Lipídeos - Absorção

O modelo para absorção lipídica propõe a “colisão” das micelas com a ML e a dissociação dos lipídios da fase micelar para a fase da membrana. Este modelo considera que a absorção lipídica ocorre por meio dos monômeros dissociados das micelas, presentes na camada não agitada de água, em equilíbrio com os lipídios das micelas. Neste caso, a velocidade de absorção de uma molécula lipídica é proporcional à sua massa (ou quantidade) dissociada na camada não agitada de água. Mas existem fatores que interferem na entrada dos produtos da hidrólise lipídica através da borda em escova (Aires, 1999):

1. CAMADA NÃO AGITADA DE ÁGUA – Barreira à difusão dos lipídios pela ML

O fluido luminal está constantemente sendo misturado pela ação dos movimentos intestinais. Estes são progressivamente menos intensos no sentido luz-superfície luminal do epitélio intestinal. Conseqüentemente, a água nas proximidades da ML forma uma barreira menos sujeita à ação de mistura, denominada camada não agitada de água. Esta consiste em uma série de lamelas de água, com 200 a 500 μm de espessura, interpostas entre o conteúdo luminal e a camada do muco da ML. Constitui a principal barreira à difusão dos solutos lipossolúveis até a ML. Como sua espessura varia com a intensidade dos movimentos intestinais, a restrição que oferece à difusão dos solutos lipossolúveis também varia (Aires, 1999). A mucina das células em cálise adjacentes contribui para estabilidade dessa água, por atuar como um gel e impedir o movimento macromolecular (Moran Jr., 1994 – APINCO). Acredita-se que a taxa de movimento das micelas seja dependente de sua concentração, grau de hidratação e capacidade de formar pontes de hidrogênio (Nimmerfall e Rosenthaler, 1980, citado por Moran Jr., 1994 – APINCO).

2. MICELAS DOS SAIS BILIARES

O principal papel das micelas dos sais biliares na absorção lipídica é diminuir a resistência à difusão dos lipídios na camada não agitada de água. Esta ação dos sais biliares deriva da sua capacidade de solubilizar grandes concentrações de lipídios, AGL de cadeias longas, 2-MG, colesterol e lisofosfolipídios na estrutura micelar e transportá-los através da camada não agitada de água (Aires, 1999).

A adição de vários lipídios às micelas dos sais biliares expande seu tamanho, tornando mais lenta sua difusão através da camada não agitada de água. Entretanto, o efeito resultante da solubilização micelar afeta muito pouco a velocidade de difusão dos lipídios nesta camada, uma vez que a velocidade de difusão varia apenas com a raiz cúbica do peso molecular micelar (Aires, 1999).

Após a absorção dos produtos da hidrólise lipídica, as micelas dos sais biliares retornam à luz intestinal, solubilizando novas moléculas e transportando-as através da camada não agitada de água para a ML, onde são absorvidas. Assim, as micelas funcionam como meios de transporte das moléculas lipossolúveis da fase aquosa do conteúdo luminal para a ML (Aires, 1999).

3. GRADIENTE DE CONCENTRAÇÃO

Existe um gradiente de concentração através da camada não agitada de água e a luz intestinal, com as micelas e os monômeros dissociados dos produtos de hidrólise lipídica em concentrações mais elevadas na luz intestinal do que nas proximidades da ML (Aires, 1999).

4. pH ÁCIDO

Há também, um gradiente de pH, uma vez que o flúido próximo à ML é uma unidade de pH mais ácido do que o flúido luminal. Este microambiente ácido, próximo à ML, facilita a absorção dos AGL porque protona-os, tornando-os mais solúveis na bicamada lipídica da ML do que os AGL ionizados (Aires, 1999).

Figura . Absorção dos produtos da hidrólise lipídica no epitélio (Aires, 1999)

Processo absortivo dos lipídios após difusão da camada na agitada de água

- Mecanismo de transporte dos produtos da hidrólise lipídica pela ML

Os AGL, 2MG, os lisofosfolipídios e o colesterol atravessam, por processo passivo, a ML graças às suas lipossolubilidades e sob formas de monômeros livres.

O glicerol, um produto hidrossolúvel da lipólise, é absorvido no intestino por difusão facilitada e difusão simples.

Os AGL de cadeia curta são mais susceptível de absorção do que os de cadeia longa, assim como os ácidos graxos de cadeia insaturada são melho absorvidos do que os de cadeia saturada (Gonzáles & Silva, 1999).

Associadas à ML, há proteínas ligadoras de AGL de cadeia longa (AGL – CL) que os removem da bicamada lipídica, onde a partição deles é maior do que na fase aquosa do citossol. Estas proteínas ligadoras de ácidos graxos (FABP = fat acid binding protein) são, provavelmente, proteínas transportadoras dos AGL da borda-em-escova à membrana do retículo endoplasmático liso, onde eles são reesterificados originando TG. Os AGL-CL ligados a estas FABP formam um complexo solúvel no citossol (Aires, 1999).

A absorção dos lisofosfolipídios é passiva, e estes também se ligam às FABP. A absorção do colesterol é mais lenta do que a dos outros monômeros. Por este motivo, as micelas dos sais biliares, quando são transportadas no sentido céfalo-caudal no intestino, tornam-se mais concentradas em colesterol. Tem sido proposta para a absorção luminal de colesterol a ação da colesterol esterase, que poderia funcionar como uma proteína carregadora na ML (Aires, 1999).

As FABP parecem ser também importantes no transporte intracelular dos produtos da hidrólise lipídica. Elas são mais concentradas nas vilosidades do que nas criptas, no jejuno mais que no íleo e na mucosa intestinal de animais recebendo alimentação rica em lipídios. Há dois tipos de FABP: as I-FABP, mais encontradas no íleo, e as L-FABP, mais encontradas nos hepatócitos. Estas duas FABP diferem nas suas especificidades. Assim, as I-FABP ligam mais especificamente os AGL-CL, e as L-FABP ligam não só estes substratos, mas também os lisofosfolipídios e os MG. Outra proteína ligadora de AGL é a acil-coenzima A (PM = 10 kD) que liga tanto os AGL-CL, como os AGL-CM. Outra proteína envolvida no transporte intracelular de lipídios é a denominada gastrotropina, que também liga sais biliares no íleo. O transportador intracelular para o colesterol é o SPC-2 (PM = 13,5 kD) isolado do epitélio intestinal (Aires, 1999).

A absorção lipídica ocorre mais intensamente no duodeno e jejuno. Até o jejuno médio, todos os produtos da hidrólise lipídica foram absorvidos. A gordura presente nas fezes, em condições fisiológicas normais, não é proveniente da dieta, uma vez que é completamente absorvida, mas sim originária das bactérias colônicas e das células descamadas (Aires, 1999).

- Fase intracelular da absorção lipídica

Os processos bioquímicos intracelulares envolvidos na absorção dos lipídios estão divididos em duas vias:

a) Via de acilação do monoacilglicerol. Esta via utiliza tanto os 1-MG como os 2-MG, embora preferencialmente sejam acilados os 2-MG por serem mais abundantes. Ácidos graxos são ativados pela acil-coenzima A numa reação dependente de ATP, Mg2++ e catalisada pela acil-coenzima A-sintetase. A acil-coenzima A atua sobre 1-MG, originando DG. Esta reação é catalisada pela monoacilglicerol-aciltransferase. Os DG originam os TG por reações catalisadas por outra transferase (diacilglicerol-aciltransferase). Estas reações ocorrem na fase citoplasmática da membrana do retículo endoplasmático liso (REL), que, durante a absorção das gorduras, torna-se repleto de lipídios provenientes da dieta. Esta via é a principal responsável pela esterificação dos 2-MG durante a absorção normal dos lipídios, devido à maior eficiência para transformar os 2-MG e os AGL em TG e, também, porque os 2-MG inibem a outra via, a do ácido fosfatídico (Aires, 1999).

b) Via do ácido fosfatídico. Esta via é a mais importante nos períodos de jejum. É responsável pela ressíntese intracelular de TG a partir dos MG. A reação total combina 3 moléculas de acil-coenzima A com o α-glicerofosfato, que é acilado em série originando MG, DG e TG. Como mostrado na figura abaixo, esta via envolve a acilação em série do α-glicerofosfato, formando o ácido fosfatídico catalisado pela aciltransferase glicerofosfato. O ácidofosfatídico é desfosforilado, originando DG, que é acilado por diacilglicerol-aciltransferase, originando TG. O ácido fosfatídico é importante na síntese de fosfolipídeos como fosfatidilcolina, etanolamina e serina. Por outro lado, o α-glicerofosfato é derivado do glicerol fosforilado ou da diidroxiacetona fosfato derivada da glicose (Aires, 1999).

O colesterol da dieta é absorvido na forma livre. A sua esterificação ocorre no REL. A relação entre a quantidade de colesterol livre/colesterol esterificado nos vasos linfáticos intestinais é influenciada pelo nível de colesterol da dieta. Dietas com baixo teor de colesterol favorecem a sua absorção sob a forma livre (Aires, 1999).

- FORMAÇÃO DE QUILOMÍCRONS - Os quilomícrons são Iipoproteínas carregadoras de lipídeos na linfa e são sintetizados exclusivamente nos enterócitos. Seus diâmetros médios, que variam, dependendo da quantidade de gordura absorvida, entre 60 e 750 nm, são muito superiores aos de outras lipoproteínas carregadoras de lipídeos do plasma. Entram na sua composição: 90% de TG, 2% de colesterol livre e ésteres de colesterol, 7% de foslolipídeos e 1% de apoproteínas, conforme ilustra o Quadro abaixo. O interior dos quilomícrons contém a maioria dos TG e colesterol esteriticado, enquanto os fosfolipídios, as apoproteínas, o colesterol livre e uma pequena quantidade de TG saturados são localizados superficialmente nos quilomícrons. Os fosfolipídeos recobrem cerca de 50% da área superficial dos quilomicrons formando uma bicamada, enquanto as apoproteínas representam 10 a 20% da área superficial (Aires, 1999).

A síntese de apolipoproteínas pelos enterócitos é essencial pala a formação intracelular dos quilomícrons. Apesar do grande desenvolvimento na área de conhecimento da absorção lipídica nos últimos 30 anos, pouco se conhece dos mecanismos intracelulares de armazenamento, formação, modificação e secreção das apolipoproteínas. Sabe-se que as apolipoproteínas são essenciais para o empacotamento e transporte dos lipídeos para fora das células. Os hepatócitos são os principais sítios de síntese das apolipoproteínas, embora se saiba que também os enterócitos constituem uma fonte importante destas proteínas. Assim distúrbios da síntese de apoliproproteínas no enterócito induzem acumulação intracelular dos lipídeos. É o que ocorre, p. ex., no caso da condição denominada abetalipoproteinemia, na qual há deficiência da síntese de apolipoproteína B pelos enterócitos Nesta doença, há distúrbios no transporte dos quilomícrons dos enterócitos para a linfa, e eles se acumulam no intracelular (Aires, 1999).

Os diversos tipos de apolipoproteínas são classificados nas classes A, B, C e E. As apolipoproteínas sintetizadas pelos enterócitos são as da classe A (apo A-I, apo A-lI, apo A-IV, apo A V), da classe B (apo B-48) e da classe C (apo-ClI). Outras proteínas carregadoras de lipídeos no plasma são as lipoproteínas de baixa densidade (LDL = low density lipoprotein), as de muito baixa densidade (VLDL = very low density lipoprotein) e as de alta densidade (HDL = hight density lipoprotein). Os enlerócitos sintetizam 11 a 40% da VLDL durante períodos de jejum, por mecanismo independente da síntese dos quilomícrons. A LDL é sintetizada nos hepatócitos a partir da VLDL. A HDL pode ser derivada do catabolismo dos quilomícrons ou da VLDL, assim como ser sintetizada nos enterócitos e no fígado (Aires, 1999).

Os quilomícrons nascentes são sintetizados no sistema de Golgi após a incorporação dos TG ao REL. Os quilomícrons acumulam-se no sistema de Golgi em vesículas secretoras contendo membranas que se fundem às MBL dos enterócitos, o que permite sua secreção para o espaço intercelular por exocitose. Como os quilomícrons são muito grandes, eles não atravessam a membrana basal dos capilares das vilosidades intestinais, mas conseguem penetrar a do capilar linfático central, ou capilar lácteo, sendo transportados pela linfa e alcançando a circulação sangüínea no duto torácico (Aires, 1999).

- Absorção de lipídios não-polares

Vários lipídeos não-polares são ingeridos em quantidades muito pequenas. São eles: hidrocarbonetos halogenados de poluentes industriais, hidrocarbonetos resultantes da combustão do carvão e petróleo, ácidos graxos com cadeias muito longas (mais de 20 átomos de carbono) e compostos tóxicos (inseticidas e fungicidas). A solubilidade aquosa destes lipídeos é muito baixa, e seus processos de absorção são pouco esclarecidos (Aires, 1999).

Em aves o sistema porta é a única via para todos os lipídios e substância afins. A absorção dos lipídios dá-se, principalmente, mediante a sua incorporação a micelas; entretanto, como o sítio de absorção dos ácidos graxos é diferente do sítio de absorção dos sais biliares, é provável que ocorra destruição da estrutura micelar antes da absorção. Nas aves, além do conhecido mecanismo de formação de micelas, foi demonstrado um outro, mediado pela formação de um complexo ácido graxo-proteína carreadora e independente da bile (Nunes, 1998).

No que diz respeito aos sais biliares e sua reabsorção o jejuno os reabsorve por processo ativo. Porém, para que esta última reabsorção ocorra, os sais biliares tem que estar em estado não dissociado, situação pouco comum no jejuno, já que este é o primeiro terço do intestino e recebe os lipídios quase sem emulsificação. O íleo os reabsorve por processo ativo. A circulação entero-hepática dos ácidos biliares é completada pelo transporte dos sais biliares via sistema porta-mesentérico para o fígado. Nos frangos apenas uma pequena síntese hepática de ácidos biliares é necessária para manter a quantidade destes sais neste sistema. A liberação da bile da vesícula biliar para o intestino é efetuada pela ação do hormônio colecitoquinina (CCK), liberado por sensores localizados próximos à superfície da mucosa intestinal quando se apresentam lipídios. A gastrina II e o hormônio GIP aparecem como complemento para a ação do CCK e contração da musculatura sensível da vesícula biliar (Rehfeld, 1981 citado por FREEMAN, 1985).

TRANSPORTE DOS LIPÍDIOS NO ORGANISMO.

Nas aves o sistema linfático é pobremente desenvolvido, as vilosidades têm em seu interior uma rede capilar bem desenvolvida e não contém vaso linfático central. (KIYASU, 1955, citado por FREEMAN, 1985). Esta configuração estrutural é considerada favorável a absorção e transporte dos triacilgriceróis (em aves) via sistema porta-mesentérico, o que foi confirmado por NOYAN et al. (1964) por estudos com radio-isótopos em frangos. O exame da fração lipídica do plasma oriundo do sangue portal, indica que a principal forma cujos lipídeos absorvidos são transportados em aves. Esta forma é a VLDL (very low density lipoprotein). Como vimos acima, os lipídios por não serem solúveis no sangue necessitam de um coadjuvante para transportá-los na corrente sangüínea. Quem faz este papel são as apoproteínas que formarão as lipoproteínas. As lipoproteínas são HDL, LDL, IDL, VLDL quilomicrons e remanecentes de quilomicrons. As VLDL transportam triglicerídios do fígado para os tecidos periféricos portanto, esta lipoproteína é sintetizada no fígado. As LDL e IDL são sintetizadas no plasma por ação da lipoproteína-lipase, uma lipase do soro sangüíneo. Conforme as VLDL vão depositando seu triglicerídios nas células, acontece um aumento da densidade por liberação dos ácidos graxos do triacilglicerol. Os ácidos graxos entram na célula e são reesterificados sendo depositados nas reservas ou utilizados nos processos metabólicos. O glicerol do triglicerídeo que estava na lipoproteína não entra na célula e volta para o fígado onde é metabolizado.

INFLUÊNCIA DO PERFIL DOS LIPÍDIOS NO DESEMPENHO E NA GORDURA DE FRANGOS DE CORTE.

Em experimento onde foi avaliado o perfil de ácidos graxos da pele, músculo peitoral e músculos da coxa de frangos, alimentados com diferentes fontes vegetais de óleos (soja, canola e palma). FERREIRA et al. (1998) não encontraram diferenças. Porém, no nível de colesterol analisado nestas partes houve diferenças como mostra a Tabela 2.

Figura 4.- Esquema dos processos integrados da digestão, absorção e transporte de gorduras em frangos. (1) emulsificação e lipólise das gorduras; (2) entrada para fase micelar; (3 e 4) transferência dos lipídios através da mebrana e penetração na célula mucosa; (5) re-síntese de triacilgliceróis; (6) quilomicron (suíno) ou VLDL (ave); (7) sistema porta de transporte para ácidos graxos de cadeia curta; (8) transporte de VLDL (aves, via porta-hepático) e quilomicrons (suínos, via sistema linfático).

Embora o óleo de canola seja composto por ácidos graxos insaturados, na pele dos frangos estudados que receberam esta fonte de óleo a deposição de colesterol foi mais alta que o tratamento que recebeu óleo de palma como fonte lipídica (alta concentração de ácidos graxos saturados). Já o peito apresentou um perfil de ácidos graxos de acordo com o esperado dos tratamentos, ou seja, maiores níveis de colesterol para o tratamento com maiores níveis de ácidos graxos saturados (óleo de palma).

Outro experimento foi feito para resposta da composição dos ácidos graxos na gordura abdominal de frangos submetidos à dietas nas quais as fontes de gorduras eram óleo de girassol, rico em ácidos graxos insaturados e sebo bovino, rico em ácidos graxos saturados (SANZ et al.,2000). O desenho experimental está na Tabela 3 e os resultados estão apresentados na Tabela 4.

Em um outro trabalho CRESPO & GARCIA (2001) compararam quatro fontes de gorduras, com perfil de ácidos graxos diferentes e 2 níveis de inclusão de gordura (6% e 10%). Foi utilizado sebo bovino (rico em ácidos graxos saturados), óleo de oliva (rico em ácidos graxos monoinsaturados), óleo de girassol (rico em ácidos graxos poliinsaturados da série n-6) e óleo de linho (rico em ácidos graxos poliinsaturados da série n-3). Como podia ser esperado o consumo foi menor nas rações com 10% de inclusão de gordura sem prejuízo para a conversão alimentar, que foi melhor nos animais que receberam rações com este nível de gordura.

A deposição de ácidos graxos saturados em relação ácidos graxos insaturados no músculo do peito, na gordura abdominal e no músculo da coxa, está apresentada na Tabela 5.