Filosofia Espírita e os Problemas Existenciais

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Considerações Iniciais.  4. O Existencialismo: 4.1. O Foco, a Base, a Origem; 4.2. A Árvore Existencialista; 4.3. Jean-Paul Sartre. 5. Questões Existencialistas à Luz do Espiritismo: 5.1. Essência e Existência; 5.2. Liberdade e Escolha; 5.3. Medo e angústia. 6. Outras Problemas Existenciais: 6.1. Niilismo; 6.2. Violência, Depressão e Psicopatia; 6.3. Desespero, Falta de Fé, Dor e Sofrimento. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste estudo é tomar consciência das teses metafísicas dos existencialistas, analisando-as sob o ponto de vista dos princípios codificados por Allan Kardec.

2. CONCEITO

Filosofia. Ciência geral dos princípios e das causas. Podemos determinar o campo da filosofia moderna subtraindo ao domínio do que os gregos chamaram filosofia todas aquelas espécies de conhecimento que foram construindo como ciências positivas, isto é, de caráter experimental e com aplicação da matemática.

Filósofo. Termo cuja paternidade a tradição atribui a Pitágoras, que, por modéstia, teria renunciado a se dizer "sábio" para se contentar em ser "amigo da sabedoria". Foi insistindo no aspecto moral dessa "amizade" que o próprio Sócrates se declarava filósofo.

Filosofia Espírita.  Apresenta-se, para o investigador imparcial, como o delta natural em que desemboca no presente toda a tradição filosófica.

Existencial. Em metafísica é qualificável de existencial tudo o que, por oposição ao essencial ou ao conceitual, concerne à afirmação de uma existência.

Existencialismo. Qualquer doutrina que admite, por oposição aos filósofos do conceito cujo modelo é o sistema hegeliano, a existência como centro de sua reflexão.

3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Potência e ato, essência e existência, transcendentalismo, liberdade e escolha etc. sempre foram motivo de preocupação por parte dos filósofos. Na Grécia antiga, Sócrates, Platão e Aristóteles argumentavam exaustivamente sobre o ser, a existência e os mais diversos problemas da humanidade.

Observe o “conhece-te a ti mesmo”, dístico encontrado no frontispício do templo de Delfos e que Sócrates usou para nos ensinar a filosofar, no sentido de conhecermos a nós mesmos, tomando consciência de nossas fraquezas e de nossas potencialidades. Passados mais de 2.500 anos, ele ainda é atual, como forma de autoconsciência do ser humano.

Os problemas existenciais acompanham o ser humano. A vida e a morte, a dor e o prazer, a saúde e a doença, a felicidade e a infelicidade são de todos os tempos.

Acontece que o significado de muitas palavras se modifica ao longo do tempo. Isso ocorreu com os termos existência e existencialismo, pois na modernidade passou a designar uma corrente de pensamento que se opunha ao conceitual, ao essencial.

O nosso propósito é detectar essa corrente de pensamento, verificar os seus defensores, captar a sua estrutura básica e fazer uma comparação com os pressupostos espíritas.

4. O EXISTENCIALISMO

4.1. O FOCO, A BASE, A ORIGEM

O termo “existencial” surgiu na segunda metade do século XIX; o existencialismo, entre 1930 e 1950. As duas grandes Guerras Mundiais tiveram grande influência na concepção do existencialismo moderno. Na guerra, um ser humano destrói o outro como se estivesse destruindo um brinquedo qualquer. Daí, deduz-se que o ser humano estava sendo usado como um objeto, como um bem de consumo. Dentro dessa perspectiva, os pensadores existencialistas começaram a vislumbrar um mundo pessimista, negativo, incluindo as noções de morte, angústia, náusea. É a percepção do sentido do absurdo juntamente com a do sentimento trágico da vida. O que antes era dito psicológico ou moral, será dito existencial. (Colette, 2009, Introdução)

Segundo Levinas, “O existencialismo é mais do que uma filosofia em moda (...), em sua essência mais geral, ele tem a ver com a estrutura e a angústia do mundo moderno”.

4.2. A ÁRVORE EXISTENCIALISTA

Emmanuel Mounier, em sua Introdução aos Existencialismos (1947), diz: “A história do pensamento é pontuada por uma série de despertares existencialistas”. A sua árvore é assim composta: Sócrates, os estóicos e Santo Agostinho são suas raízes. O tronco reúne Pascal, Maine de Biran, kierkegaard e a fenomenologia de Hegel. O primeiro ramo suporta Nietzsche, Heidegger e Sartre. O segundo, Jaspers, Gabriel Marcel. (Descamps, 1981, p. 201-238)

4.3. JEAN-PAUL SARTRE

Dentre os existencialistas, Sartre se destaca. Sua filosofia é a filosofia da consciência. Procura demonstrar que o Ego não está na consciência mas no exterior, no mundo, onde encontra o seu lugar de existência. No mundo, o ego aparece em “perigo”. Para demonstrar essa periculosidade, começa com o pressuposto de que a existência precede a essência. A consciência, para ele, não é algo interior ao pensamento, mas um ato de exteriorização de si. 

A certeza reflexiva do cogito mantém a consciência. O cogito, porém, surge ofuscado pela inquietude da “facticidade”. Mesmo “estilhaçado”, o cogito se abre à liberdade, pois existir é superar a existência em direção à impossível essência, mas esse movimento é também transcendência. Em sua lucubração filosófica, a náusea é o inverso da liberdade. (Descamps, 1981, p. 201-238)

Questões de liberdade e escolha são de importância vital no existencialismo. Sartre pensa que as escolhas autênticas são indeterminadas. Como ele chega à angústia? Quando nos tornamos conscientes de que a nossa existência não é como a dos objetos físicos, somos deslocados do mundo material e desviados para uma perspectiva autêntica e fluida e ficamos fluidos e livres da angústia.

5. QUESTÕES EXISTENCIALISTAS À LUZ DO ESPIRITISMO

5.1. ESSÊNCIA E EXISTÊNCIA

Na tradição filosófica, a essência precede a existência. Sartre inverte esta noção e afirma que a existência precede a essência. Segundo a sua concepção, entendemos que, à medida que os dias se passam, a essência vai se formando. Assemelha-se à folha de papel em branco, a tabula rasa de Locke. A essência é uma folha em branco, que vai sendo preenchida pelas nossas experiências do cotidiano.

Para o Espiritismo, a essência precede a existência, pois a essência, o Espírito, o princípio inteligente do universo, toma um corpo (existência), mas é anterior ao corpo, porque já teve outras vivências passadas. Lembremo-nos de que mediunidade explica algo que vai além do consciente, do aqui e agora. Nela também podemos observar que uma essência (desencarnada) pode se comunicar com um existente (essência encarnada). (Pires, 1983, cap. VI)

5.2. LIBERDADE E ESCOLHA

Sartre afirma que a escolha é compulsória, ou seja, mesmo não escolhendo, estamos escolhendo. Para os existencialistas, a liberdade tem conexão com a escolha certa, baseada nas atitudes autênticas, o que gera a angústia e o desespero.

Para o Espiritismo, a escolha é baseada no livre-arbítrio, que dá ao Espírito a capacidade de optar entre o bem e o mal e, com isso, as suas respectivas consequências. Optando pelo bem, terá, como consequência, mais liberdade; pelo mal, menos liberdade. A razão é simples: o bem livra o nosso Espírito do remorso, do arrependimento; o mal requer que refaçamos o erro cometido. É da Lei Divina que o ser humano receba, em si mesmo, o que plantou, nesta ou em outras encarnações. A lei de causa e efeito nos mostra que tudo o que fizermos de errado nesta ou em outras vidas deve ser reparado. O primeiro passo é o remorso. O remorso é um estado de alma que nos faz remoer o que fizemos de errado, mostrando as nossas falhas e os nossos deslizes com relação à lei natural. O arrependimento, que vem em seguida, torna-nos mais humildes e mais obedientes a Deus. Depois de remoída e arrependida, a falta deve ser reparada, por isso o resgate. Remorso, arrependimento e resgate fecham o ciclo de uma determinada dor, de um determinado sofrimento. (Kardec, 1995, livro III, cap. X)

A liberdade não implica em angústia, náusea, mas em felicidade, felicidade de encontrar a verdade e rejubilar-se com isso.

5.3. MEDO E ANGÚSTIA

Os filósofos existencialistas cunharam os termos medo e angústia, atribuindo-lhes certa ambiguidade. Se as pessoas agirem de conformidade com as atitudes inautênticas, ou seja, de modo mecânico e superficial, atendendo apenas ao consumismo da tecnocracia, elas não sentirão nem medo e nem angústia. Quando, porém, optam pelo comportamento autêntico, em que a verdade se desvela, sentirão a angústia, que é a impossibilidade do possível.

O Espiritismo não despreza o problema do medo e da angústia, sintomas de nossa ignorância com respeito à lei de Deus. Mas, uma vez compenetrados dos ditames dessas leis, passamos a vê-los como um estado de transição para a perfeição de nosso Espírito imortal. A morte não nos assombra; ao contrário, para os justos é a verdadeira libertação de seu Espírito do corpo físico, que lhe serviu de morada transitória.

Lembremo-nos de que a filosofia nada mais é do que uma preparação para a morte.

6. OUTROS PROBLEMAS EXISTENCIAIS

6.1. NIILISMO

A sociedade individualista e consumista, nos dias presentes, leva o ser humano ao niilismo. A grande mídia passa-nos a ideia de que devemos ter status, ganharmos muito dinheiro, virarmos celebridade. Com isso, todos os nossos recursos pessoais são deslocados para esse fim. A livre busca do saber e os sentimentos profundos da alma são considerados maus e reprimidos.

Para ilustrar esse pensamento, lembremo-nos dos livros de George Orwell (1984), escrito em 1948, e de Aldous Huxley (Volta ao Admirável Mundo Novo), de 1958. Eles vislumbram, em virtude do progresso, um ser humano esvaziado e jogado ao abismo do nada. 

Há necessidade se buscar a filosofia antiga, a filosofia dos clássicos, a filosofia que nunca fica desatualizada. Aliada a essa busca, temos também os princípios da Doutrina Espírita, norteando as nossas ações, para que não nos percamos nos fogos-fátuos das necessidades materiais. (Reale, 1999, Prólogo)

6.2. VIOLÊNCIA, DEPRESSÃO E PSICOPATIA

A busca desenfreada pelo poder, pelo concreto, pelo atendimento das necessidades vitais rouba-nos parte da nossa consciência, principalmente a consciência de nós mesmos, já apregoada por Sócrates, na antiguidade. Com isso, temos a violência, os desvios da personalidade, a depressão, a psicopatia. 

Em se tratando da depressão, há previsão de que, em algum momento, uma em cada cinco pessoas venha a sofrer desse mal. Recentemente, a Organização Mundial da Saúde classificou a depressão como uma das doenças que mais causam incapacidade. É a 4.ª numa lista de 5. Até 2020 terá ocupado o 2.º posto.

Em se tratando da psicopatia, cujo termo técnico é “Transtorno da Personalidade Antissocial”, uma incorrigível deformação do caráter, acredita-se estar em 4% da população mundial.

A grande parte dessas ocorrências, não resta dúvida, é a falta de uma posição mais firme com relação aos valores morais e éticos, que o Espiritismo nos oferece a cada instante. Se não somos honestos, se não cumprimos as nossas promessas, como querer que os outros o façam?

6.3. DESESPERO, FALTA DE FÉ, DOR E SOFRIMENTO

Como estamos vendo, a falta de valores morais sólidos tem medrado em nosso meio, principalmente no âmbito político. Quando relaxamos os valores morais, outros entram em seu lugar.

Poder-se-ia discorrer longamente sobre cada um dos itens mencionados. Preferimos esclarecer que, problema central, está na mudança comportamental do ser humano. Se conseguíssemos atender ao que é importante, em vez de apagar incêndios, com certeza estaríamos habitando uma zona mais confortável do nosso progresso espiritual.  

7. CONCLUSÃO

O Espiritismo é a síntese de todo o processo de conhecimento adquirido. Nesse caso, sempre que pudermos analisar qualquer tema dentro de uma visão científica, filosófica e religiosa, vamos construindo um edifício racional e espiritual, que nos dá a garantia da evolução plena de nosso Espírito imortal.

8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

COLETTE, Jacques. Existencialismo. Tradução de Paulo Neves. Porto Alegre, RS: L&PM, 2009.

DESCAMPS, Christian. Os Existencialismos. In: CHATELET, François. História da Filosofia: A Filosofia do Século XX. Lisboa: Dom Quixote, 1981.

DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 8. ed. São Paulo: Feesp, 1995.

PIRES, J. H. Introdução à Filosofia Espírita. São Paulo: Paidéia, 1983.

REALE, Giovanni. O Saber dos Antigos: Terapia para os Dias Atuais. Tradução de Silvana Cobucci Leite. São Paulo: Loyola, 1999.

São Paulo, outubro de 2010.