Ao contrário do que imaginamos, a linguagem não é apenas um instrumento de comunicação de idéias. Não se reduz a um veículo de informações e menos ainda a uma mera articulação de símbolos ou sinais.
Na verdade, os objetos ganham vida por meio da palavra, que dá nomes e traz à lembrança a existência de algo. A linguagem constitui e permeia tudo o que nos cerca. Ela tem poder.
O ser humano é único. Somente ele é capaz de partilhar experiências por meio da fala e de aplicá-las às suas necessidades, reestruturando-as e transmitindo-as às futuras gerações.
O fato é que a linguagem existe para servir de mediadora das relações do homem com o mundo e com os seus semelhantes. A fala coloca-se como uma espécie de bússola que orienta as relações entre as pessoas e o mundo objetivo.
Assim, a língua organiza o mundo dos significados. Ela não é uma fotografia da realidade, mas uma forma socialmente adquirida de interpretá-la e de torná-la assunto de nossos atos de fala.
Em decorrência, a sociedade é construída por milhares de discursos proferidos diariamente. O homem é um ser falante, um ser discursivo por natureza, mas esse alto atributo do homem muitas vezes lhe custa muito caro.
Nesse processo, o ato de comunicação envolve a linguagem e, por mais simples que seja, dá margem a contínuos desentendimentos ou a equívocos. As retificações e os duplos sentidos veiculados pelos discursos são a prova disso.
É certo, também, que o discurso constrói as identidades. Se alguém fala perto de nós, permite-nos conhecê-lo melhor. Se você não deseja ser desvendado, ser conhecido pelo outro, não fale, pois cada vez que você fala, revela-se por meio de seu discurso.
A palavra mal colocada, o tom demasiadamente alto e o discurso insensato e irrefletido já desfizeram muitos casamentos, namoros e também já congelaram muitas amizades de longos anos. Pior que isso, o discurso pode frustrar expectativas a respeito das pessoas, cujo conceito, depois de determinadas falas, pode se desfazer como névoa.
Com o discurso, podemos semear coisas positivas ou negativas, podemos construir ou destruir. O marido, ao dizer constantemente à esposa que ela não passa de “uma burra”, vai desconstruir a identidade dela que, gradualmente, fará com que a auto-estima da esposa seja diminuída.
Se com o adulto acontece isso, pior ainda será com a criança, que ouve dos pais, o tempo todo, expressões destruidoras da identidade dela. Há pais que, continuamente, dizem aos filhos que “eles não servem para nada”, que “não serão nada quando crescerem”, que “não valem nada”, que “vão acabar na cadeia”. Não se esqueçam de que a identidade dos filhos é primeiramente construída pelos pais e, depois, pelos professores e pela sociedade em geral.
Cuidado: examine o que você está dizendo para o seu marido, para a sua esposa e para os seus filhos, pois você pode estar construindo negativamente essas identidades, e os prejuízos desses discursos podem ser irreversíveis. Não se esqueça: a linguagem tem poder.
Josenia Antunes Vieira – Doutora em Lingüística, professora da Universidade de Brasília, 02 de abril de 2006.