Bíblia

BÍBLIA

John Riches

 

Capítulo 1: A Bíblia no Mundo Moderno: Texto Clássico ou Texto Sagrado?

Diz-se que a Bíblia é o livro com a maior quantidade de exemplares não lidos no mundo. Isso oculta um fato mais significativo: a Bíblia ainda é um dos livros mais importantes e mais lidos do mundo.

Questão: Por que essa antiga coletânea de textos continua a exercer tanto poder na vida das pessoas em nosso mundo moderno, pós-colonial e pós-industrial?

 

 


 

Capítulo 2: Como a Bíblia foi Escrita

O período da redação do Antigo Testamento vai do século X ou XI a.C. ao século II a.C. O período da redação do Novo Testamento é bem menor: 50 d.C aos meados do século II. Foram escritos em períodos com enormes variações nas condições de vida — políticas, culturais, econômicas e ecológicas — de seus autores.

O período da composição dos primeiros textos bíblicos corresponde à passagem da escrita cuneiforme (Ver tabela) para o uso de um alfabeto.

A cultura no período bíblico, embora tivesse registros escritos, continuou a ser basicamente oral. Ou seja, os textos escritos eram transmitidos sobretudo pela leitura em voz alta: a maioria das pessoas recebia os textos ouvindo, não lendo. Começou de forma oral; depois que se tornou escrita.

Em se tratando do Novo Testamento, o Evangelho de Marcos é, de modo geral, tido como o primeiro deles e também o menos letrado. Lucas, em contrapartida, diz explicitamente que está escrevendo como historiador grego que examinou cuidadosamente as fontes e está redigindo uma narrativa fidedigna (Lucas 1:1-4).

No Gênesis, Deus faz surgir um vapor que umedece a terra, e então a sua primeira ação é criar o homem/Adão ("Adão" em hebraico, além de nome próprio, significa também "ser humano").

Como um escultor, Deus modela o homem a partir do barro; como uma espécie de Frankenstein, adormece Adão, tira-lhe uma costela e a transforma em mulher.

Os especialistas concordam que as histórias derivam de quatro diferentes fontes escritas e que elas foram reunidas ao longo do tempo, formando os primeiros cinco livros da Bíblia como uma obra compósita.

A posição usual, embora não incontroversa, é que Marcos escreveu o primeiro Evangelho, e depois Mateus e Lucas utilizaram Marcos e outra fonte que consistia basicamente em frases atribuídas a Jesus, conhecida como Q.

 

 


 

Capítulo 3: A Formação da Bíblia

Bíblia deriva do grego biblia, que é o plural de biblion, livro. A Bíblia, no singular, oculta a pluralidade dos livros. Um dicionário define a Bíblia como "Escrituras cristãs do Antigo e do Novo Testamento", enfatizando a influência cristã. A Bíblia aparece também em expressões como "a Bíblia hebraica", "a Bíblia judaica", "a Bíblia cristã".

A Bíblia, no uso mais recente, é ambíguo: pode referir-se à Bíblia judaica ou à Bíblia cristã, em suas várias formas.

A palavra grega kanon significa vara ou caniço e, por extensão, régua ou medida. Criar um cânone de escritos sagrados é criar uma coleção que, em algum sentido, será normativo para a comunidade a que se destina.

Os termos "antigo testamento" e "novo testamento" entraram em circulação no final do século II. Na origem, eles se referem respectivamente às alianças que Deus havia feito com o povo de Israel por intermédio de Moisés e com a igreja por intermédio de Jesus.

A utilidade de um cânone é conferir autoridade a alguns livros e de negar autoridade a outros.

 

 


 

Capítulo 4: A Bíblia no Mundo dos Fiéis

Os textos, depois de canonizados, mudam. Tornam-se sagrados. Nas comunidades que reconhecem seu novo estatuto, os fiéis o tomam como textos especiais, à parte, que não podem ser tratados como os demais. Qualquer dissonância seria entre a experiência da comunidade e o mundo do texto sagrado, o que reclama uma solução. Ou o mundo do texto sagrado tem que se conformar à experiência da comunidade, ou a comunidade tem de mudar para se conformar ao texto.

O estatuto canônico dos textos deve explicar não só a riqueza e a diversidade das interpretações, mas também a própria remodelação das narrativas e dos discursos. O mais frequente é uma questão de ênfase, de leitura seletiva: alguns elementos são ressaltados em detrimento de outros.

 

 


 

Capítulo 5: A Bíblia e seus Críticos

A crítica, em sua raiz, refere-se ao exercício da faculdade de julgamento do indivíduo. Todavia, a expressão "crítica bíblica" pode ter um sentido muito mais adversativo, quando investe contra as interpretações eclesiásticas dominantes da Bíblia.

A Bíblia, conforme ensinava a igreja, contava a história da reação de Deus ao pecado de Adão: com a escolha de Israel e a entrega da Lei, culminando no envio de seu filho, Jesus, para a redenção da humanidade. Havia uma notável adequação entre a Bíblia e o mundo dos cristãos medievais.

Lutero, professor de estudos bíblicos, põe em dúvida a autoridade da igreja. Baseando-se no texto paulino que ressalta a fé pela fé: "Quem pela fé é justo e viverá".

Pesquisas históricas minaram as bases da cronologia bíblica: descobriram provas da existência de civilizações anteriores desconhecidas dos escritores da Bíblia.

Em se tratando da cosmologia, Copérnico mostrou que os planetas, inclusive a Terra, giravam ao redor do Sol.

No século XIX, há os intensos debates entre os darwinistas e os criacionistas.

O Iluminismo, com as luzes da razão, tenta libertar o ser humano da autoridade da igreja.

Embora as críticas sejam duras, há que se ver o lado positivo, ou seja, o estímulo para outras tentativas de ler a Bíblia de forma criativa e imaginativa em contextos contemporâneos.

 

 


 

Capítulo 6: A Bíblia no Mundo Pós-Colonial

A história das leituras coloniais e pós-coloniais da Bíblia oferece uma ilustração instrutiva de seus usos e abusos. Os mesmos textos, dependendo da maneira como são lidos, podem trazer a vida ou a morte às mesmas pessoas.

Há indicações contemporâneas de que a Bíblia pode ser usada para levar consolo, força e libertação a povos que vivem sob pressão.

Não nos deixemos dominar pelo lado mais sombrio da Bíblia. Uma leitura crítica e atenta pode aguçar o nosso senso moral.

 

 


 

Capítulo 7: A Bíblia na Alta Cultura e na Cultura Popular

A Bíblia é a grande fonte primária da cultura europeia. A linguagem, as narrativas, as metáforas, os personagens e as figuras oferecem um imenso repositório cultural, ao qual se recorre de maneiras variadas, conscientes e inconscientes.

Uma parte do problema para a nossa sociedade consiste em sua ignorância generalizada da Bíblia. Se não sabemos o que nos condiciona, como podemos criticar e, menos ainda, recuperar os elementos bíblicos em nossa cultura? Fica vedado o caminho para uma avaliação e crítica mais profundas de nossa herança cultural. Igualmente vedado fica o caminho para um uso mais libertador e redentor da Bíblia.

 

 


 

Capítulo 8: A Bíblia na Política

No Antigo Testamento, a vontade de Deus e suas instruções ao seu povo abrangiam a totalidade da vida. A mensagem de Jesus, no Novo Testamento, não é tão clara: defende uma ética que, para muitos, parece irreal ou utópica: não resistir ao mal, amar os inimigos, não prestar juramento.

Lutero não tem qualquer dúvida de que os príncipes realmente são autorizados por Deus a ocupar tal cargo e de que esse cargo inclui a perseguição e a punição capital dos transgressores.

Há muitas coisas na Bíblia que são patriarcais, que exigem a submissão das mulheres aos homens e exaltam a masculinidade em detrimento da feminilidade.

Há usos conflitantes dados à Bíblia. Lutero e os principais reformadores a utilizaram para justificar o poder da espada e para traçar uma divisão clara entre as leis que governam a sociedade secular e os ensinamentos do Sermão da Montanha, destinado apenas aos cristãos.

 

 


 

Capítulo 9: Conclusão

A Bíblia tem sido fonte de verdade, bondade e beleza e, ao mesmo tempo, tem inspirado a mentira, a maldade e a fealdade. Não gerou uma maneira homogênea de leitura e interpretação. E a explicação disso é simples: os textos não têm controle sobre a forma como são lidos. Escreve Robert Morgan: "Textos são como pessoas mortas, não têm direitos".

Uma das características notáveis da Bíblia é a sua idade. Os primeiros materiais têm cerca de três mil anos de existência; a maioria deles tem dois mil anos e o Novo Testamento tem só alguns anos a menos. O que é preciso são leitores com capacidade de discernimento, atentos a seu potencial vivificador, em guarda contra seus tons mais sombrios.


 

Autor

RICHES, John. Bíblia: Uma Breve Introdução. Tradução de Denise Bottmann. Porto Alegre, RS: L&PM, 2016. (Coleção L&PM POCKET; v. 1203)

São Paulo, dezembro de 2016.