Proteínas - Digestão

DIGESTÃO DAS PROTEÍNAS (COMPOSTOS NITROGENADOS)

A digestão das proteínas, como dos demais nutrientes, ocorre pela ação de processos mecânicos, químicos e microbiológicos sobre os alimentos ingeridos pelos animais. Quanto mais eficientes esses processos, maior a probabilidade de que os diferentes nutrientes sejam eficientemente digeridos e posteriormente absorvidos.

DIGESTÃO DAS PROTEÍNAS NO ESTÔMAGO DE RUMINANTES

A proteína dietética ingerida é degradada pelos microrganismos do rúmen, em uma proporção que dependerá das características da fonte protéica e da ração; os compostos nitrogenados liberados são utilizados na síntese de biomassa microbiana. Dessa forma, a proteína que atinge o abomaso e intestino do animal, para ser digerida e absorvida, é composta de duas frações: - a proteína dietética que não foi degradada no rúmen (PNDR) e a proteína microbiana (PMicr) que foi sintetizada no rúmen (Figura 1) (Silva, 1992).

Os microrganismos proteolíticos presentes no rúmen degradam uma fração da proteína dietética (PDR) e, geralmente, transformam-na em peptídeos, aminoácidos e amônia e, no final, quase todos estes compostos são transformados em amônia; também, a maioria dos outros compostos nitrogenados não protéicos presentes na ração são transformados em amônia (Silva, 1992). Segundo McDonald et al., 1995), alguns aminoácidos são degradados posteriormente em ácidos orgânicos amônia e dióxido de carbono. Um exemplo da desaminação dos aminoácidos é o fornecido pela valina, como mencionado acima, é convertido em ácido isobutírico. Assim, os ácidos graxos de cadeia ramificada encontrada no líquido ruminal são originados dos aminoácidos. A amônia produzida, juntamente com alguns pequenos peptídeos e aminoácidos livres, são utilizados pelos microrganismos ruminais para sintetizar proteína microbiana. O importante fator da formação da proteína microbiana é que as bactérias são capazes de sintetizar aminoácidos essenciais, bem como não-essenciais, deste modo tornando seus hospedeiros independentes do suprimento dietético.

A amônia praticamente não tem valor nutritivo para o ruminante, pois, se ela não for transformada em proteína microbiana, será absorvida pelo rúmen e eliminada via fígado, rins e urina, na forma de uréia, sendo que parte poderá retornar ao rúmen na forma de uréia, via saliva e/ou difusão do sangue para o rúmen. Todavia, para esse Ciclo do Nitrogênio ocorra normalmente, não há necessidade de absorção de nitrogênio na forma de N-amônia no rúmen. O metabolismo normal da proteína no corpo do ruminante é suficiente para manter os níveis adequados de uréia no sangue e, conseqüentemente, na saliva (Silva, 1992).

Figura 1. Metabolismo de compostos nitrogenados no ruminante e o ciclo do nitrogênio (linhas contínuas, rotas normais, linhas interrompidas, rota pouco valiosa e até indesejável) (Silva, 1992).

Para que ocorra síntese de proteína microbiana no rúmen, deverá existir uma relação adequada entre as quantidades N-amônia e os compostos energéticos presentes na ração, que são fermentados no rúmen (matéria orgânica fermentada no rúmen – MODR), além, evidentemente, da presença de fósforo, enxofre, demais macro e microelementos inorgânicos e outros elementos que complementam a fermentação. Todos esses fatores são importantes, mas energia, fósforo e enxofre são básicos para síntese de proteína microbiana (Silva, 1992).

DIGESTÃO DAS PROTEÍNAS NO ESTÔMAGO DE NÃO RUMINANTES

O início da degradação da molécula protéica faz-se no estômago, pela ação da enzima proteolítica pepsina. Quando a proteína atinge o estômago, estimula a secreção do hormônio gastrina, que estimula a produção de ácido clorídrico pelas células parientais das glândulas gástricas. Nesse momento, o pH do suco gástrico está na faixa de 1,5 a 2,5. A acidez gástrica, além de atuar como antisséptico matando muitas bactérias, produz a desnaturação das proteínas globulares e, desse modo, propicia a exposição das ligações peptídicas ao ataque enzimático (Aires, 1999). Segundo Penz Júnior (1994) – Apinco – o HCl promove a ruptura das ligações peptídicas indiscriminadamente.

Proteínas globulares nativas (proteína em seu estado natural) sofrem desnaturação quando aquecidas; expostas a valores extremos de pH; tratadas com solventes orgânicos miscíveis com água, com etanol e acetona; tratadas com solutos como a uréia; expostas a ação de detergentes; ou simplesmente pela agitação vigorosa da solução protéica até formação abundante de espuma. Cada uma das formas citadas como causa de desnaturação pode ser considerada como tratamento relativamente suave. Testes diretos mostram que quando as proteínas sofrem desnaturação, não ocorre rompimento de ligações covalentes do esqueleto da cadeia polipeptídica. Assim, a seqüência de aminoácidos característica da proteína esta ainda intacta depois da desnaturação; entretanto, a atividade biológica da maioria das proteínas é perdida quando a desnaturação ocorre (Lehninger, 1990).

Figura . O calor e vários outros tratamentos podem desnaturar ou desenrolar as proteínas globulares sem quebrar o esqueleto covalente. A proteína desnaturada pode assumir, ao acaso, muitas formas diferentes, as quais em geral são biologicamente inativas (Lehninger, 1990).

As enzimas proteolíticas são classificadas em dois grupos principais (Teles, 1981):

a) Proteinases – as quais são capazes de atacar moléculas inteiras de proteínas;

b) Peptidases – as quais catalisam a clivagem de fragmentos relativamente pequenos, os peptídeos.

Todas essas enzimas são relativamente de alta especificidade. Contudo, enquanto as proteinases podem fracionar as proteínas, quer em peptídeos, ou numa maior degradação, chegar a aminoácidos, os produtos resultantes da atividade das peptidases são sempre aminoácidos (Teles, 1981).

Outra importante diferença entre os dois grupos de enzimas é que as proteinases são capazes de atacar as ligações escondidas dentro da hélice das proteínas, e sendo por isso chamadas endopeptidases, enquanto que as peptidases, também chamadas exopeptidases têm a sua ação restrita à hidrólise das ligações peptídicas adjacentes aos grupos α-amino ou α-carboxílico (as pontas) que se encontram do lado de fora da hélice da proteína (Teles, 1981).

A digestão protéica inicia-se no estômago pela ação da enzima pepsina secretada sob a forma inativa de pepsinogênio pelas células principais ou pépticas. O pepsinogênio é armazenado como grânulo de zimogênio nas células principais das glândulas fúndicas e do corpo do estômago. O pepsinogênio é enzimaticamente inativo no interior celular, porém, quando secretado, ao entrar em contato com o meio ácido do estômago, transforma-se em pepsina ativa. Esta, autocataliticamente, atua sobre outras moléculas de pepsinogênio e produz novas moléculas de pepsina (Aires, 1999).

H+

Pepsinogênio Pepsina + Polipeptídeo

O pH ótimo para a ação autocatalítica da pepsina é ao redor de 2,0. A ação proteolítica da pepsina se faz sentir em pH bastante baixo, entre 1,8 e 2,5, porém sua atividade diminui com a elevação do pH, tornado-se completamente inativa a pH acima de 5. Infere-se daí que, para a digestão protéica no estômago, a produção de ácido clorídrico é tão necessária quanto a produção da pepsina (Aires, 1999).

Os mecanismos que regulam a secreção de pepsinogênio estão esquematizados na figura abaixo.

Figura . Resumo dos mecanismos para estimulação da secreção e ativação do pepsinogênio. Act = acetilcolina. Fonte: Aires, 1999

O principal estimulante da secreção de pepsinogênio é a acetilcolina. A ativação vagal durante as fases cefálica e gástrica da secreção gástrica resulta em significante secreção de pepsinogênio. O íon H+ tem importante papel em várias fases desse processo (Aires, 1999):

a) O ácido é necessário para a conversão do pepsinogênio à pepsina. Ao pH 2,0 essa conversão é quase que instantânea;

b)O ácido dispara um reflexo colinérgico local que estimula a secreção de pepsinogênio pelas células principais;

c) Esse reflexo sensível a ácido aumenta a sensibilidade das células principais a outros estímulos e;

d) O ácido promove a liberação de secretina, hormônio produzido pelas células duodenais, que também estimula a secreção de pepsinogênio.

A gastrina é um hormônio que igualmente estimula a secreção de pepsinogênio. Seu efeito se faz através da estimulação da secreção de H+ e subseqüente ativação do reflexo colinérgico local.

A pepsina é a principal enzima proteolítica do organismo e a única do suco gástrico que hidrolisa as ligações peptídicas em que, um íon hidroxila é removido de um aminoácido, enquanto um íon hidrogênio é removido do próximo aminoácido. Assim, os aminoácidos combinam-se, também, através de um processo de condensação, ao mesmo tempo em que perdem uma molécula de água. A digestão das proteínas, por conseguinte, envolve, também, um processo de hidrólise em que as enzimas proteolíticas fazem a água voltar às moléculas protéicas, para desdobrá-las em seus aminoácidos constituintes (Guyton, 1989).

Figura . Polimerização de aminoácidos

A pepsina inicia rapidamente a hidrólise de proteínas nas ligações peptídicas envolvendo o grupo carboxila de um resíduo aromático (fenilalanina, triptofano ou tirosina). Além disso, a pepsina age de maneira mais lenta nas ligações peptídicas que envolvem outros resíduos, como por exemplo, a leucina e resíduos ácidos (Smith e Hill, 1988).

A pepsina é capaz de digerir quase todas as proteínas da dieta, em especial o colágeno, albuminóide que constitui o tecido conjuntivo intercelular dos músculos. Este substrato, pouco digerido por outras enzimas digestivas, uma vez degradado pela pepsina facilita a penetração de outras enzimas proteolíticas no espaço intracelular dos tecidos musculares (Aires, 1999).

Apesar de a pepsina liberar in vitro aminoácidos livres a partir de proteínas, trata-se de um processo relativamente lento. Além disso, como o alimento permanece no estômago por tempo limitado, a pepsina in vivohidrolisa as proteínas principalmente a uma mistura de polipeptídeos (Smith e Hill, 1988). Portanto, a pepsina somente inicia o processo de digestão protéica, liberando oligopeptídeos de cadeia longa e apenas 15% de aminoácidos, participa da digestão de 10 a 30% das proteínas totais da dieta (Aires, 1999).

Segundo Penz Júnior (1994) – APINCO O HCl promove a ruptura das ligações peptídicas indiscriminadamente. (ATIVAÇÃO DE ENZIMAS)

COAGULAÇÃO DO LEITE EM BEZERROS

A pepsina atua somente em meio ácido, em presença do ácido clorídrico do suco digestivo. No bezerro novo e lactante, com pH do estômago (abomaso) por volta de 4,0 a 4,5, a pepsina não tem ação e a renina (quimosina) será valiosa para coagular o leite. Além disso, Raymond et al. (1973) citado por Lucci (1989) julgam haver muito pouca secreção de pepsina em terneiros mantidos sob dietas líquidas.

Logo após o nascimento, no primeiro dia, o pH do conteúdo abomasal permanece elevado, entre 5,0 e 8,0, antes da primeira refeição. No entanto, já no segundo dia, o pH é de apenas 3,0 (Lucci, 1989). O conteúdo abomasal, anteriormente às refeições (excetuando-se os primeiros dias de vida), tem um pH ácido, normalmente situado entre 1,0 e 2,0. Durante a alimentação, o pH sobe e atinge 6,0 a 6,5 (Stobo, 1983 citado por Lucci, 1989) ao término da refeição, devido à excelente capacidade tampão do leite (Church et al., 1976 citado por Lucci, 1989), mas, em seguida, começa a cair – após três a quatro horas está entre 2,0 e 3,0 e cinco horas depois atinge os valores encontrados no animal em jejum.

A coagulação do leite e a hidrólise das ligações peptídicas no abomaso acontecem como resultado da ação da renina (quimosina) ou do sistema pepsina – HCl. Para sua ocorrência é necessário que se unam betalactoglobulina e caseína, na presença de cálcio. Ao chegar ao abomaso a caseína é coagulada por ação da renina e da pepsina, num tempo de um a quatro minutos; forma-se uma grande massa, semelhante a uma bola de borracha, constituída de caseína, que aprisiona os glóbulos de gordura; assim, a passagem de proteína e gordura pelo abomaso é grandemente retardada (Lucci, 1989).

Mas tarde, a hidrólise progressiva e a liquefação (tornar liquido) do coágulo (sinérese) resultam em um fluxo relativamente constante de proteínas e lipídeos para os intestinos. Esse processo toma normalmente um tempo mínimo de três a quatro horas, durante o qual contrações musculares do abomaso auxiliam a desintegração do coágulo. Para a coagulação da caseína, a ação pura e simples do ácido clorídrico secretado no abomaso, sem o auxílio enzimático, tem apenas metade do valor do que quando a reação ocorre na presença de enzimas (Lucci, 1989).

A extensão da proteólise Láctea é influenciada pelo período de tempo que as proteínas permanecem no abomaso e, por sua vez, a velocidade com que as proteínas e os lipídios deixam o órgão depende da formação e do tipo de coágulo (Ternouth et al., 1974; Gooden, 1973 citados por Lucci, 1989). Alguns autores opinam que as enzimas proteolíticas e lipolíticas presentes no neonato são insuficientes para uma boa digestão, caso não ocorra a coagulação (Williams et al., 1976 citado por Lucci, 1989). Além disso, a passagem rápida do alimento pelo abomaso resulta não apenas na menor produção de enzimas e ácidos gástricos, mas também na redução das enzimas proteolíticas pancreáticas (Gooden, 1973; Roy et al., 1972; Porter citado por Lucci, 1989). Há, de fato, uma menor digestão das proteínas e das gorduras nesses casos (Ternouth et al., 1979 citados por Lucci, 1989). O soro aparece no duodeno 5 minutos após as refeições; as contrações do estômago ajudam a liberar este líquido, que contém lactose, minerais e proteínas do soro, com pequenas quantidades de imunoglobulinas (Lucci, 1989).

A natureza da proteína utilizada nos sucedâneos é importante – proteína de peixe concentrada, farinha de soja, proteína isolada de soja diminuem de maneira acentuada a consistência do coágulo. A substituição total da caseína por proteína de soja impede a coagulação; além disso, as proteínas de soja e de peixe reduzem as secreções de renina e pepsina (Roy et al., 1972 citados por Lucci, 1989).

Stobo & Roy (1978) afirmaram que a função da coagulação do leite ingerido é retardar sua passagem pelo trato digestivo, aumentando a absorção. Assim, existe a necessidade de que o sucedâneo do leite contenha cerca de 60 a 70% de produtos lácteos, para assegurar a coagulação no abomaso (Orskov, 1975) citados por Gadelha et al., 1996 embrapa caprinos.

A inclusão de proteína não Láctea na dieta de bezerros faz aumentar a passagem de lipídios do abomaso para os intestinos, principalmente a fração de triglicerídeos nas primeiras duas horas após as refeições (Storry et al., 1982 citados por Lucci, 1989).

O aquecimento excessivo do leite, como pode ocorrer na fabricação do alimento em pó, desnatura de 60 a 72% da proteína sérica e provoca perda da solubilidade de cálcio, tornando-o indisponível para a coagulação (Chapman et al., 1972; Henschel, 1961, citados por Lucci, 1989). O leite previamente pasteurizado não coagula tão facilmente no abomaso como o produto natural (Henschel, 1961, citado por Lucci, 1989); a homogeneização do leite integral resulta em formação de coágulo mole. O bezerro jovem precisa que se forme um coágulo firme no abomaso, para o bom funcionamento de seu aparelho digestivo.

A artrite encefalite caprina a vírus (Caprine arthritis-encephalitis viral syndrome – CAEV) é uma enfermidade infecciosa transmissível causada por vírus da família retroviridae e subfamília lentivirínae. De acordo com Adams & Klevjer-Anderson (1983), a principal fonte de infecção é a transmissão do vírus pelo caprino contaminado, principalmente através do colostro e ou leite.(citado por Rosa et al., 1996) embrapa caprinos

Vacas que pastejam gramíneas fortemente adubadas (Johnston et al., 1977 citados por Lucci, 1989) ou vacas com deficiência acentuada de cálcio (Williams et al., 1987 citados por Lucci, 1989) fornecem leite com baixa capacidade de coagular.

PROTEÍNAS DO LEITE

As principais proteínas do leite sintetizadas para exportação nas células epiteliais mamárias do bovino são as caseínas (α5-, β- e α-caseína) a β-lactoalbumina e a α-lactoalbumina. As caseínas constituem a maior parte das proteínas do leite bovino com predominância de α5-caseína (Dukes, 1996).

Outra enzima proteolítica distinta, a gastricsina, foi isolada da mucosa gástrica. A gastricsina, a quimosina e a pepsina exibem considerável homologia de seqüência, indicando que todas essas enzimas derivam de duplicações de um gene ancestral comum. Três zimogênios adicionais, que podem ser convertidos em proteinases distintas, semelhantes à pepsina, foram preparados da mucosa gástrica de várias espécies e denominados pepsinogênio B, C e D (Smith e Hill, 1988).

DIGESTÃO DAS PROTEÍNAS NO INTESTINO DELGADO

A maior parte da digestão das proteínas ocorre principalmente no intestino delgado, sob influência das enzimas proteolíticas da secreção pancreática (Guyton, 1989). Quando as proteínas deixam o estômago, em geral encontram-se principalmente na forma de proteoses, peptonas e grandes polipeptídeos (Guyton, 1989).

Quando o conteúdo ácido (quimo) passa para o duodeno, seu baixo pH estimula a secreção de hormônio secretina, que, pela via sanguínea, estimula o pâncreas a secretar bicarbonato a fim de neutralizar o ácido clorídrico gástrico. Assim, o pH do duodeno sobe abruptamente de 1,5 a 2,5 para até 7 (Aires, 1999).

A presença de aminoácidos e ácidos graxos na porção superior do intestino delgado estimula as células I da mucosa duodenal a liberarem a CCK, que, através da via sanguínea, atinge o tecido pancreático, ativando a extrusão dos grânulos de zimogênio das células acinosas. A CCK é o principal hormônio estimulante do componente enzimático da secreção pancreática. A secreção pancreática provocada pelo estímulo da CCK é pouco abundante, porém rica em enzimas (Aires, 1999).

A entrada de aminoácidos no duodeno estimula a secreção de enzimas proteolíticas e peptidases, que atuam na faixa de pH ótimo de 7 a 8 e, desse modo, fazem com que a digestão continue. As proteases – peptonas e peptídeos de cadeia longa, resultantes da digestão das proteínas no estômago – são atacadas por exo- e endopeptidases secretadas pelas células exócrinas do pâncreas, inicialmente sob a forma de zimogênios, enzimaticamente inativos. A síntese dessas enzimas sob a forma de precursores inativos protege a célula pancreática do ataque proteolítico (Aires, 1999). As enzimas endopeptidases hidrolisam as proteínas em pontos internos ao longo das cadeias de aminoácidos, enquanto às exopeptidases hidrolisam as proteínas liberando aminoácidos individuais das terminações de cadeias peptídicas (Smith e Hill, 1988).

O pâncreas secreta um líquido ligeiramente alcalino, que contêm zimogênios inativos de várias proteases, isto é, tripsinogênio, três quimiotripsinogênios, procarboxipeptidases A e B e proelastase. Uma enzima presente na membrana da borda em escova intestinal, a enteropeptidase (antigamente denominada enteroquinase), é responsável pela conversão rápida e específica do tripsinogênio em tripsina. A enteropeptidase converte o zimogênio pancreático tripsinogênio em tripsina pela remoção de um hexapeptídeo do NH2-terminal do tripsinogênio. A liberação do peptídeo é acompanhada do aparecimento da atividade enzimática e de uma certa mudança na conformação da molécula (Smith e Hill, 1988).

A tripsina, por sua vez, age autocataliticamente ativando as demais enzimas proteolíticas pancreáticas (Aires, 1999).

A enteropeptidase age numa velocidade de 2.000 vezes maior que a clivagem autocatalítica do tripsinogênio pela própria tripsina. A ação da enteropeptidase é decisiva, visto que a tripsina é responsável pela conversão de todos os outros zimogênios inativos e proenzimas nas suas formas ativas (Smith e Hill, 1988).

A tripsina, quimotripsina e elastase são endopeptidases, enquanto as carboxipeptidases A e B são exopeptidases (Smith e Hill, 1988).

Todas as enzimas proteolíticas – incluindo aquelas do suco gástrico, do suco pancreático e da borda em escova das células do epitélio intestinal – são muito específicas para hidrolisar tipos individuais de ligações peptídicas. As ligações entre certos pares de aminoácidos diferem em sua energia> Portanto é necessária uma enzima específica para tipos específicos de ligação. Isto é responsável pela multiplicidade das enzimas proteolíticas (Guyton, 1989).

A tripsina atua sobre as ligações peptídicas que envolvem os grupos carboxila da arginina e lisina (Smith e Hill, 1988; Aires, 1999). As quimiotripsinas são mais ativas para s ligações peptídicas que envolvem os grupos carboxila da fenilalanina, triptofano e tirosina (Smith e Hill, 1988; Aires, 1999) e em menor velocidade, metionina (Aires, 1999). A elastase ataca ligações peptídicas dos aminoácidos alinfáticos neutros (Smith e Hill, 1988).

Outras peptidases completam a degradação dos peptídeos de cadeia curta. Assim, a carboxipeptidase A, uma enzima que contém cobre, libera rapidamente os resíduos COOH- terminais que possuem cadeias laterais aromáticas ou alinfáticas. A carboxipeptidase B atua somente nos peptídeos com resíduos terminais de arginina ou lisina (Smith e Hill, 1988). A ação dessas enzimas é aditiva, resultando numa hidrólise mais completa a peptídeos pequenos.

A mucosa do intestino contém também enzimas que hidrolisam ligações peptídicas. Existem diversas enzimas na borda-em-escova e no citoplasma. Embora essas enzimas possam ser secretadas no suco intestinal, elas funcionam, em grande parte, ao nível intracelular. Pode ocorrer hidrólise de oligopeptídeos após a sua entrada nas células da mucosa e durante a transferência através das células epiteliais. Extratos da mucosa intestinal contêm um grupo de aminopeptidases, enzimas que atuam sobre polipeptídeos ou cadeias peptídicas com grupo amino livre, liberando um aminoácido pela cisão da ligação peptídica adjacente ao grupo α-amino livre. Assim, a leucina-aminopeptidase, uma enzima que contém Zn2+, exibe larga especificidade em relação ao resíduo NH2-terminal do polipeptídeo. Através de hidrólises sucessivas das ligações peptídicas NH2-terminal, a enzima pode degradar peptídeos a aminoácidos livres. A enzima é também ativada por Mn2+, que substitui o Zn2+. O íon metálico funciona provavelmente num complexo de coordenação com a enzima e seu substrato (Smith e Hill, 1988).

Estratos da mucosa possuem também dipeptidases, como, por exemplo, glicilglicina-dipeptidase, que requer Co2+ou Mn2+para a sua ação e não ataca o tripeptídio glicilglicilglicina. Por conseguinte, a ação enzimática depende da presença de grupos amino e carboxila adjacentes à ligação peptídica sensível. Uma enzima que hidrolisa peptídios contendo prolina é encontrada quase exclusivamente na fração citoplasmática das células da mucosa. A enzima é denominada prolidase e hidrolisa dipeptídios como X-Pro, por exemplo. Os dipeptídios são hidrolisados, em grande parte, por enzimas citoplasmáticas; os tripeptídios e peptídios maiores o são por enzimas da borda em escova, enquanto os tripeptídios sofrem a ação hidrolítica de ambos os tipos de enzimas (Smith e Hill, 1988).

A ação sucessiva de enzimas proteolíticas no estômago e no intestino delgado resulta na hidrólise das proteínas dietéticas e endógenas a uma mistura de aminoácidos (30 a 40%) e oligopeptídios (60 a 70%). Apesar de a digestão proteolítica no estômago não ser essencial, conforme assinalado acima, a destruição extensa do tecido pancreático ou outros distúrbios que limitam a quantidade de enzimas pancreáticas disponíveis no intestino resultam no aparecimento de quantidades de proteínas não-digeridas nas fezes (Smith e Hill, 1988).

DIGESTÃO DAS PROTEÍNAS (COMPOSTOS NITROGENADOS)

A digestão das proteínas, como dos demais nutrientes, ocorre pela ação de processos mecânicos, químicos e microbiológicos sobre os alimentos ingeridos pelos animais. Quanto mais eficientes esses processos, maior a probabilidade de que os diferentes nutrientes sejam eficientemente digeridos e posteriormente absorvidos.

DIGESTÃO DAS PROTEÍNAS NO ESTÔMAGO DE RUMINANTES

A proteína dietética ingerida é degradada pelos microrganismos do rúmen, em uma proporção que dependerá das características da fonte protéica e da ração; os compostos nitrogenados liberados são utilizados na síntese de biomassa microbiana. Dessa forma, a proteína que atinge o abomaso e intestino do animal, para ser digerida e absorvida, é composta de duas frações: - a proteína dietética que não foi degradada no rúmen (PNDR) e a proteína microbiana (PMicr) que foi sintetizada no rúmen (Figura 1) (Silva, 1992).

Os microrganismos proteolíticos presentes no rúmen degradam uma fração da proteína dietética (PDR) e, geralmente, transformam-na em peptídeos, aminoácidos e amônia e, no final, quase todos estes compostos são transformados em amônia; também, a maioria dos outros compostos nitrogenados não protéicos presentes na ração são transformados em amônia (Silva, 1992). Segundo McDonald et al., 1995), alguns aminoácidos são degradados posteriormente em ácidos orgânicos amônia e dióxido de carbono. Um exemplo da desaminação dos aminoácidos é o fornecido pela valina, como mencionado acima, é convertido em ácido isobutírico. Assim, os ácidos graxos de cadeia ramificada encontrada no líquido ruminal são originados dos aminoácidos. A amônia produzida, juntamente com alguns pequenos peptídeos e aminoácidos livres, são utilizados pelos microrganismos ruminais para sintetizar proteína microbiana. O importante fator da formação da proteína microbiana é que as bactérias são capazes de sintetizar aminoácidos essenciais, bem como não-essenciais, deste modo tornando seus hospedeiros independentes do suprimento dietético.

A amônia praticamente não tem valor nutritivo para o ruminante, pois, se ela não for transformada em proteína microbiana, será absorvida pelo rúmen e eliminada via fígado, rins e urina, na forma de uréia, sendo que parte poderá retornar ao rúmen na forma de uréia, via saliva e/ou difusão do sangue para o rúmen. Todavia, para esse Ciclo do Nitrogênio ocorra normalmente, não há necessidade de absorção de nitrogênio na forma de N-amônia no rúmen. O metabolismo normal da proteína no corpo do ruminante é suficiente para manter os níveis adequados de uréia no sangue e, conseqüentemente, na saliva (Silva, 1992).

Figura 1. Metabolismo de compostos nitrogenados no ruminante e o ciclo do nitrogênio (linhas contínuas, rotas normais, linhas interrompidas, rota pouco valiosa e até indesejável) (Silva, 1992).

Para que ocorra síntese de proteína microbiana no rúmen, deverá existir uma relação adequada entre as quantidades N-amônia e os compostos energéticos presentes na ração, que são fermentados no rúmen (matéria orgânica fermentada no rúmen – MODR), além, evidentemente, da presença de fósforo, enxofre, demais macro e microelementos inorgânicos e outros elementos que complementam a fermentação. Todos esses fatores são importantes, mas energia, fósforo e enxofre são básicos para síntese de proteína microbiana (Silva, 1992).

DIGESTÃO DAS PROTEÍNAS NO ESTÔMAGO DE NÃO RUMINANTES

O início da degradação da molécula protéica faz-se no estômago, pela ação da enzima proteolítica pepsina. Quando a proteína atinge o estômago, estimula a secreção do hormônio gastrina, que estimula a produção de ácido clorídrico pelas células parientais das glândulas gástricas. Nesse momento, o pH do suco gástrico está na faixa de 1,5 a 2,5. A acidez gástrica, além de atuar como antisséptico matando muitas bactérias, produz a desnaturação das proteínas globulares e, desse modo, propicia a exposição das ligações peptídicas ao ataque enzimático (Aires, 1999). Segundo Penz Júnior (1994) – Apinco – o HCl promove a ruptura das ligações peptídicas indiscriminadamente.

Proteínas globulares nativas (proteína em seu estado natural) sofrem desnaturação quando aquecidas; expostas a valores extremos de pH; tratadas com solventes orgânicos miscíveis com água, com etanol e acetona; tratadas com solutos como a uréia; expostas a ação de detergentes; ou simplesmente pela agitação vigorosa da solução protéica até formação abundante de espuma. Cada uma das formas citadas como causa de desnaturação pode ser considerada como tratamento relativamente suave. Testes diretos mostram que quando as proteínas sofrem desnaturação, não ocorre rompimento de ligações covalentes do esqueleto da cadeia polipeptídica. Assim, a seqüência de aminoácidos característica da proteína esta ainda intacta depois da desnaturação; entretanto, a atividade biológica da maioria das proteínas é perdida quando a desnaturação ocorre (Lehninger, 1990).

Figura . O calor e vários outros tratamentos podem desnaturar ou desenrolar as proteínas globulares sem quebrar o esqueleto covalente. A proteína desnaturada pode assumir, ao acaso, muitas formas diferentes, as quais em geral são biologicamente inativas (Lehninger, 1990).

As enzimas proteolíticas são classificadas em dois grupos principais (Teles, 1981):

a) Proteinases – as quais são capazes de atacar moléculas inteiras de proteínas;

b) Peptidases – as quais catalisam a clivagem de fragmentos relativamente pequenos, os peptídeos.

Todas essas enzimas são relativamente de alta especificidade. Contudo, enquanto as proteinases podem fracionar as proteínas, quer em peptídeos, ou numa maior degradação, chegar a aminoácidos, os produtos resultantes da atividade das peptidases são sempre aminoácidos (Teles, 1981).

Outra importante diferença entre os dois grupos de enzimas é que as proteinases são capazes de atacar as ligações escondidas dentro da hélice das proteínas, e sendo por isso chamadas endopeptidases, enquanto que as peptidases, também chamadas exopeptidases têm a sua ação restrita à hidrólise das ligações peptídicas adjacentes aos grupos α-amino ou α-carboxílico (as pontas) que se encontram do lado de fora da hélice da proteína (Teles, 1981).

A digestão protéica inicia-se no estômago pela ação da enzima pepsina secretada sob a forma inativa de pepsinogênio pelas células principais ou pépticas. O pepsinogênio é armazenado como grânulo de zimogênio nas células principais das glândulas fúndicas e do corpo do estômago. O pepsinogênio é enzimaticamente inativo no interior celular, porém, quando secretado, ao entrar em contato com o meio ácido do estômago, transforma-se em pepsina ativa. Esta, autocataliticamente, atua sobre outras moléculas de pepsinogênio e produz novas moléculas de pepsina (Aires, 1999).

H+

Pepsinogênio Pepsina + Polipeptídeo

O pH ótimo para a ação autocatalítica da pepsina é ao redor de 2,0. A ação proteolítica da pepsina se faz sentir em pH bastante baixo, entre 1,8 e 2,5, porém sua atividade diminui com a elevação do pH, tornado-se completamente inativa a pH acima de 5. Infere-se daí que, para a digestão protéica no estômago, a produção de ácido clorídrico é tão necessária quanto a produção da pepsina (Aires, 1999).

Os mecanismos que regulam a secreção de pepsinogênio estão esquematizados na figura abaixo.

Figura . Resumo dos mecanismos para estimulação da secreção e ativação do pepsinogênio. Act = acetilcolina. Fonte: Aires, 1999

O principal estimulante da secreção de pepsinogênio é a acetilcolina. A ativação vagal durante as fases cefálica e gástrica da secreção gástrica resulta em significante secreção de pepsinogênio. O íon H+ tem importante papel em várias fases desse processo (Aires, 1999):

a) O ácido é necessário para a conversão do pepsinogênio à pepsina. Ao pH 2,0 essa conversão é quase que instantânea;

b)O ácido dispara um reflexo colinérgico local que estimula a secreção de pepsinogênio pelas células principais;

c) Esse reflexo sensível a ácido aumenta a sensibilidade das células principais a outros estímulos e;

d) O ácido promove a liberação de secretina, hormônio produzido pelas células duodenais, que também estimula a secreção de pepsinogênio.

A gastrina é um hormônio que igualmente estimula a secreção de pepsinogênio. Seu efeito se faz através da estimulação da secreção de H+ e subseqüente ativação do reflexo colinérgico local.

A pepsina é a principal enzima proteolítica do organismo e a única do suco gástrico que hidrolisa as ligações peptídicas em que, um íon hidroxila é removido de um aminoácido, enquanto um íon hidrogênio é removido do próximo aminoácido. Assim, os aminoácidos combinam-se, também, através de um processo de condensação, ao mesmo tempo em que perdem uma molécula de água. A digestão das proteínas, por conseguinte, envolve, também, um processo de hidrólise em que as enzimas proteolíticas fazem a água voltar às moléculas protéicas, para desdobrá-las em seus aminoácidos constituintes (Guyton, 1989).

Figura . Polimerização de aminoácidos

A pepsina inicia rapidamente a hidrólise de proteínas nas ligações peptídicas envolvendo o grupo carboxila de um resíduo aromático (fenilalanina, triptofano ou tirosina). Além disso, a pepsina age de maneira mais lenta nas ligações peptídicas que envolvem outros resíduos, como por exemplo, a leucina e resíduos ácidos (Smith e Hill, 1988).

A pepsina é capaz de digerir quase todas as proteínas da dieta, em especial o colágeno, albuminóide que constitui o tecido conjuntivo intercelular dos músculos. Este substrato, pouco digerido por outras enzimas digestivas, uma vez degradado pela pepsina facilita a penetração de outras enzimas proteolíticas no espaço intracelular dos tecidos musculares (Aires, 1999).

Apesar de a pepsina liberar in vitro aminoácidos livres a partir de proteínas, trata-se de um processo relativamente lento. Além disso, como o alimento permanece no estômago por tempo limitado, a pepsina in vivohidrolisa as proteínas principalmente a uma mistura de polipeptídeos (Smith e Hill, 1988). Portanto, a pepsina somente inicia o processo de digestão protéica, liberando oligopeptídeos de cadeia longa e apenas 15% de aminoácidos, participa da digestão de 10 a 30% das proteínas totais da dieta (Aires, 1999).

Segundo Penz Júnior (1994) – APINCO O HCl promove a ruptura das ligações peptídicas indiscriminadamente. (ATIVAÇÃO DE ENZIMAS)

COAGULAÇÃO DO LEITE EM BEZERROS

A pepsina atua somente em meio ácido, em presença do ácido clorídrico do suco digestivo. No bezerro novo e lactante, com pH do estômago (abomaso) por volta de 4,0 a 4,5, a pepsina não tem ação e a renina (quimosina) será valiosa para coagular o leite. Além disso, Raymond et al. (1973) citado por Lucci (1989) julgam haver muito pouca secreção de pepsina em terneiros mantidos sob dietas líquidas.

Logo após o nascimento, no primeiro dia, o pH do conteúdo abomasal permanece elevado, entre 5,0 e 8,0, antes da primeira refeição. No entanto, já no segundo dia, o pH é de apenas 3,0 (Lucci, 1989). O conteúdo abomasal, anteriormente às refeições (excetuando-se os primeiros dias de vida), tem um pH ácido, normalmente situado entre 1,0 e 2,0. Durante a alimentação, o pH sobe e atinge 6,0 a 6,5 (Stobo, 1983 citado por Lucci, 1989) ao término da refeição, devido à excelente capacidade tampão do leite (Church et al., 1976 citado por Lucci, 1989), mas, em seguida, começa a cair – após três a quatro horas está entre 2,0 e 3,0 e cinco horas depois atinge os valores encontrados no animal em jejum.

A coagulação do leite e a hidrólise das ligações peptídicas no abomaso acontecem como resultado da ação da renina (quimosina) ou do sistema pepsina – HCl. Para sua ocorrência é necessário que se unam betalactoglobulina e caseína, na presença de cálcio. Ao chegar ao abomaso a caseína é coagulada por ação da renina e da pepsina, num tempo de um a quatro minutos; forma-se uma grande massa, semelhante a uma bola de borracha, constituída de caseína, que aprisiona os glóbulos de gordura; assim, a passagem de proteína e gordura pelo abomaso é grandemente retardada (Lucci, 1989).

Mas tarde, a hidrólise progressiva e a liquefação (tornar liquido) do coágulo (sinérese) resultam em um fluxo relativamente constante de proteínas e lipídeos para os intestinos. Esse processo toma normalmente um tempo mínimo de três a quatro horas, durante o qual contrações musculares do abomaso auxiliam a desintegração do coágulo. Para a coagulação da caseína, a ação pura e simples do ácido clorídrico secretado no abomaso, sem o auxílio enzimático, tem apenas metade do valor do que quando a reação ocorre na presença de enzimas (Lucci, 1989).

A extensão da proteólise Láctea é influenciada pelo período de tempo que as proteínas permanecem no abomaso e, por sua vez, a velocidade com que as proteínas e os lipídios deixam o órgão depende da formação e do tipo de coágulo (Ternouth et al., 1974; Gooden, 1973 citados por Lucci, 1989). Alguns autores opinam que as enzimas proteolíticas e lipolíticas presentes no neonato são insuficientes para uma boa digestão, caso não ocorra a coagulação (Williams et al., 1976 citado por Lucci, 1989). Além disso, a passagem rápida do alimento pelo abomaso resulta não apenas na menor produção de enzimas e ácidos gástricos, mas também na redução das enzimas proteolíticas pancreáticas (Gooden, 1973; Roy et al., 1972; Porter citado por Lucci, 1989). Há, de fato, uma menor digestão das proteínas e das gorduras nesses casos (Ternouth et al., 1979 citados por Lucci, 1989). O soro aparece no duodeno 5 minutos após as refeições; as contrações do estômago ajudam a liberar este líquido, que contém lactose, minerais e proteínas do soro, com pequenas quantidades de imunoglobulinas (Lucci, 1989).

A natureza da proteína utilizada nos sucedâneos é importante – proteína de peixe concentrada, farinha de soja, proteína isolada de soja diminuem de maneira acentuada a consistência do coágulo. A substituição total da caseína por proteína de soja impede a coagulação; além disso, as proteínas de soja e de peixe reduzem as secreções de renina e pepsina (Roy et al., 1972 citados por Lucci, 1989).

Stobo & Roy (1978) afirmaram que a função da coagulação do leite ingerido é retardar sua passagem pelo trato digestivo, aumentando a absorção. Assim, existe a necessidade de que o sucedâneo do leite contenha cerca de 60 a 70% de produtos lácteos, para assegurar a coagulação no abomaso (Orskov, 1975) citados por Gadelha et al., 1996 embrapa caprinos.

A inclusão de proteína não Láctea na dieta de bezerros faz aumentar a passagem de lipídios do abomaso para os intestinos, principalmente a fração de triglicerídeos nas primeiras duas horas após as refeições (Storry et al., 1982 citados por Lucci, 1989).

O aquecimento excessivo do leite, como pode ocorrer na fabricação do alimento em pó, desnatura de 60 a 72% da proteína sérica e provoca perda da solubilidade de cálcio, tornando-o indisponível para a coagulação (Chapman et al., 1972; Henschel, 1961, citados por Lucci, 1989). O leite previamente pasteurizado não coagula tão facilmente no abomaso como o produto natural (Henschel, 1961, citado por Lucci, 1989); a homogeneização do leite integral resulta em formação de coágulo mole. O bezerro jovem precisa que se forme um coágulo firme no abomaso, para o bom funcionamento de seu aparelho digestivo.

A artrite encefalite caprina a vírus (Caprine arthritis-encephalitis viral syndrome – CAEV) é uma enfermidade infecciosa transmissível causada por vírus da família retroviridae e subfamília lentivirínae. De acordo com Adams & Klevjer-Anderson (1983), a principal fonte de infecção é a transmissão do vírus pelo caprino contaminado, principalmente através do colostro e ou leite.(citado por Rosa et al., 1996) embrapa caprinos

Vacas que pastejam gramíneas fortemente adubadas (Johnston et al., 1977 citados por Lucci, 1989) ou vacas com deficiência acentuada de cálcio (Williams et al., 1987 citados por Lucci, 1989) fornecem leite com baixa capacidade de coagular.

PROTEÍNAS DO LEITE

As principais proteínas do leite sintetizadas para exportação nas células epiteliais mamárias do bovino são as caseínas (α5-, β- e α-caseína) a β-lactoalbumina e a α-lactoalbumina. As caseínas constituem a maior parte das proteínas do leite bovino com predominância de α5-caseína (Dukes, 1996).

Outra enzima proteolítica distinta, a gastricsina, foi isolada da mucosa gástrica. A gastricsina, a quimosina e a pepsina exibem considerável homologia de seqüência, indicando que todas essas enzimas derivam de duplicações de um gene ancestral comum. Três zimogênios adicionais, que podem ser convertidos em proteinases distintas, semelhantes à pepsina, foram preparados da mucosa gástrica de várias espécies e denominados pepsinogênio B, C e D (Smith e Hill, 1988).

DIGESTÃO DAS PROTEÍNAS NO INTESTINO DELGADO

A maior parte da digestão das proteínas ocorre principalmente no intestino delgado, sob influência das enzimas proteolíticas da secreção pancreática (Guyton, 1989). Quando as proteínas deixam o estômago, em geral encontram-se principalmente na forma de proteoses, peptonas e grandes polipeptídeos (Guyton, 1989).

Quando o conteúdo ácido (quimo) passa para o duodeno, seu baixo pH estimula a secreção de hormônio secretina, que, pela via sanguínea, estimula o pâncreas a secretar bicarbonato a fim de neutralizar o ácido clorídrico gástrico. Assim, o pH do duodeno sobe abruptamente de 1,5 a 2,5 para até 7 (Aires, 1999).

A presença de aminoácidos e ácidos graxos na porção superior do intestino delgado estimula as células I da mucosa duodenal a liberarem a CCK, que, através da via sanguínea, atinge o tecido pancreático, ativando a extrusão dos grânulos de zimogênio das células acinosas. A CCK é o principal hormônio estimulante do componente enzimático da secreção pancreática. A secreção pancreática provocada pelo estímulo da CCK é pouco abundante, porém rica em enzimas (Aires, 1999).

A entrada de aminoácidos no duodeno estimula a secreção de enzimas proteolíticas e peptidases, que atuam na faixa de pH ótimo de 7 a 8 e, desse modo, fazem com que a digestão continue. As proteases – peptonas e peptídeos de cadeia longa, resultantes da digestão das proteínas no estômago – são atacadas por exo- e endopeptidases secretadas pelas células exócrinas do pâncreas, inicialmente sob a forma de zimogênios, enzimaticamente inativos. A síntese dessas enzimas sob a forma de precursores inativos protege a célula pancreática do ataque proteolítico (Aires, 1999). As enzimas endopeptidases hidrolisam as proteínas em pontos internos ao longo das cadeias de aminoácidos, enquanto às exopeptidases hidrolisam as proteínas liberando aminoácidos individuais das terminações de cadeias peptídicas (Smith e Hill, 1988).

O pâncreas secreta um líquido ligeiramente alcalino, que contêm zimogênios inativos de várias proteases, isto é, tripsinogênio, três quimiotripsinogênios, procarboxipeptidases A e B e proelastase. Uma enzima presente na membrana da borda em escova intestinal, a enteropeptidase (antigamente denominada enteroquinase), é responsável pela conversão rápida e específica do tripsinogênio em tripsina. A enteropeptidase converte o zimogênio pancreático tripsinogênio em tripsina pela remoção de um hexapeptídeo do NH2-terminal do tripsinogênio. A liberação do peptídeo é acompanhada do aparecimento da atividade enzimática e de uma certa mudança na conformação da molécula (Smith e Hill, 1988).

A tripsina, por sua vez, age autocataliticamente ativando as demais enzimas proteolíticas pancreáticas (Aires, 1999).

A enteropeptidase age numa velocidade de 2.000 vezes maior que a clivagem autocatalítica do tripsinogênio pela própria tripsina. A ação da enteropeptidase é decisiva, visto que a tripsina é responsável pela conversão de todos os outros zimogênios inativos e proenzimas nas suas formas ativas (Smith e Hill, 1988).

A tripsina, quimotripsina e elastase são endopeptidases, enquanto as carboxipeptidases A e B são exopeptidases (Smith e Hill, 1988).

Todas as enzimas proteolíticas – incluindo aquelas do suco gástrico, do suco pancreático e da borda em escova das células do epitélio intestinal – são muito específicas para hidrolisar tipos individuais de ligações peptídicas. As ligações entre certos pares de aminoácidos diferem em sua energia> Portanto é necessária uma enzima específica para tipos específicos de ligação. Isto é responsável pela multiplicidade das enzimas proteolíticas (Guyton, 1989).

A tripsina atua sobre as ligações peptídicas que envolvem os grupos carboxila da arginina e lisina (Smith e Hill, 1988; Aires, 1999). As quimiotripsinas são mais ativas para s ligações peptídicas que envolvem os grupos carboxila da fenilalanina, triptofano e tirosina (Smith e Hill, 1988; Aires, 1999) e em menor velocidade, metionina (Aires, 1999). A elastase ataca ligações peptídicas dos aminoácidos alinfáticos neutros (Smith e Hill, 1988).

Outras peptidases completam a degradação dos peptídeos de cadeia curta. Assim, a carboxipeptidase A, uma enzima que contém cobre, libera rapidamente os resíduos COOH- terminais que possuem cadeias laterais aromáticas ou alinfáticas. A carboxipeptidase B atua somente nos peptídeos com resíduos terminais de arginina ou lisina (Smith e Hill, 1988). A ação dessas enzimas é aditiva, resultando numa hidrólise mais completa a peptídeos pequenos.

A mucosa do intestino contém também enzimas que hidrolisam ligações peptídicas. Existem diversas enzimas na borda-em-escova e no citoplasma. Embora essas enzimas possam ser secretadas no suco intestinal, elas funcionam, em grande parte, ao nível intracelular. Pode ocorrer hidrólise de oligopeptídeos após a sua entrada nas células da mucosa e durante a transferência através das células epiteliais. Extratos da mucosa intestinal contêm um grupo de aminopeptidases, enzimas que atuam sobre polipeptídeos ou cadeias peptídicas com grupo amino livre, liberando um aminoácido pela cisão da ligação peptídica adjacente ao grupo α-amino livre. Assim, a leucina-aminopeptidase, uma enzima que contém Zn2+, exibe larga especificidade em relação ao resíduo NH2-terminal do polipeptídeo. Através de hidrólises sucessivas das ligações peptídicas NH2-terminal, a enzima pode degradar peptídeos a aminoácidos livres. A enzima é também ativada por Mn2+, que substitui o Zn2+. O íon metálico funciona provavelmente num complexo de coordenação com a enzima e seu substrato (Smith e Hill, 1988).

Estratos da mucosa possuem também dipeptidases, como, por exemplo, glicilglicina-dipeptidase, que requer Co2+ou Mn2+para a sua ação e não ataca o tripeptídio glicilglicilglicina. Por conseguinte, a ação enzimática depende da presença de grupos amino e carboxila adjacentes à ligação peptídica sensível. Uma enzima que hidrolisa peptídios contendo prolina é encontrada quase exclusivamente na fração citoplasmática das células da mucosa. A enzima é denominada prolidase e hidrolisa dipeptídios como X-Pro, por exemplo. Os dipeptídios são hidrolisados, em grande parte, por enzimas citoplasmáticas; os tripeptídios e peptídios maiores o são por enzimas da borda em escova, enquanto os tripeptídios sofrem a ação hidrolítica de ambos os tipos de enzimas (Smith e Hill, 1988).

A ação sucessiva de enzimas proteolíticas no estômago e no intestino delgado resulta na hidrólise das proteínas dietéticas e endógenas a uma mistura de aminoácidos (30 a 40%) e oligopeptídios (60 a 70%). Apesar de a digestão proteolítica no estômago não ser essencial, conforme assinalado acima, a destruição extensa do tecido pancreático ou outros distúrbios que limitam a quantidade de enzimas pancreáticas disponíveis no intestino resultam no aparecimento de quantidades de proteínas não-digeridas nas fezes (Smith e Hill, 1988).