Caxias Hotel, que funcionou até 1954. Neste ano, a edificação foi adquirida pela Sociedade Caritativo Literária São José, que já planejava a instalação da Escola de Enfermagem Madre Justina Inês no local. A escola iniciou suas atividades em março de 1957, reconhecida pelo Ministério da Educação e Cultura em 1959. Durante a década de 1960, a escola formou muitas enfermeiras e dispunha de um excelente corpo docente formado por renomados médicos. Paralelo à Escola de Enfermagem funcionava um hospital, que já possuía a denominação Hospital Nossa Senhora da Saúde. Possuía 220 leitos, atendia pacientes da cidade e região. A Escola de Enfermagem foi anexada à Universidade de Caxias do Sul, em 1970, mas as atividades hospitalares continuaram funcionando.

Fachada do Hospital Nossa Senhora da Saúde.Caxias do Sul, déc. 1960 . Autoria Mauro De Blanco.Fundo Mauro De Blanco. Acervo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.

A implementação e consolidação do Sistema Único de Saúde

A Constituição Federal de 1988 criou o SUS, sistema nacional público e universal de atendimento à saúde. Foi um enorme avanço para o país, que não contava com financiamento e ordenamento jurídico, no passado, para atender as pessoas não cobertas pela medicina empresarial ou por institutos de categorias profissionais. O SUS é mantido pelos três entes federativos (União, estados e municípios).

O município de Caxias do Sul assumiu a gestão plena do sistema a partir de meados dos anos 1990, criando uma rede básica de atendimento, com unidades básicas de saúde, unidades de pronto atendimentos, hemocentro, central de exames e internações em leitos dos hospitais da cidade. Caxias também se tornou, com o SUS, referência para toda a região nordeste do Rio Grande do Sul, em atendimentos de alta complexidade.

O passar do tempo trouxe novas necessidades para a cidade que crescia. Em 1998, Caxias do Sul passou a contar com um Hospital Universitário, totalmente voltado ao atendimento público pelo SUS. Por meio do convênio nº 334/97, celebrado entre o Estado do Rio Grande do Sul e a mantenedora Fundação Universidade de Caxias do Sul, o Hospital Geral (HG) iniciou as atividades no dia 19 de março de 1998.

A construção ocupou uma área cedida pela Secretaria Estadual da Agricultura. Atualmente, o HG é referência em saúde e oferece atendimento universal e gratuito para a comunidade local e da 5ª Coordenadoria Regional da Saúde.

Hoje, novamente, a cidade passa por uma pandemia e tem seu sistema de saúde colocado à prova. Porém, agora Caxias possui uma estrutura de saúde robusta, dispondo de seis hospitais: além dos citados anteriormente, somam-se o Hospital do Círculo e o Hospital da Unimed. Atendendo mais de milhão de habitantes dos 49 municípios da região.


Hospital Geral de Caxias do Sul. Autoria Jonas Ramos.Acervo IMHC-UCS.

Referências

  • Foto de Capa: Escola de enfermagem Madre Justina Inês, no Hospital Nossa Senhora da Saúde. Caxias do Sul, déc. 1960 . Autoria Mauro De Blanco. Fundo Mauro De Blanco. Acervo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.
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  • PRUX, Elenira Inês; SILVA, Maria Beatrís Gil da. MIRANTE: ARQUIVO HISTÓRICO. 1ª Edição. Caxias do Sul, RS : Anelise Cavagnolli, 1999.
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  • ZANCHI, Marco Tulio Rohrig. SAÚDE PÚBLICA EM CAXIAS DO SUL - NOVENTA ANOS DE EVOLUÇÃO E OS DESAFIOS DA MODERNIDADE. 1ª edição. Caxias do Sul, RS : Editora Maneco, 2015.