Breve História de Quase Tudo, de Bill Bryson (resenha)

Por que os livros usados para ensinar ciências nas escolas são tão áridos, chatos, desinteressantes, e não conseguem transmitir aos jovens quão fascinante e misteriosa é a realidade que nos circunda? Acho que este é um dos pontos de partida para Bill Bryson ter resolvido escrever seu livro Breve história de quase tudo – pelo menos é o que deixa transparecer na Introdução.


O livro não é um relato linear das descobertas científicas, seguindo uma ordem estritamente cronológica. Cada capítulo aborda um tema, por exemplo: “Como construir um universo”, “O universo de Einstein”, “O átomo poderoso”, etc. Nem é uma história só da ciência, mas também daqueles que a praticam, os cientistas. Assim, lemos relatos fascinantes como do extremo azar do francês Guillaume Le Gentil que se preparou por oito anos para observar o trânsito de Vênus pelo Sol da Índia, e exatamente na hora do fenômeno uma nuvem tapou o Sol; ou do extremo esforço do matemático inglês Richard Norwood que passou dois anos medindo com uma fita métrica a distância de 335 quilômetro de Londres a York; ou do mero acaso que motivou Newton a escrever sua obra fundamental, os Princípios matemáticos da filosofia natural (veja bem, na época a ciência ainda era um ramo da filosofia!), que contarei a seguir. Lemos também relatos de injustiças (cientistas merecedores que praticamente caíram no esquecimento e, por outro lado, cientistas que se celebrizaram apropriando-se das descobertas de outros), vinganças, invejas em pessoas que, por atuarem no plano intelectual, deveriam estar acima dessas picuinhas. Mas ser humano é sempre ser humano, seja ele um sublime cientista ou um humilde varredor de ruas.


Para quem acredita que vivemos num mundo aconchegante criado por uma entidade divina para o nosso desfrute & deleite, impressionam as dimensões cósmicas desumanas desvendadas pelos cientistas, que nossas mentes leigas não conseguem conceber. Vou dar uns exemplos do livro. Quando a gente vê um desenho do sistema solar, ele não está em escala. Se estivesse, com a Terra tendo o diâmetro de uma ervilha, Júpiter estaria a mais de 300 metros e Plutão, a 2,5 quilômetros de distância. Estima-se que a Via Láctea tenha de 100 a 400 bilhões de estrelas, e ela é apenas uma entre as cerca de 140 bilhões de outras galáxias. Para que Deus criou tanto espaço para ocuparmos apenas um infinitésimo dele?


E se o macrocosmo, o mundo dos astros – galáxias, estrelas, planetas, cometas, asteroides – já nos deixa boquiabertos por sua dimensão estonteante, existe também um microcosmo subjacente a toda matéria – ao livro que você está lendo, ao ar que está respirando, ao Sol que o está aquecendo – o mundo dos átomos, com dimensões ínfimas (meio milhão de átomos poderiam se esconder atrás de um fio de cabelo), seguindo leis completamente diferentes daquelas que regem o macrocosmo. Essas leis de tal modo contrariam o nosso senso comum que até o grande cientista Albert Einstein, autor da primeira prova incontestável da existência dos átomos (p. 147), acabou se desiludindo, por assim dizer, com o reino quântico – é dele a frase: Deus não joga dados – e passou a segunda metade de sua genial carreira tentando unificar as duas teorias, a da relatividade e a quântica, sem sucesso.


Aliás, os desenvolvimentos da física das partículas são tão estranhos, com seus quarks, léptons, bóson de Higgs, que (agora vou citar literalmente um trecho do livro, pág. 154):

 

Se isso parece confuso, console-se com o fato de que também pareceu confuso para os físicos. Overbye observa: “Bohr certa vez comentou que uma pessoa que não ficasse indignada ao ouvir falar pela primeira vez na teoria quântica não entendera o que havia sido dito.” Heisenberg, quando lhe perguntaram como se podia imaginar um átomo, respondeu: “Melhor nem tentar.”

 

Em suma, se você quer ter uma ideia fascinante de como a ciência, no afã de decifrar o mundo onde estamos inseridos, foi paulatinamente demolindo o mundo das aparências – do Sol que nasce e morre todos os dias, da Terra como o centro do universo, do homem como o rei da criação – e desvendando realidades invisíveis e desconcertantes, este é o livro certo. E para os céticos que desconfiam de que as teorias científicas mais ousadas – Big Bang, essas coisas – são pura especulação filosófica, lembramos que, além das provas teóricas, elas também têm consequências bem práticas, como a bomba lançada sobre Hiroxima e Nagasaki. Aliás, Bryson comenta que, se a teoria que permitiu o desenvolvimento da bomba atômica tivesse surgido meros dez anos antes, certamente a bomba teria sido criada pelos alemães, e eu – que descendo de judeus – com certeza não estaria aqui escrevendo esta resenha.


Agora a historinha que prometi. No século XVII, sabia-se que as órbitas dos planetas não formavam um círculo perfeito, e sim uma elipse, mas não se sabia a causa. Curioso por decifrar o enigma, Halley resolveu consultar o grande Newton. Este contou que tinha a solução, mas ao procurar entre seus papéis, não achou. Segundo Bill Bryson, isto equivale a “alguém que dissesse que descobrira a cura do câncer, mas se esquecera de onde guardara a fórmula.” (p. 59) Pressionado por Halley, Newton prometeu escrever um artigo, que acabou se estendendo, dando origem à sua obra-prima que revolucionou a física.