Gruta do Cinema é salva da destruição graças à rápida ação dos órgãos ambientais de Santa Catarina

Post date: Jul 16, 2014 1:15:08 AM

Por: Leda Zogbi (Meandros Espeleo Clube) e Gustavo Monteiro.

No último dia 5 de abril, foi realizada uma expedição de reconhecimento prospecção na região de Botuverá e Vidal Ramos, Centro Leste de Santa Catarina. Um dos objetivos do trabalho seria localizar e remapear a Gruta do Cinema, em mármore, que havia sido mapeada na década de 80 pelo grupo de espeleologia GEEP-Açungui do Paraná, que estimou seu desenvolvimento em 250 m. Seria, portanto, a segunda maior caverna cadastrada no Estado de Santa Catarina, atrás apenas da Gruta de Botuverá.

Para nossa surpresa, ao chegarmos à região, fomos informados que as entradas da caverna haviam sido soterradas, e que uma mineradora local já tinha iniciado a destruição do maciço.

Alguns moradores do Bairro Ribeirão do Cinema (Município de Vidal Ramos) nos acompanharam até o local, e pudemos verificar que realmente as duas entradas da caverna estavam completamente obstruídas por terra e entulho. A caverna possui um sistema de drenagem, e um filete de água escorria através da terra, pela entrada de baixo. Bem perto deste ponto de ressurgência, verificamos que havia uma lavra iniciada em cima da caverna. Em toda a volta do maciço observamos perfurações realizadas para a colocação de dinamite. A informação que nos passaram, é que iam usar a rocha para fazer brita (pedregulho).

Preocupados com o panorama apresentado, registramos as coordenadas das entradas obstruídas da caverna com GPS e fotografamos a área já minerada e as perfurações, com o objetivo de procurar interromper a sua destruição total, que parecia ser iminente.

No dia 16 de abril, encaminhamos uma denúncia endereçada ao FATMA, Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina, com cópia para o Ministério Público de Santa Catarina, para o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas - CECAV/ICMBio e para a Superintendência do Ibama em Santa Catarina.

Para nossa surpresa, fomos rapidamente contatados pelos órgãos que receberam a denúncia (FATMA e IBAMA-SC), buscando apurar mais detalhes sobre a caverna, como o mapa feito pelo GEEP-Açungui, que infelizmente não conseguimos localizar. Por outro lado, o CECAV-ICMBio, encaminhou em 17 de abril um parecer reforçando a seriedade e a importância da denúncia. O FATMA e o IBAMA-SC realmente se mobilizaram para resolver o problema: fizeram vistorias no local, entrevistaram moradores locais, buscaram outras provas de que a caverna existia realmente. Localizaram biólogos do CIDASC (Companhia Integrada de Desenvolvimento agrícola de Santa Catarina) que fizeram uma pesquisa com morcegos na caverna em Outubro de 2013, e que disponibilizaram fotos dos morcegos na caverna, prova formal da existência da caverna.

Cinquenta e um dias após o envio da denúncia (menos de 2 meses), no dia 9 de junho foi emitido o Laudo de Vistoria N. 024/2014 da Superintendência do Ibama de Santa Catarina, com uma explicação detalhada da importância do local e dos impactos ocasionados pela Calwer Mineração Ltda, que foi autuada em R$189.000,00 (R$ 180.000,00 por deteriorar a caverna, R$ 4.000 por destruir abrigo de animais silvestres, R$ 5.000,00 por danificar área de Preservação Permanente (150 m2). Além disso foi embargada um polígono de 2 hectares na região onde se encontra a caverna. Para terminar, o órgão sugere como medida imediata a reabertura das entradas originais da caverna e recuperação da área degradada.

A rapidez e a eficácia da ação dos órgãos ambientais de Santa Catarina foram fundamentais para salvar esta importante caverna. Ficamos também muito bem impressionados com a seriedade com que o assunto foi tratado, e com a profundidade da abordagem do tema no Laudo. Gostaríamos de expressar aqui nosso agradecimento a todos os profissionais envolvidos e a todos aqueles que apoiaram de alguma forma esta ação.

É importante frisar que a legislação brasileira prevê a possibilidade de destruição de cavernas1, porém estudos preliminares de relevância da caverna devem obrigatoriamente ser realizados por especialistas das diversas técnicas e ciências relacionadas (como espeleometria, biologia, geologia, paleontologia, arqueologia, entre outras), para determinar a sua relevância. Esses estudos devem ser submetidos aos órgãos ambientais competentes que, após análise, determinam se a caverna pode ou não ser suprimida e em que condições. No caso da Gruta do Cinema, mesmo sem estes estudos, podemos presumir que se trata no mínimo de uma caverna de “alta relevância” por ser a segunda maior caverna do estado de Santa Catarina.

Esperamos que esta denúncia, que resultou no resgate de uma caverna importante, sirva de exemplo para outros espeleólogos e ambientalistas do Brasil, e que a ação conjunta realizada com muito profissionalismo pelos órgãos ambientais de Santa Catarina possa inspirar órgãos ambientais de outros Estados brasileiros.

1 Decreto 6640/08, regulamentado pela Instrução Normativa MMA 02/2009.

Imagem de satélite apresentando as duas entradas da caverna e a vila Ribeirão do Cinema.