Os lipídeos, ou gorduras apresentam um problema digestivo especial para o animal, porque não se dissolvem na água, o principal meio pelo qual ocorre a maioria dos processos corpóreos, incluindo a digestão. A ação detergente é necessária para emulsificar ou dissolver lipídeos, de forma que possam ser submetidos às ações das enzimas hidrolíticas, hidrossolúveis. O problema da solubilidade torna a mecânica da digestão e da absorção de lipídeos ligeiramente diferente daquela dos carboidratos e das proteínas.
Nível de lipídio nas rações:
Os neonatos de todas as espécies de mamíferos possuem alta capacidade de digestão e absorção de lipídios, porque o leite tem alto teor de gordura. (Cunningham, 1993).
Os lipídios compõem uma grande porção das dietas dos carnívoros, ao passo que em geral formam uma porção menor das dietas naturais dos herbívoros adultos (Ruminantes: 3 a 5% de EE na MS; Aves e suínos: 5 a 10% de EE na MS é permissível). Apesar disso, parece que as espécies herbívoras possuem a capacidade de digerir e absorver lipídios em quantidades consideravelmente mais elevadas do que as encontradas em suas dietas naturais, e freqüentemente lipídios suplementares são acrescentados às dietas de cavalos de corrida e vacas leiteiras de alta produção (Cunningham, 1993).
Os carnívoros suportam bem níveis elevados de gorduras (até 40 a 50% da matéria seca) e as digerem perfeitamente. No entanto, eles devem ser estritamente reservadas aos cães ativos ou possuindo necessidades energéticas elevadas, como por exemplo cadelas em lactação. (Royal Canin, 1999 – fabricado por SONOPRESS indústria barsileira).
A freqüência de cães obesos é em geral associada à utilização abusiva de alimentos bastante energéticos em cães pouco ativos, sem adequado controle de consumo. (Royal Canin, 1999 – fabricado por SONOPRESS indústria barsileira).
Com relação ao crescimento, devemos estar sempre atentos e escolher um alimento com nível energético (logo, de lipídios) moderados a fim de evitar um crescimento muito rápido e indução da obesidade, que é difícil de corrigir na idade adulta. (Royal Canin, 1999 – fabricado por SONOPRESS indústria barsileira).
A complementação da dieta de cães e gatos com alimentos ricos em ácidos graxos essenciais e eicosanóides está em voga entre os criadores e clínicos visando à melhoria das condições da pele e do pêlo. Ácido linoléico, fornecido a cães, traz benefícios reais pela competição com o ácido oléico, reduzindo-se na pele e diminuindo problemas dermatológicos. Para o gato o procedimento não funciona porque ele não dispõe do sistema enzimático adequado. Para ambos, o fornecimento de eicosanóides (como adjuvantes de uma terapêutica mais completa) podeser efetivo, se verificadas as causas da patologia. O fornecimento de eicosanóides da série Ω-3, menos inflamatórios, compete com aqueles da série Ω-6, beneficiando a redução da inflamação e, possivelmente, estimulando a maturação de células T e melhorando as condições imunológicas do animal (Nunes, 1998).
DIGESTÃO DOS LIPÍDEOS NA BOCA
Todo o processo de digestão é a quebra física e química de partículas alimentares e moléculas em subunidades disponíveis para absorção. A redução física do tamanho das partículas é importante, não apenas porque permite ao alimento fluir através do tubo digestivo relativamente estreito, como também porque aumenta a área superficial das partículas alimentares, aumentando assim a área exposta às ações de enzimas digestivas. A redução física do tamanho das partículas alimentares começa com a mastigação (Cunningham, 1993).
Pode-se ver na figura abaixo que as enzimas agem fazendo a cisão de uma ligação de éster nas gorduras ou de uma ligação de fosfodiéster nos ácidos nucléicos pela inserção de uma molécula de água (Cunningham, 1993).
Figura . Hidrólise de duas ligações éster em uma molécula de triglicerídio (Cunningham, 1993).
A hidrólise das gorduras da dieta inicia-se na cavidade oral por ação da lípase lingual, secretada pelas glândulas de Von Ebner (Aires, 1999). Em suínos, demonstrou-se atividade lipolítica das secreções bucais, parecendo ser esta atividade universal entre mamíferos (Nunes, 1998).
A lipase lingual tem seu pH ótimo de ação a 3, embora continue ativa a valores de pH 6 a 6,5, o que significa que ela atua bem no estômago, mas também ainda continua a atuar no duodeno. Ela hidrolisa preferencialmente triglicerídeos (TG) contendo ácidos graxos com cadeias médias e curtas, produzindo diacilglicerois (DG) e ácidos graxos livres (AGL), também conhecido como ácido graxo não esterificado (AGNE). Ela não hidrolisa fosfolipídeos e ésteres de colesterol (Aires, 1999). Entretanto, a velocidade de hidrólise é lenta, porque o lipídio ainda não está emulsificado e a enzima pode somente degradar o triacilglicerol na interface óleo-água (Champe & Harvey, 1996).
Como a gordura do leite é rica em lipídeos contendo ácidos graxos de cadeias médias e curtas, é eficientemente hidrolisada pela lípase lingual (Aires, 1999).
Os bezerros possuem uma lípase salivar secretada na base da língua, que hidrolisa parte dos lipídeos que ingressam no trato digestivo e que tem importância nos neonatos, onde a produção de lípase pancreática é baixa (González e Silva, ???).
Em condições normais, a lípase lingual parece ter pouca importância na digestão de lipídeos (Smith e Hill, 1988).
DIGESTÃO DOS LIPÍDEOS NO ESTÔMAGO DE NÃO-RUMINANTES
A hidrolase das gorduras da dieta continua no estômago por ação da lípase lingual e da lípase gástrica (tributirase), secretada pela mucosa gástrica (Aires, 1999).
A lipase gástrica é difícil de ser distinguida da atividade lipolítica de origem bucal (lípase lingual), mas parece certo que a maioria dos mamíferos as duas atividades estão presentes (Nunes, 1998).
A distribuição da lípase gástrica varia nas distintas regiões do estômago, sendo principalmente encontrada na região fúndica. A lípase gástrica tem seu pH ótimo de atividade em valores de 3 a 6. Como a lingual, ela hidrolisa mais rapidamente TG contendo ácidos graxos de cadeias médias e curtas do que os que contêm ácidos graxos de cadeias longas produzindo DG e AGL. Também como a lingual, a lipase gástrica não hidrolisa os ésteres de colesterol e os fosfolipídeos (Aires, 1999).
As lípases lingual e gástrica são importantes nos recém-nascidos, principalmente na hidrólise da gordura do leite. A gordura do leite contém alta proporção de ácidos graxos de cadeias média e curta, na maioria das espécies, e apresenta estrutura globular (Nunes, 1998; Aires, 1999).
Estas enzimas são ativas em pH neutro, e, assim, são de pouco uso no estômago do adulto, onde o pH é baixo. Entretanto, em lactantes, cujo pH gástrico é próximo da neutralidade e cujas dietas freqüentemente contêm lipídios do leite, as lípases lingual e gástrica podem desempenhar um papel na digestão dos lipídios. Em geral, em adultos, os lipídios da dieta não são digeridos, mesmo parcialmente, na boca ou estômago, mas progride de modo mais ou menos intacto até o intestino delgado (Champe & Harvey, 1996).
O glóbulo de gordura do leite não é atacado pela lípase pancreática, uma vez que esta enzima ainda não é muito desenvolvida no período neonatal, mas o é facilmente atacável pelas lípases lingual e gástrica, que libera os ácidos graxos. Esta digestão inicial no estômago fornece um substrato modificado que é facilmente atacável pela lípase pancreática (Nunes, 1998; Aires, 1999).
A digestão pré-duodenal perde importância com o avançar da idade, isto porque nos animais adultos, normalmente, a quantidade de lípase pancreática é grande e a ausência da lípase gástrica não provoca problemas de má absorção de gorduras (Aires, 1999). Porém, as lípases lingual e gástrica permanece mesmo no animal adulto, embora como fração mínima da atividade lipolítica total. Esta atividade mínima, aliada aos movimentos gástricos, promove uma emulsão grosseira dos lipídeos que facilita a completa emulsificação do duodeno (Nunes, 1998).
Quando o alimento deglutido penetra no esôfago, há estímulos para liberação da gastrina pelas células G, principalmente provocados pela distensão do estômago e a presença de aminoácidos e peptídeos. A gastrina estimula a produção de ácido clorídrico que provoca abaixamento do pH do estômago, tornando o bolo alimentar acidificado (quimo) (Aires, 1999).
Existem três fases do processo de digestão lipídica, sendo dividida em emulsificação (estomacal e intestinal); hidrólise e formação de micelas (intestinal) (Cunningham, 1993).
Primeira fase – a emulsificação é o processo de redução de gotículas de lipídeos a um tamanho que forme suspensões estáveis em água ou soluções aquosas. A fase de emulsificação começa no estômago, à medida que os lipídeos são aquecidos à temperatura corpórea e submetidos a mistura e agitação intensa e ação de trituração no estômago distal. Esta atividade do estômago distal tende a quebrar os glóbulos dos lipídeos em gotículas que passem para o intestino delgado (Cunningham, 1993).
O estômago é o principal sítio de emulsificação das gorduras devido à ação mecânica da sístole antral sobre os TG, fosfolipídeos e ésteres de colesterol, assim como sobre os DG e os AGL resultantes da digestão pela lípase gástrica (Aires, 1999).
DIGESTÃO DOS LIPÍDEOS NO ESTÔMAGO DE RUMINANTES
1. Digestão de Lipídios no Rúmen
Imediatamente após a ingestão dos lipídios, estes são submetidos à ação da microbiota ruminal. Primeiro, ocorre uma hidrólise das ligações éster, via enzimas bacterianas de natureza extracelular (HENDERSON, 1971; PERRIER et al., 1992), as quais possuem atividade lipolítica, galactolipolítica e fosfolipolítica (JENKINS, 1993). Essa hidrólise promove a liberação de um “pool” de ácidos graxos saturados (AGS) ou insaturados (AGI), glicerol (oriundo dos triglicerídeos dietéticos) ou galactose (proveniente dos galactolipídios ingeridos) (JENKINS, 1993). O principal microrganismo ruminal envolvido no processo hidrolítico dos lipídios parece ser Anaerovibrio lypolitica(HUNGATE, 1966; HENDERSON, 1971). A capacidade de fungos e protozoários ruminais de hidrolisar lipídios ainda carece de estudos, e os dados da literatura são conflitantes (HARFOOT e HAZLEWOOD, 1988).
Posterior à hidrólise, os AGIs sofrem um processo bioquímico de saturação, denominado biohidrogenação (JENKINS, 1993). A teoria mais aceita para explicar a biohidrogenação é que esta constitui um mecanismo pelo qual os AGIs, sendo mais reativos, poderiam alterar a permeabilidade das membranas celulares bacterianas; portanto, a saturação reduz a reatividade dos AGIs, salvaguardando a integridade das membranas lipoprotéicas (DAWSON e KEMP, 1970).
O passo inicial na biohidrogenação do ácido linoléico é a atuação de uma isomerase que converte a dupla ligação cis 12 em trans 11; logo após, mediante a ação de redutases específicas, ocorrerá a hidrogenação das ligações cis 9 e trans 11, resultando em ácido esteárico (HARFOOT e HAZLEWOOD, 1988).
O glicerol e a galactose serão fermentados, até AGV, os quais serão absorvidos pelo epitélio ruminal (VAN SOEST, 1982).
Atualmente, as pesquisas são realizadas visando entender os processos bioquímicos que ocorrem no rúmen, quando lipídios são ingeridos em níveis acima dos recomendados, pois há tempos se conhecem os efeitos negativos sobre o ecossistema ruminal, quando são fornecidos em excesso (JENKINS, 1993).
Estudos em cultura axênica de bactérias evidenciaram que os tipos celulolíticos e metanogênicos, bem como a maioria dos protozoários ruminais, são inibidos por altas quantidades de ácidos graxos (MACZULAK et al., 1981).
VAN NEVEL e DEMEYER (1988) e JENKINS (1993) sugerem que a influência deletérica dos lipídios sobre os microrganismos ruminais, afetando a fermentação ruminal, é dependente do grau de insaturação, da presença de grupos carboxílicos livres, da capacidade em formar sais insolúveis, da propriedade de associação com superfícies alimentares ou microbianas e da quantidade ingerida por dia.
WEISBJERG e BØRST (1989) demonstraram “in vitro” que os ácidos graxos de cadeia média e os polinsaturados foram efetivos na alteração da fermentação ruminal. Os efeitos adversos estão relacionados com o grau de insaturação que tornam mais reativos os ácidos graxos. Estes ácidos, ao se incorporarem nas membranas biológicas microbianas que são de natureza hidrofóbica e anfifílica, podem ser citotóxicos, por interferirem no processo de geração de ATP pela membrana (LUVISETTO et al., 1987).
Outra proposta é que esses ácidos graxos podem afetar a fluidez, a expansibilidade, o ponto de fusão e a dispersão de proteínas importantes no funcionamento das membranas (GRUBER e LOW, 1988).
A teoria do englobamento das partículas alimentares por uma película lipídica considera que a acessibilidade e a adesão microbiana são sensivelmente afetadas, o que, portanto, explicaria a alteração nos processos fermentativos ruminais (JENKINS, 1993). A interferência sobre o acesso das enzimas fibrolíticas ao seu substrato específico é também relatada como importante na redução da degradação da parede celular vegetal no rúmen (JENKINS, 1993).
A presença de grupos carboxílicos livres torna os ácidos graxos mais reativos, o que possibilita a incorporação destes nas membranas microbianas e, assim, causa efeitos negativos no ecossistema ruminal (JENKINS e PALMQUIST, 1982).
A quantidade de lipídios ingerida também é referida como um fator que interfere negativamente na fermentação ruminal, especialmente quando níveis maiores que 7% são verificados (CZERKAWSKY et al., 1966a).
À medida que os níveis dietéticos de lipídios são elevados (> 6 % na MS), alterações na microbiota ruminal, com subseqüente problema no metabolismo ruminal dos carboidratos estruturais, podem advir (PALMQUIST e JENKINS, 1980).
Como os ácidos graxos essenciais (AGE) são polinsaturados, como fica o animal no que respeita ao suprimento desses ácidos graxos?
Microrganismos e restos bacterianos passam ao abomaso e intestino onde sofrem lise, seguida de digestão semelhante à dos monogástricos, embora haja diferenças de sítio de absorção (nos ruminantes é mais caudal, em razão de suas lípases exigirem pH mais elevado para agir). Em condições habituais, pouca substância lipídica “verdadeira” ultrapassa intacta os pré-estômagos. Quando ocorre, é por estar protegida por material inerte, não atacável, como as ligninas. Comumente, os ácidos graxos chegam hidrolisados ao intestino delgado. Acredita-se que esta falta de substrato ( o lipídio já chega digerido) explique a pequena atividade lipolítica encontrada nas enzimas produzidas pelo animal. Acrescente a isto que a quantidade de lípases produzida é relativamente pequena (Nunes, 1998).
Processos que ocorrem no rúmen (Andriguetto et al., 1981):
a) hidrólise dos glicerídeos e fosfolipídeos;
b) hidrogenação (saturação) dos ácidos graxos não saturados;
c) produção de isômeros dos ácidos graxos;
d) síntese de ácidos graxos de cadeia ramificada e
e) incorporação pelos microrganismos, dos ácidos graxos constituindo lipídios dos microrganismos.
- Uso de gorduras para animais ruminantes:
Os ruminantes são menos tolerantes a dietas de gorduras do que os monogástricos. Quando o nível de gordura excede de 5 a 7% da dieta, pode ocorrer distúrbios digestivos, diarréia e redução no consumo (Teixeira, 1997). Gorduras especiais em montante até 30% do concentrado são permissíveis para vacas leiteiras (Maynard et al., 1984).
Em geral, a dieta dos ruminantes é baixa em lipídios, embora se usem eventualmente suplementos de óleo vegetal e sebo animal. A fonte mais freqüente de lipídios na dieta dos ruminantes está constituída basicamente pelos galactolipídios das forragens que geralmente possuem uma alta proporção de ácidos graxos insaturados. Ocasionalmente consomem alguns triglicerídeos contidos nos cereais. Altas quantidades de gordura na dieta dos ruminantes podem causar diminuição do apetite e da digestibilidade de outros nutrientes, a menos que sejam fornecidos na forma de lipídios “protegidos” (González e Silva, )
DIGESTÃO DOS LIPÍDEOS NO INTESTINO DELGADO
· Neutralização do pH intestinal
No duodeno, a presença do quimo ácido e de gorduras estimula, respectivamente, a secreção de secretina e de colecistocinina (CCK) pelas células endócrinas do duodeno e jejuno superior. Estes estímulos induzem também a secreção do peptídeo inibidor gástrico (GIP) e o peptídeo vasoativo intestinal (VIP) (Aires, 1999).
- Secretina e CCK
A secretina estimula o pâncreas a produzir uma secreção copiosa e rica em bicarbonato, enquanto a CCK, a das enzimas lipolíticas pancreáticas. Estes dois hormônios atuam sinergicamente no pâncreas, um potencializando a ação do outro. A secretina tem também ação colerética, estimulando a secreção de bile hepática. Por outro lado, a CCK é um forte colagogo, sendo o mais potente mediador da contração da vesícula biliar. Esta esvazia o seu conteúdo (bile) no duodeno 20 minutos após o início de uma refeição. A secreção pancreática neutraliza o quimo no duodeno, tornando o conteúdo luminal alcalino e facilitando a ação hidrolítica das enzimas pancreáticas.
· As três fases do processo de digestão lipídica intestinal
Primeira fase – Processo crítico de Emulsificação dos lipídios da dieta pelos ácidos biliares (FASE INTESTINAL)
A primeira fase na digestão dos lipídios no intestino delgado é desdobrar os glóbulos de lipídios em partículas de pequenos tamanhos, de forma que as enzimas digestivas solúveis em água possam agir efetivamente sobre as superfícies dos glóbulos. Esse processo é denominado emulsificação da gordura e é efetuado sob a influência da bile, a secreção do fígado que não contém qualquer enzima digestiva. Contudo, a bile contém grande quantidade de sais biliares, principalmente na forma de sais inonizados de sódio, que são extremamente importantes para a emulsificação da gordura (Guyton, 1989; Champe & Harvey, 1996).
No intestino delgado, a emulsificação iniciada no estômago se completa pela ação detergente dos ácidos biliares e fosfolipídeos. Esses produtos biliares reduzem a tensão superficial dos lipídeos e permitem que as gotículas se tornem mais divididas e de menor tamanho (Cunningham, 1993).
· O papel da bile
A bile é continuamente elaborada por células poligonais do fígado e atinge a vesícula biliar através dos canalículos biliares e dos ductos hepático e cístico. Na vesícula, é armazenada e concentrada, entrando no intestino pelo ducto comum. O esvaziamento da vesícula ocorre continuamente, mas é acelerado pela presença de alimentos parcialmente digeridos no intestino. Em parte, esse esvaziamento está sob controle vagal, mas pode-se observar a ocorrência de contração e esvaziamento das vesícula biliar após desnervação total do órgão e introdução de lipídeos ou proteínas parcialmente hidrolisados no duodeno. A CCK, que é liberada na circulação pelo duodeno, estimula a contração da vesícula biliar, com conseqüente liberação de seus conteúdos no duodeno (Smith e Hill, 1988).
A função da bile consiste em promover a emulsificação e solubilização dos lipídeos através da poderosa ação detergente dos sais biliares (Smith e Hill, 1988).
- Regulação da secreção biliar
A bile é secretada de modo contínuo pelo fígado, porém o seu fluxo secretório aumenta bastante durante os períodos digestivos. Existem determinadas substâncias, denominadas coleréticas, capazes de estimular acentuadamente a secreção biliar pelo fígado. A secretina é uma substância especialmente colerética, causando aumento de até 80% do volume da secreção biliar rica em água e bicarbonato e pobre em cloreto e sais biliares. Gastrina e a CCK são hormônios que têm também ação colerética (Aires, 1999).
O fluxo da bile para intestino é controlado pelo esfíncter de Oddi. Este se constitui de um anel muscular em torno do orifício onde o colédoco deságua no duodeno. Nos períodos interdigestivos, o esfíncter está fechado, e a bile flui para a vesícula biliar. Certas substâncias, denominadas colagogas, têm a propriedade de promover a contração vesicular e, conseqüentemente, liberar a bile para o interior do duodeno. Dois mecanismos básicos agem simultaneamente, provocando o esvaziamento da vesícula biliar. Inicialmente a CCK – cuja secreção para a corrente sanguínea foi desencadeada por ácidos graxos, produtos da digestão protéica, acidez e cálcio presentes no duodeno – atingem a vesícula e estimula a contração de sua parede muscular ao mesmo tempo em que provoca certo grau de relaxamento do esfíncter de Oddi. A combinação simultânea da contração vesicular com a abertura do esfíncter permite que a bile contida na vesícula biliar seja lançada no intestino (Aires, 1999).
Figura. A, Fluxo biliar no período interdigestivo – como vesícula é facilmente distensível e o esfíncter de Oddi está contraído, a bile secretada continuamente pelo fígado flui para interior da vesícula biliar. B, Fluxo biliar durante a digestão – os estímulos neural e hormonal (CCK) causam contração da vesícula biliar e relaxamento do esfíncter de Oddi, permitindo que a bile flua para o intestino.
Fonte: Johnson, 1997
Os sais biliares descarregados do duodeno pela contração da vesícula biliar, além de causarem a emulsificação das gorduras, uma vez absorvidos pela circulação porta, funcionam como coleréticos, induzindo a secreção da bile hepática. A secreção biliar estimulada desse modo se apresenta com fluxo aumentado e guarda relação direta com a secreção dos sais biliares. Assim, a elevação do nível dos sais biliares na circulação êntero-hepática causa aumento da secreção da bile e dos próprios sais biliares (Aires, 1999).
a) Composição da bile hepática
Os componentes da bile (Tabela 1) têm propriedades emulsificantes por suas características anfipáticas.
Tabela 1. Composição e característica da bile
1 Bilirubina e biliverdina;
2 Derivados dos ácidos taurocólico e glicocólico;
3 Na, Cl, K, Ca, Mg, HCO3
Fonte: Bioquímica Veterinária, ?????
A bile não é absolutamente necessária para a absorção de gorduras no cão e no rato, espécies nas que 30-40% dos triglicerídios podem ser absorvidos em ausência de bile após a sua hidrólise. Entretanto, a absorção de colesterol e de vitaminas lipossolúveis é totalmente dependente da bile. Assim, na insuficiência pancreática, pode haver deficiência na absorção de triglicerídios, mas a presença de micelas de bile garante a absorção de colesterol e das vitaminas A, D, E e K (González & Silva, )
Em bovinos e aves a bile é verde por causa dos altos teores de biliverdina. O pH da bile varia em função da espécie animal; na vaca 6,7 – 7,5, na ovelha 5,9 - 6,7, nas aves 5,8 – 6,0, no cão 7,4 – 8,5 e no humano 7,8.
b) Composição da bile vesicular
O volume da bile vesicular sofre uma redução de cerca de 80 a 90% relativamente ao da bile hepática, em conseqüência da reabsorção de água, cloreto de sódio e bicarbonato do lúmen da vesícula para a corrente sanguínea, pela atividade de seu epitélio transportador. Resulta que a bile vesicular, em relação à hepática, contém alta concentração de sais biliares (cerca de 10 vezes mais), mucina, bilirrubina, potássio e cálcio e concentração diminuta de cloreto e bicarbonato. Isto explica também por que o pH da bile vesicular é menor, oscilando entre os valores 5,0 e 6,0 (Aires, 1999).
No cão, gato, pato, galinha e em algumas outras espécies animais a bile é concentrada durante o seu armazenamento na vesícula, podendo-se assim, nestes animais, distinguir-se uma bile vesicular e uma hepática. A bile hepática possui um conteúdo de água maior, que oscila entre 95,5 a 97,5% no cão. A bile vesicular dos animais acima referidos é mais densa e apresenta no cão um conteúdo de massa seca até 10 vezes maior do que a bile hepática (Gurtler et al., 1987).
Tabela 1. Composição da bile humana hepática e vesicular
Fonte: Aires, 1999
Entre os animais com vesícula biliar, nos quais ocorre pouca ou quase nenhuma concentração, está a vaca, carneiro, cabra e porco. A capacidade de armazenamento da vesícula biliar é muito pequena nestas espécies animais, da mesma maneira que é pequena a secreção biliar dos mesmos. Desta maneira, admite-se que a vesícula biliar aqui é, em primeira linha, um receptáculo acessório do sistema canalicular, funcionando principalmente como um órgão regulador de pressão. É adicionada ao líquido biliar na vesícula a mucina biliar através da atividade das glândulas mucosas (Gurtler et al., 1987).
Os animais que não têm vesícula biliar são o cavalo, o veado, o alce, o alce americado, a girafa, o camelo, o elefante, o pombo e o rato (Dukes, Argenzio, )
Tabela 2. Composição eletrolítica da bile hepática e vesicular em cães
Fonte: Aires, 1999
c) Funções dos sais biliares na digestão das gorduras
ð Entendendo as propriedades dos ácidos graxos
Os ácidos graxos são o principal componente dos lipídeos, aos quais conferem suas propriedades gerais. Sua característica fundamental é possuir uma função ácida de natureza carboxila, hidrófila e polar, e uma cadeia hidrocarbonada, parafínica, hidrófoba e não-polar (Nunes, 1998):
CH3-CH2(CH2)n)-CH2 - COOH
CH3-CH2(CH2)n)-CH2 - COOH
Cadeia parafínica Carboxila
(hidrófoba) (hidrófila)
Portanto, os ácidos graxos são substâncias freqüentemente chamadas de compostos anfipáticos com grupos hidrofóbicos (que não tem afinidade por água) e com grupo hidrofílicos (que têm afinidade por água) (Lehninger, 1990).
Figura . Modelo esquemático de uma lipoproteína plasmática.
Fonte: Lehninger, 1990.
Os grupos hidrofílicos carboxila, carregados negativamente, são expostos e interagem com a fase aquosa, e as cadeias hidrocarbonadas não-polares, hidrofóbicas, são escondidas dentro da estrutura (Lehninger, 1990).
ð Propriedades dos sais biliares
Os sais biliares são compostos anfipáticos, isto é, possuem na molécula regiões polares ou hidrófilas, que interagem com a fase aquosa, e regiões apolares ou hidrófobas, que interagem com a fase orgânica (Aires, 1999).
ð Ação dos sais biliares sobre as gorduras
A fração carboxila (ou polar) do sal biliar é altamente solúvel na água, enquanto a fração esteróide do sal biliar é altamente solúvel na gordura. Por conseguinte, a porção lipossolúvel do sal biliar dissolve-se na camada superficial do glóbulo de gordura, porém, permanecendo a fração carboxila do sal, no exterior, e solúvel nos líquidos circundantes; esse efeito diminui apreciavelmente a tensão interfacial da gordura. E essa propriedade dos ácidos biliares é, até mesmo, multiplicada várias vezes pelas pequenas quantidades de lecitina também presente na bile (Guyton, 1989).
Quando a tensão superficial de um glóbulo de líquido não-miscível é baixa, esse líquido não-miscível pode ser quebrado com a agitação, em diminutas partículas, mais facilmente do que ocorre quando a tensão interfacial é grande. Conseqüentemente, uma grande função dos sais biliares é tornar os glóbulos de gordura rapidamente fragmentáveis pela agitação do intestino delgado. Essa ação é a mesma que ocorre a muitos detergentes usados amplamente nos produtos de limpeza doméstica, para limpeza da gordura (Guyton, 1989).
Cada vez que os diâmetros dos glóbulos de gordura são diminuídos por um dos dois fatores, como o resultado da agitação no intestino delgado, a área superficial total da gordura aumenta duas vezes. Em outras palavras, a área total das partículas de gordura nos conteúdos intestinais é inversamente proporcional aos diâmetros das partículas. Já que o tamanho médio das partículas emulsificadas de gordura no intestino é de apenas 1 m, isso representa um aumento de até 1.000 vezes na área superficial total das gorduras, causado pelo processo da emulsificação (Guyton, 1989).
As lípases são compostos hidrossolúveis e podem atacar os glóbulos de gordura somente em suas superfícies. Conseqüentemente, pode-se logo compreender a importância dessa função detergente dos sais biliares para a digestão das gorduras (Guyton, 1989).
ð Hidrólise e formação de micelas
A fase luminal de digestão e absorção dos lipídeos compreende a hidrólise do TG, ésteres de glicerol e fosfolipídeos, respectivamente pelas lípases, esterases e fosfolipases A2 pancreáticas (Aires, 1999).
I) Lípase pancreática ou glicerol éster hidrolase
A lipase pancreática é a enzima mais importante para a digestão das gorduras, contida no suco pancreático. Contudo, as células epiteliais do intestino delgado contêm, também, pequena quantidade de lípase conhecida como lípase entérica. Ambas agem da mesma forma para ocasionar a hidrólise da gordura (Guyton, 1989).
A lípase pancreática é inicialmente secretada como zimogênio, a prolipase é convertida na mucosa duodenal na sua forma ativa, a lípase pancreática. Os sais biliares acumulam-se na superfície da gotícula de gordura, deslocando outros compostos tensoativos e carregando negativamente a micela. Isto atrai uma proteína pequena (massa molecular 10.000), denominada colipase. A colipase une-se ao C-terminal e a molécula da lipase pancreática se abre. Novas interações se processam até o sítio ativo (-Ser-His-Asp-) se expor. A interação aumenta a superfície de ataque da enzima ao substrato. O complexo colipase-lipase é atraído para a superfície da micela. Aqui, a função da colipase é fixar a lipase pancreática próxima à superfície da micela, mesmo na presença de sais biliares que, de outra forma, a deslocariam. Os sais biliares, a colipase e a lipase formam um complexo por interação. É necessária a presença de íons cálcio para estimular a ação da lipase (Nunes, 1998).
A lipase ativa, na presença dos sais biliares e de uma proteína chamada colipase, liga-se às gotículas de triacilglicerol e catalisa a remoção hidrolítica, por etapa, de um ou ambos os resíduos de ácidos graxos externos (isto é, remove preferencialmente os ácidos graxos nos carbonos 1 e 3), resultando: uma mistura de ácidos graxos livres (na forma de seus sabões de Na+ ou K+), 2-monoacilglicreol (2-MG), ou β-monoacilgliceróis e uma pequena fração de triacilglicerol (TG), que permanece intacta. Ocorre isomeração dos 2-MG a 1-monoacilglicerol (1-MG), embora o 2-MG seja a forma predominante, uma vez que a isomeração do 1-MG a 2-MG é um processo muito lento (Aires, 1999).
Figura . Hidrólise da gordura neutra catalisada por lípase.
Fonte: Guyton, 1989.
Enzimaticamente funciona como estearase, hidrolisando as ligações éster das gorduras neutras. Sua ação catalítica é estimulada por aminoácidos, cálcio e, principalmente, sais biliares, lançados no duodeno pela vesícula biliar durante os períodos digestivos (Aires, 1999).
Os sais biliares, devido a seu caráter anfifílico ou anfipático, provocam a emulsão das gorduras no meio intestinal. A emulsão causa aumento da área da superfície de gordura exposta ao ataque da lípase da lípase pancreática, que atua na interface óleo/água. Desse modo, os sais biliares agem como co-fatores na hidrólise das gorduras e facilitam a absorção de seus produtos de digestão, que se constituem numa mistura de monoglicerídeos, glicerol e sais de ácidos graxos (Aires, 1999).
O acúmulo dos monoglicerídeos e ácidos graxos na vizinhança das gotículas das gorduras pode diminuir a velocidade da hidrólise e até bloqueá-la. Os ácidos graxos e os 2-moglicerídeos liberados são removidos rapidamente, nas vinzinhanças dos glóbulos gordurosos, pela dissolução nas micelas dos sais biliares. As micelas atuam ainda transportando os 2-monoglicerídeos e os ácidos graxos, compostos relativamente insolúveis, para a borda-em-escova das células epiteliais, onde são absorvidos. Uma vez livres, os sais biliares estão aptos a serem reusados para continuar o processo de transporte (Aires, 1999).
Nas gotículas de gordura, à medida que ocorre a remoção dos di- e monoacilgliceróis e dos ácidos graxos livres, pelas micelas dos sais biliares, o equilíbrio das reações desloca-se no sentido de formação dos produtos hidrolisados. Em outras palavras, a remoção dos produtos hidrolisados aumenta a velocidade de hidrólise dos TG (Aires, 1999).
A lipase pancreática é encontrada em alta concentração na secreção pancreática e compreende cerca de 2 a 3% do conteúdo protéico total. Esta alta concentração, aliada à sua alta atividade catalítica, assegura a eficiência da digestão lipídica. Esta enzima tem sido seqüenciada em suínos. Para a sua ação, a lipase pancreática necessita além dos sais biliares, da presença da colipase (Aires, 1999).
A colipase foi descrita em 1963 como urna proteína termoestável necessária para a ação da lipase pancreática. Este co-fator é secretado pelo pâncreas na forma de pró-colipase; esta é ativada na luz do delgado por clivagem pela tripsina de um pentapeptídeo do terminal NH2 da molécula. A colipase de vários animais, inclusive a humana, tem sido clonada e o seu gene localiza-se no cromossoma 6. O domínio que se liga à lipase consiste em duas regiões, os aminoácidos 6-9 e 53-59. As gotículas de TG encontram-se na luz intestinal recobertas pelos sais biliares, o que as tornam inacessíveis à lipase pancreática. A ação da colípase consiste em remover os sais biliares da interfase TG/água ligando-se a esta interface e ancorando a lipase pancreática. A colipase combina-se com a lipase na proporção molecular 1:1 . Ela tem, também, a capacidade de se ligar a sais biliares. O pH ótimo de ação da lipase pancreática é entre 8 e 9, e a sua ligação com a colipase reduz estes valores de pH de ação da lipase para 6, mais próximo ao pH luminal (Aires, 1999).
COLESTEROLESTERASE OU COLESTEROL ÉSTER HIDROLASE. A maioria do colesterol da dieta está sob forma livre, apenas 10 a 15% estão sob forma esterificada, que deve ser hidrolisada liberando o colesterol, forma pela qual esta molécula é absorvida. Esta hidrólise é efetuada pela colesterolesterase, que cinde a ligação éster do colesterol originando colesterol livre e AGL. Apresenta uma ampla especificidade, podendo hidrolisar também ligações ésteres dos TG e fosfoglicerídeos. A atividade da enzima é bastante aumentada na presença de sais biliares, particularmente o cloreto de sódio (Aires, 1999). A colesterol éster hidrolase pancreática catalisa a liberação de um único ácido graxo, a partir do único grupamento hidroxila do esteróide (Moran Jr., 1994 – APINCO).
FOSFOLIPASE A2.
É secretada pelo pâncreas sob forma aniônica de pró-fosfolipase e é ativada na luz intestinal do delgado por clivagem da tripsinaseparando um heptapeptídeo a partir do terminal NH2. Alguma atividade de fostolipase A1 pode estar presente na secreção pancreático. Tem sido descrito, também, uma fosfolipase A1 intracelular. A fosfolipase A2 hidrolisa os ácidos graxos na posição 2 da fosfatidilcolina, fosfatidiletanolamina e cardiolipina, produzindo AGL e lisofosfatídeos, formas pelas quais os fosfolipídeos são absorvidos. Seu PM é de 14 kD, requer Ca++ e a presença de sais biliares para sua ativação. Há várias isoformas da enzima e, aparentemente, para a sua atividade máxima, é necessária uma relação molar de 2 sais biliares para 1 fosfolipídeo. É termoestável e seu pH ótimo de ação está entre 8 e 9 (Aires, 1999).
Os fosfolipídeos na luz intestinal distribuem-se entre as micelas e as gotas de TG. A fosfatidilcolina ou lecitina é o principal fosfolipídeo secretado pela bile, sendo este mais freqüentemente encontrado associado às micelas. Os processos de hidrólise dos lipídeos da dieta estão esquematizados na Figura abaixo (Aires, 1999).
Por hidrólise dos lipídios, são produzidos o glicerol, ácidos graxos, monoacilgliceróis, fosfogliceróis, esteróis, isoprenóides.