1. Evolução da mente humana (cf. Michael Tomasello, Becoming human): pressões seletivas (escassez de alimentos e competição entre grupos) levaram a uma adaptação para a cooperação em duas etapas (intencionalidade conjunta e intencionalidade compartilhada), que levou ao tipo de mente (pensamento, linguagem) e cultura (normas, instituições) que temos:
Intencionalidade individual (primatas não humanos):
Australopitecus africanus (3-2 milhões de anos atrás)
Intencionalidade conjunta: intersubjetividade
Intencionalidade conjunta: mentalidade de grupo
2. Mitos
"A história e a antropologia nos ensinam que a sociedade humana não pode sobreviver por muito tempo, a menos que seus membros estejam psicologicamente contidos num mito central vivo. Esse mito proporciona ao indivíduo uma razão de ser. Às questões últimas acerca da existência humana, ele fornece respostas que satisfazem aos membros mais desenvolvidos e perspicazes da sociedade. E quando a minoria criativa e intelectual está em harmonia com o mito predominante, as outras camadas da sociedade seguem sua liderança, chegando mesmo a poupar-se de um confronto direto com a questão fatídica do sentido da vida.
É evidente para as pessoas reflexivas que a sociedade ocidental já não possui um mito viável, operante. De fato, todas as principais culturas mundiais aproximam-se, em maior ou menor grau, de um estado de carência de mitos. O colapso de um mito central é como o estilhaçamento de um frasco que contém uma essência preciosa: o líquido se derrama e se escoa, sugado pela matéria indiferenciada à sua volta. O sentido se perde. Em seu lugar, reativam-se os conteúdos primitivos e atávicos. Os valores diferenciados desaparecem e são substituídos por motivações elementares de poder e prazer, ou então o indivíduo expõe-se ao vazio e ao desespero. Com a perda da consciência de uma realidade transpessoal (Deus), as anarquias interna e externa dos desejos pessoais rivais assumem o poder." (Edinger, pp. 10-11)
"Todas as pessoas modernas sentem-se solitárias no mundo da psique, pois presumem que ali não existe na da que elas mesmas não tenham arquitetado. Essa é a melhor demonstração de nosso "todo-poderosismo", que provém simplesmente do fato de pensarmos ter inventado tudo o que é psíquico — que nada seria feito se não o fizéssemos, pois essa é nossa ideia básica, e é uma pressuposição extraordinária. ( ...) Assim, fica-se inteiramente só na própria psique, exatamente como o Criador antes da criação. Mas, através de um certo treinamento, (...) subitamente ocorre algo que não se criou, algo objetivo, e então não mais se fica só. É esse o objetivo de [certas] iniciações : treinar as pessoas para que vivenciem algo que não é intenção delas, algo estranho, algo objetivo com que não se podem identificar." (Jung, Letters, vol. 2, apud Edinger p. 77)
3. Forças da natureza, super-homens, luta entre os deuses, monoteísmo (cf. Mircea Eliade)
4. Sobre Deus no Antigo Testamento:
"A ausência de moralidade humana em Jeová é um obstáculo que não se pode deixar passar despercebi do, o mesmo ocorrendo com o fato de que a Natureza, isto é, a criação de Deus, não nos dá razão suficiente para acreditarmos que ela seja intencional ou razoável no sentido humano. Sentimos falta da razão e dos valores mor ais, ou seja, duas características predominantes da mente humana madura. Por conseguinte, é óbvio que a imagem ou concepção jeovaísta da divindade é inferior [à de] certos espécimens humanos: a imagem de uma força brutal personificada e de uma mente aética e não-espiritual , mas suficientemente incoerente para exibir traços de bondade e generosidade, além de uma violenta ambição de poder. é o retrato de uma espécie de demônio da natureza e, ao mesmo tempo, de um líder tribal agigantado a dimensões colossais: exatamente o tipo de concepção que se poderia esperar de uma sociedade mais ou menos bárbara — cum grano salis.
Essa imagem decerto não deve sua existência a uma invenção ou a uma formulação intelectual , mas sim a uma manifestação espontânea, isto é, a experiência religiosa de homens como Samuel e Jó, e por isso preserva sua validade até nossos dias. As pessoas ainda perguntam : Será possível que Deus permita essas coisas? Até mesmo ao Deus cristão pode-se perguntar : Por que o Senhor permite que seu único filho sofra pela imperfeição de Sua criação? Essa falha extremamente chocante na imagem de Deus deve ser explicada ou compreendida. A analogia mais próxima a ela é nossa experiência do inconsciente: ele é uma psique cuja natureza só pode ser descrita por paradoxos — é pessoal e impessoal, moral e amoral, justo e injusto, ético e aético, de inteligência arguta e, ao mesmo tempo, cego, imensamente forte e extremamente fraco etc. Essa é a base psíquica que produz a matéria-prima de nossas estruturas conceituais. O inconsciente é um pedaço da Natureza que nossa mente não consegue compreender. Ela consegue apenas esboçar modelos de compreensível e parcial."
5. Encontro de Jeová com Jó:
"Jeová sofreu uma derrota moral em Seu encontro com Jó, e o resultado, que passou despercebido, foi que o homem se elevou acima de Jeová. Isso exigiu que Jeová "se equiparasse" ao homem. Deus, a partir de então, precisava tornar-se humano. Precisava encarnar-se." (Edinger, p. 71)
6. Encarnação de Jeová em Cristo
"Uma vez que Jeová foi moralmente derrotado por Jó, o homem se elevou acima de Deus e, por conseguinte, Deus teve que Se transformar nessa criatura superior — o homem. Nas palavras de Jung, "a causa imediata da encarnação reside na elevação de Jó e sua finalidade é a diferenciação da consciência de Jeová". Essa diferenciação se evidencia na completa separatio por que passa Jeová com o advento de Cristo. Seus dois lados, representados pelo filho bom, Cristo, e pelo filho mau, Satanás, são totalmente separados — a rigor, dissociados — um do outro. Cristo se torna idêntico a Jeová através da doutrina da homoousia, enquanto Satanás é expulso do paraíso e, desse modo, condenado a viver a vida de um complexo autônomo e dissociado." (Edinger, p. 79)
7. Encarnação incompleta de Jeová em Cristo
"A encarnação de Jeová em Cristo é incompleta. Ela deixou de fora o lado obscuro de Jeová. Isso se reflete no mito da imaculada concepção e na perene virgindade de Maria. Escreve Jung: "Sua isenção do pecado original isola Maria da humanidade em geral, cuja característica comum é o pecado original e, por conseguinte, a necessidade de redenção. O stauts ante lapsum é essencial para a existência paradisíaca, isto é, pleromática e divina. Por ser em essas medidas especiais aplicadas a ela, Maria se eleva à condição de deusa e, consequentemente, perde algo de sua humanidade: não conceberá seu filho no pecado, como todas as outras mães, e, portanto, também ele nunca será um ser humano, e sim um deus. Ao que eu saiba, pelo menos, ninguém jamais percebeu que isso deixa em posição embaraçosa a tese da uma genuína Encarnação de Deus , ou melhor, que a Encarnação só se consumou parcial mente. Tanto a mãe quanto o filho não são seres humanos reais, mas sim deuses.
[A encarn ação foi incompleta]. Se tivesse sido completa, teria ocorrido sua consequência lógica, a parousia.
8. Segunda vinda de Cristo (parousia): experiência interior de Cristo
"0 Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos relembrará de tudo o que vos tenho dito." (João 14:26.)