Estudos em Lampyridae

A família Lampyridae Latreille, 1818 (Coleoptera: Elateriformia) contém os besouros comumente chamados de vagalumes. Esses animais freqüentemente aparecem em poemas, músicas e histórias folclóricas em diversas culturas (Harvey, 1957). A família é distribuída pelo mundo inteiro, sendo a maior diversidade na região Neotropical e no Sul da Ásia (Lawrence & Britton, 1994). Nas 8 subfamílias tradicionais, são reconhecidas 2.000 espécies dispostas em 83 gêneros (Branham, 2010). Este número provavelmente está subestimado, devido à carência de estudos na região Neotropical, especialmente na Mata Atlântica. A maior diversidade está nas regiões de umidade (Branham, 2010), sugerindo mais fortemente que existem ainda muitas espécies a serem conhecidas na Mata Atlântica.

Os Lampirídeos têm sido explorados sob quatro principais aspectos: biotecnológico, por possuírem moléculas bioluminescentes (luciferina e luciferase), amplamente empregadas na indústria e na pesquisa biomédica como fonte de reagentes para análises de ATP e biomassa, e como marcadores bioluminescentes de expressão gênica (Viviani, 2007); agrícola, por predarem caracóis considerados pragas agrícolas (Bess, 1956; Peterson, 1957); médico-sanitário, por predarem caracóis hospedeiros intermediários de parasitoses humanas (Viviani, 1989); e como bioindicadores de qualidade ambiental, por sua distribuição refletir o grau de fotopoluição de uma dada localidade (Viviani, 2010).

Lampirídeos apresentam uma incrível diversidade de hábitos enquanto larvas, embora geralmente habitem ambientes mésicos (Branham, 2010). As larvas podem ser prontamente encontradas às margens de rios, lagos e poças temporárias, assim como na serapilheira, em troncos em decomposição e sob pedras (Branham, 2010). Alguns gêneros são subterrâneos enquanto larvas; outros são fossoriais; ou mesmo arborícolas; e podem ser até semi-aquáticos, capazes de apnéia por algum tempo, ou mesmo aquáticos, com adaptações interessantes como traqueobrânquias. Algumas espécies podem inclusive ser simbontes de formigas ou cupins! Larvas, pupas e adultos de ambos os sexos de Pleotomodes nedhami foram coletadas em formigueiros de várias espécies (Branham, 2100). Acredita-se que a espécie não se alimente de formigas, ou sua prole, e as formigas parecem ignorar os vagalumes (Sivinski et al,. 1998).

O Brasil tem 350 espécies de Lampyridae distribuídas em 31 gêneros, alocados em 3 subfamílias: Amydetinae Olivier, 1907, Lampyrinae Latreille, 1817 e Photurinae Lacordaire, 1857 (Costa, 2000). Apesar da grande importância para o homem, os lampirídeos neotropicais carecem de estudos taxonômicos e ecológicos, dificultando estratégias de conservação, extração de moléculas economicamente importantes, dentre outras aplicações das Ciências Biológicas. Nossas linhas de pesquisa no Laboratório de Entomologia - UFRJ visam suprir estas necessidades, com duas principais linhas de pesquisa, das quais se originam várias ramificações:

Lampyridae da Ilha Grande

Apesar da escassez de conhecimento, a América do Sul possui tantas espécies descritas de lampirídeos quanto o resto do mundo (Lloyd, 1978 apud Viviani, 2001). O Brasil, por sua vez, possui 350 espécies descritas, que é 17,5% da diversidade conhecida de Lampyridae. Considerando que não há trabalhos taxonômicos sobre a fauna brasileira desde 1910 (Olivier), este número provavelmente é subestimado. A Mata Atlântica, no leste do Brasil, é um dos hotspots de biodiversidade mundial, merecendo prioridade em estratégias de conservação devido a sua alta riqueza de espécie, e também por só restar 7,5% de sua área original (Myers et al., 2000). Todavia, há poucos trabalhos de inventário de fauna publicados para os lampirídeos nesta região, e estão restritos ao Estado de São Paulo (Viviani, 2001; Viviani et al., 2010).

A Ilha Grande encontra-se na Área de Proteção Ambiental de Tamoios (APA-TAMOIOS - Decreto Estadual 9.452, de 05/12/1986) para preservação da Mata Atlântica, no município de Angra dos Reis, Rio de Janeiro. Nossa equipe vem desenvolvendo atividades de pesquisa na Ilha, sob financiamento da Faperj (Jovem Cientista do Nosso Estado) publicando atlas ilustrados e compilando informações para comparar a fauna da Ilha com outras localidades no Estado do Rio (Rodrigues et al. 2010).

A localidade é de especial interesse no caso dos lampirídeos, pois é um remanescente da Mata Atlântica onde nunca houve coletas de besouros, incluindo vagalumes. Nosso objetivo é descrever e caracterizar a fauna de Lampyridae da Ilha Grande, acumulando espécimes a serem estudados; aumentando o conhecimento sobre a fauna da Mata Atlântica; e gerando dados que permitirão estudar a biogeografia dos vagalumes na região Neotropical.

Sistemática e Análise Cladística de Amydetes Illiger, 1807

Amydetes Illiger, 1807 possui 13 espécies e ocorre do México até o Uruguai, numa distribuição Neotropical típica (McDermott, 1964). O gênero é caracterizado pela presença de mais de vinte antenômeros em uma antena flabelada nos machos, sendo os coleópteros com mais antenômeros (McDermott, 1964). Além disso, seu padrão bioluminescente distingue-se por ser contínuo – diferente do padrão interativo de flashes comum aos outros gêneros (Viviani e Bechara, 1997). A taxonomia do gênero é baseada inteiramente em espécimes machos adultos, pois não se conhece fêmea ou larva. Não há chaves de identificação para as espécies, e o trabalho taxonômico mais recente data do início do século XX (Pic, 1925), dificultando a identificação em nível específico (e.g. Viviani, 2001; Costa Lima, 1953). As fêmeas e as larvas são desconhecidas (McDermott, 1964), como em boa parte de sua subfamília, Amydetinae. O gênero carece de estudos de todas as naturezas: bionomia, comportamento, ecologia, genética, ontogenia, bioquímica, etc. Todas estas áreas são dependentes de uma identificação precisa das espécies.

A fim de conhecer melhor o gênero, nossos objetivos nesta linha de pesquisa são: revisar a literatura existente, organizando o conhecimento publicado sobre Amydetes; comparar a morfologia do exoesqueleto, peças bucais, venação alar, endosternitos e genitália dos machos, descrevendo minuciosamente a morfologia das espécies estudadas; propor uma chave dicotômica para as espécies descritas; testar o monofiletismo de Amydetes e verificar as relações de parentesco entre as espécies. Em paralelo, estamos à procura de fêmeas e larvas que, por sua vez, possibilitarão estudos de outra natureza.

Referências:

  1. Bess, H. A. 1956. Ecological notes on Lamprophorus tenebrosus (Walker) (Coleoptera: Lampyridae), an enemy of the Giant African snail. Proc. Hawaiian Entomol. Soc. 16:24Ð29.
  2. Branham, M.A. 2010. Lampyridae. in R.G. Beutel & R.A.B. Leschen, (eds.) Handbuch der Zoologie, Band IV Arthropoda: Insecta, Teilband 39, Evolution and Systematics. Waltyer de Gruyter, Berlin.
  3. Costa, C. 2000. Estado de conocimiento de los Coleoptera neotropicales. In: F. Martín-Piera ; Morrone, J.J. & Melic, A.. (Org.). Hacia un proyecto CYTED para el inventario y estimación de la diversidad entomológica en iberoamérica: Pribes 2000. 1 ed. v. 1, Sociedad Entomológica Aragonesa, Zaragoza, p. 99-114.
  4. Harvey, E. N. 1957. History of Luminescence. American Philosophical Society, Philadelphia. 692 pp.
  5. Illiger, J. K. W. 1807. Magazin für Insektenkunde. 6: 296-317
  6. Lawrence, J. F. & Newton, A. F. (1995): Families and subfamilies of Coleoptera (with selected genera, notes, references and data on family-group names). Pp. 849–861 in Pakaluk, J. & Slipinski, S. A. (eds.), Biology, Phylogeny, and Classification of Coleoptera: Papers Celebrating the 80th Birthday of Roy A. Crowson. Muzeum I Instytut Zoologii PAN, Warszawa.
  7. Lima, A. C. 1953. Insetos Do Brasil. 8.° Tomo. Coleópteros. 2.ª Parte. Escola Nacional De Agronomia. Série Didática.
  8. McDermott, F. A. 1964. The Taxonomy of Lampyridae (Coleoptera). – Transactions of the American Entomological Society 90:1–72.
  9. McDermott, F. A. 1966. in W.O. Steel (ed.), Coleopterorum Catalogus Supplementa. Pars 9 (editio secunda). Lampyridae. 149 pp. W. Junk, S’Gravenhage.
  10. Myers, N., Mittermeier, R.A., Mittermeier, C.G., Fonseca, G.A.B. & Kent, J. 2000. Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature 403:853-845.
  11. Peterson, G. D. 1957. Lamprophorus tenebrosus introduced into Guam to combat the Giant African snail. J. Econ. Entomol. 50: 114.
  12. Pic, M. 1925. Malacodermes exotiques. Revue Linneanne 41: 05-36.
  13. Rodrigues, J. M., Monné, M. A. e Mermudes, J. R. M. 2010. Inventário das espécies de Cerambycidae (Coleoptera) de Vila Dois Rios (Ilha Grande, Angra dos Reis, Rio de Janeiro, Brasil)
  14. Sivinski, J. 1981. The nature and possible functions of luminescence in Coleoptera larvae. – The Coleopterists Bulletin 35(2):167–179.
  15. Viviani, V. R. 2001. Fireflies (Coleoptera: Lampyridae) from Southeastern Brazil : Habitats, Life History, and bioluminescence. Ann. Entomol. Soc. Am. 94(1): 129-145.
  16. Viviani, V.R. 2007. Luciferases de vagalumes. Biotecnologia e Desenvolvimento 37:8-19
  17. Viviani, V. R., And I. J. H. Bechara.1997. Bioluminescence and biological aspects of Brazilian RailroadWorms (Coleoptera: Phengodidae). Ann. Entomol. Soc. Am. 90(3): 389-398.

Por Luiz Felipe Lima

Apoio:


Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro