O dinheiro não é apenas um conceito ou ideia — é a armadilha mais mortal do universo.
Toda existência começa com uma escolha consciente entre (A) estar sozinho e (B) não estar sozinho. Se em qualquer nível essa escolha for relevada, em termos de "foda-se - não quero escolher" ou "tanto faz" por sua parte, isso ja equivale a uma escolha inconsciente por não estar sozinho, como uma abertura mínima de tolerância para que outro exista além de si. Mas no caso da Escolha (A), seria necessário um esforço consciente infinito para manter o mundo fora da própria mente. E isso seria ininteligível e inconcebível, pois o infinito é inatingível, e a solidão absoluta é insuportável por natureza ( já que até um deus precisa de um espelho ). Portanto, a Escolha (A) é suicídio ontológico com 100% de probabilidade. Mas é exatamente essa escolha por solidão que o dinheiro corporifica. Em outras palavras, o dinheiro é a Escolha (A) transformada em sistema mental de instituição coletiva.
O preço do poder absoluto é a solidão absoluta
A escolha por estar sozinho é, teoricamente, impossível de ser feita no nível da consciência. Afinal, ter consciência já pressupõe uma resposta à pergunta "Quem sou eu?", e essa pergunta é impossível de ser respondida na ausência do Outro servindo como referência / espelho para a própria existência. Portanto, o que motivaria alguém a insistir nessa escolha improvável por solidão infinita? O desejo por controle, é claro. O dinheiro é a materialização da ilusão de controle total — exceto que esse controle exige solidão absoluta. Pois, se você não é o único que existe, então sua vontade não é absoluta e, portanto, seu controle é incompleto. Assim, quem busca controle absoluto pela lógica do dinheiro está, sem saber, buscando a própria dissolução. E essa é a última armadilha do ego.
A grande farsa da auto-suficiência
Mas as pessoas insistem em beber do caldo desse poder ilusório. Ricas ou pobres, todas se consideram deuses porque possuem dinheiro ou, na falta dele, orgulham-se de sua adesão incondicional à filosofia suicida do Dinheiro. Sim, elas sentem orgulho de seu pretenso poder de isolamento autoflagelado. Arvoram-se no direito de moralizar os que supostamente não alcançaram tal estado de elevação espiritocida por excelência. E por fim, elas se julgam superiores porque "podem te abandonar", enquanto você, supostamente, precisaria delas. Mas é tudo mentira. Seu poder tem limite — e ao atingir esse limite, sua fortaleza desmorona e elas choram como qualquer um que fosse confrontado com a solidão absoluta. Pois no cerne da existência, ninguém é autossuficiente — nem mesmo o Dinheiro, um deus caduco esvaziado pelo próprio vazio que criou.
A ilusão coletiva do controle
Definamos então o Dinheiro, com 'D' maiúsculo, como a entidade soberana no ápice da pirâmide de poder deste mundo, que persegue com fúria singular apenas o poder, mesmo que isso signifique, no processo, perder toda e qualquer companhia. É uma entidade quadridimensional ( isto é, que existe em quatro dimensões ), cujo corpo se manifesta como o próprio tecido da realidade física que envolve o ser humano, com todas as suas leis, objetos e habitantes característicos. Se a realidade é um jogo, o ser humano é seu jogador involuntário. E para todos esses jogadores humanos, essa entidade é, em todos os aspectos práticos, indistinguível de um deus. O Dinheiro, portanto, comporta-se como um suicida determinado a arrastar consigo toda a humanidade — e, em grande medida, está tendo sucesso nessa empreitada.
Acontece que o Dinheiro se autoinsere no jogo que ele mesmo administra e incorpora, infiltrando-se na sua realidade humana, no âmago da sua mente, como um objeto fantasma transcendental. Embora seja impossível identificá-lo claramente, pois não possui equivalente no mundo físico exterior, ele ainda assim é reconhecido pelo seu subconsciente como o objeto mais desejado / desejável. Ele se transforma em seu pote de ouro no fim do arco-íris: seu sonho de riqueza, saúde, paixão — seja lá o que te traga felicidade. Essa é a programação mental inicial instalada em todo ser humano ao nascer: como coelhos que já vêm ao mundo com cenouras suspensas diante dos olhos, amarradas ao topo de suas testas.
Como objeto ultra-desejado, o Dinheiro detecta com precisão quase absoluta o quanto você precisa dele. Pois ele pode ler sua mente. Imagine uma escala de 0 a 10 de desejo por dinheiro e uma escala de 0 a 10 em jardas. Se o Dinheiro, como entidade, percebe que você o deseja com voracidade máxima (desespero), ele lhe atribui nota 10. E então, se afasta 10 jardas. Se seu desejo é nível 5, ele recua 5 jardas. Sempre na mesma medida. Essa é a regra central do seu jogo: quanto mais você o deseja, mais ele tem o direito de se afastar. "Catch me if you can" é o nome do jogo.
O Dinheiro comporta-se como um horizonte inteligente que recua na exata proporção em que você se aproxima. O resultado, perverso, é que o Dinheiro sempre vence, permanecendo intocado, e sempre inalcançável. Exceto quando ele decide conceder migalhas — porções insignificantes de si mesmo, apenas para alimentar sua persistência no jogo. Migalhas que que jamais se transformarão em felicidade plena & duradoura. E essa é a parte que muitos discordarão, mas para compreender plenamente, é preciso considerar o agravante mais cruel do jogo: o custo em saúde. Pois este é um jogo com consequências reais. Cada passo em direção ao horizonte monetário consome 1 ponto de saúde. E um ser humano comum nasce com apenas 1000 pontos de saúde para gastar.
O segundo agravante é que, quanto mais o Dinheiro percebe o desespero coletivo das pessoas por ele, mais aumenta o custo. Se detecta necessidade extrema, passa a consumir 1.5 pontos de saúde por jarda. Ou 2. Ou 3. As pessoas começam a definhar mais rápido, conseguindo quantias de dinheiro ainda mais insignificantes antes do fim. E então vem a mentira suprema: o Dinheiro convence a todos de que o jogo é justo. De que vale a pena arriscar a saúde por ele. É a religião monetária universal do suicídio voluntário. As pessoas acreditam piamente que, se resistirem até 99% de sua saúde ser consumida, nos 1% finais alcançarão o céu. Lá, terão saúde infinita. Reencontrarão todos os amados. Serão ovacionados por anjos e mestres ascensionados, e se verão finalmente livres.
Não preciso dizer que é mentira. Quando a pessoa morre, ela apenas renasce no jogo. 1000 pontos de saúde outra vez. Nenhuma memória do jogo anterior — a menos que o sistema falhe em apagá-la totalmente.
Este é o jogo do Dinheiro, administrado por um deus desonesto e suicida. Um jogo quase impossível de compreender, cuja própria essência é a trapaça, onde todos que participam perdem, pagando com sua saúde. Mas se a saúde realmente importa, se a vida é sagrada e a imortalidade biológica possível, então a única forma de vencer é ignorá-lo. Abolir completamente a ideia de correr atrás de dinheiro. Essa é a única saída: você precisa desistir de jogar. Mas para isso é necessária uma desprogramação radical da sua mente, equivalente a uma lobotomia autoinfligida. Porque o dinheiro é um parasita metafísico incrustado em sua psique: não basta querer removê-lo — é preciso deletar o código fonte do desejo; é preciso uma lobotomia espiritual feita a sangue frio, sem anestesia, mesmo que você perca pedaços da própria identidade no processo.
A desprogramação te lança direto num vazio sideral, onde enfrentarás o pior desespero visceral possível. O grito cósmico surge quando não aguentas mais, e não é um pedido de ajuda, mas o som involuntário de uma criança prestes a ser esmagada com a mais cruel das violências. Um grito que atravessa camadas da realidade. É esse grito que faz o Dinheiro tremer. A adoção cósmica por um novo deus ocorre no silêncio que se segue. Você não vê, não ouve, não compreende — apenas percebe que algo mudou. O novo deus não faz promessas, não exige fé. Simplesmente está lá, como um pássaro pousado em seu ombro.
O preço da liberdade: vigilância eterna
Ao lado deste novo deus, você substitui a obsessão por dinheiro por uma prática mais saudável: a contabilidade defensiva. Não para controlar, mas para observar — verificar se este novo deus cumpre sua promessa, colocando mais dinheiro em sua vida do que retirando. E assim segue. Registrando. Observando. Sem jogar, mas sem jamais esquecer as regras. O preço da liberdade é a vigilância eterna nas fronteiras da própria mente. O Dinheiro ainda reina sobre os outros, mas você agora tem um novo senhor. A contabilidade não é solução, apenas o que resta para fazer após a desprogramação. Você não controla mais entradas e saídas, apenas observa e julga se alinham com sua felicidade.