É muito comum pessoas me confessarem suas dificuldades com a língua portuguesa. Algumas, um pouco ressabiadas, dizem que sabem um pouquinho, "mas bem pouquinho mesmo". Mas já conheci gente mais radical, que teve coragem de afirmar não saber nada de português. Já ouvi coisas assim: "Eu não sei falar nada dessa língua!"
Pessoas do grupo "sabem um pouquinho, mas bem pouquinho mesmo" normalmente se mostram inseguras quanto à grafia de determinadas palavras. As pessoas do grupo "eu não sei nada, absolutamente nada" também têm dúvidas quanto à grafia de algumas palavras, mas também sobre o uso do hífen e o uso do acento grave, aquele que indica crase: “Nós fomos à praia”. É claro que as dúvidas não são apenas dessa natureza. Cito apenas as mais comuns.
Antes mais nada, notemos o seguinte contra-senso: as pessoas que dizem não saber nada (ou saber bem pouco) de português o fazem na própria língua que afirmam ignorar. Não em russo ou mandarim. Por isso imagino que estejam falando sobre alguma dificuldade com a representação gráfica da língua, isto é, a escrita. Embora todos saibamos falar a palavra "cansaço", nem todos conseguimos soletrá-la.
É importante compreendermos algumas diferenças entre fala e escrita. Vamos nos deter apenas no modo como aprendemos as duas modalidades. Não conheço ninguém que tenha lembranças das primeiras palavras que balbuciou. Mas conheço muita gente que se recorda das primeiras palavras que escreveu. Aprendemos a falar "de ouvido": com nossos pais, irmãos, amigos de nossos pais etc. Não importa a língua: pode ser inglês, alemão, árabe, português.
A escrita, porém, entra em nossas vidas de outro jeito. Apesar da intensa relação que mantemos com ela desde pequenos, normalmente é na escola que se dá o contato mais formal, mais metódico. No início tudo é meio divertido e desafiador: pintamos, fazemos cobrinhas, rabiscamos, testamos hipóteses. Aí chega o momento em que começamos a aprender que não escrevemos do mesmo modo que falamos.
Mas esse assunto vai longe. Volto a ele na próxima coluna.
Gazeta do Povo,31/03/2008