Salinidade e Desequilíbrio Iônico

O que é Salinidade?

A água do mar tem composição química complexa1. A principal fração é a inorgânica, formada por íons, que são originados na dissolução de minerais do solo pela ação da água da chuva e de rios e que os carregam até seu destino final no mar. Os íons são espécies químicas que apresentam cargas elétrica: os cátions são os íons com cargas positivas e os ânions, os com cargas negativas. Se toda a água for evaporada, os íons de cargas opostas se combinam formando os compostos químicos chamamos de sais.

A salinidade é, então, um parâmetro químico que está relacionado com a massa total de sais dissolvidos em uma dada massa de água. Essa é a definição original do conceito de salinidade. Assim, a salinidade verdadeira (ou absoluta) é determinada pela análise da composição química completa da água do mar, mas considerando sua complexidade composicional, esse método é inviável para medidas de rotina, pois consome muito tempo para sua realização e é bastante caro.

Entretanto, a água do mar possui uma característica que permite que a determinação da salinidade seja feita de maneiras mais simples. Na composição química da água do mar de qualquer região do planeta, 6 íons (Na+, Cl, Mg2+, SO42, Ca2+ e K+ ), que juntos representam mais de 99% da composição total dos íons (veja a composição química completa da água do mar na tabela 1), apresentam um perfil conservativo e suas concentrações relativas são, praticamente, constantes. Isso quer dizer, por exemplo, que a quantidade de cloreto será sempre 55,0% da massa total dos íons principais da água do mar; a de sódio será sempre de 30,6% e assim por diante.

Na oceanografia química essa característica da água do mar é conhecida como a Lei das Proporções Constantes e essa proporção é o que define o equilíbrio iônico principal da água do mar, o qual comentaremos mais adiante.

Tabela1: Composição química de referência para a água salgada padrão 35 (g/kg).

Como medir a salinidade da água do mar?

Considerando a Lei da Proporção Constante entre os 6 íons principais da água do mar, comentada anteriormente, o primeiro método utilizado para determinação da salinidade definiu o ânion cloreto como referência para a determinação da composição relativa dos outros íons principais. Isso porque a concentração de íons cloreto é facilmente determinada em laboratório por métodos simples e padronizados. O parâmetro medido por esse método é conhecido como clorinidade e está relacionado com a salinidade da água do mar pela fórmula:

S(‰) = 1,80655 Cl(‰)

onde S corresponde à salinidade (em gramas por quilograma = ‰) 

e Cl(‰) é a clorinidade determinada pela titulação do ânion cloreto presente na água do mar com nitrato de prata. 


Em 1975, um comitê internacional definiu que a medida da salinidade não deveria mais ser baseada na clorinidade, mas na condutividade elétrica da água. Essa salinidade foi chamada de salinidade prática e é expressa pela unidade PSU (sigla de practical salinity units). Foi, então, criada uma escala de condutividade prática (PSU) baseada na condutividade da água do mar dividida pela condutividade de uma solução 32,4356 g/kg de KCl (cloreto de potássio) a 15oC (R15).

S(‰) = –0.08996 + 28.2970R15 + 12.80832R215 – 10.67869R315 + 5.98624R415 – 1.32311R515  

Embora a medida da salinidade pela condutividade elétrica da água proporcione resultados precisos, ela, também, não é prática de ser realizada. Com o avanço dos recursos computacionais e das análises químicas, em 2010 o conceito de salinidade absoluta foi reexaminado e correlacionado com a densidade da água do mar, a pressão e a temperatura por uma equação termodinâmica (Thermodynamic Equation of Seawater, TEOS-10), usada por oceanógrafos e cientistas do clima para calcular e modelar as propriedades dos oceanos de maneira comparável internacionalmente. Para definir os parâmetros de tal equação foi necessária a definição de uma composição de referência para a água do mar, que foi a indicada na Tabela 1 anterior.

Assim, o uso dessa equação permite que a salinidade absoluta (em g/kg) seja calculada a partir de propriedades físicas da água do mar, muito mais fáceis de medir, como densidade, velocidade de propagação do som ou índice de refração. Segundo Millero,1 a precisão na medida da salinidade obtida a partir do índice de refração é de ±0,05, pela medida da densidade é de ±0,004 e pela condutividade é de ±0,001.

Atualmente, utilizamos diferentes tipos de equipamentos para determinar a salinidade da água do aquário, como os refratômetros que medem o índice de refração, os densímetros flutuantes que medem a densidade e os de braço móvel que medem a gravidade específica (SG). Para saber como eles funcionam e como calibrá-los clique nos links a seguir: calibrando o refratômetro | calibrando o densímetro de braço móvel.


A 25 ºC a água do mar padrão de referência com salinidade de 35 ‰ tem condutividade elétrica de 53 mS/cm, densidade de 1024 g/L, gravidade específica de 1,0264 e índice de refração de 1,3394.

Qual é a salinidade dos recifes de corais do planeta?

Os oceanos do planeta apresentam salinidade variando conforme mostrado na figura 1 e os recifes de corais estão distribuídos como indicado na figura 2. É possível verificar nesses mapas, que com exceção dos corais oriundos do mar vermelho e do golfo pérsico, onde a salinidade é de aproximadamente 38 ‰, todos os outros recifes de corais do mundo estão em regiões de salinidade ao redor de 35 ‰ (valor equivalente a 35 g de sal por kg de solução). Isto significa que em cada quilograma de água do mar existe 35 g de sais dissolvidos em 965 g de água. Trata-se de uma medida global que não discrimina quais são os íons presentes, nem suas proporções. Por essa razão, a salinidade é pouco indicativa da composição química da água.

Figura 1 - Salinidade dos oceanos registrada pela sonda espacial Aquarius – dezembro de 2017

https://aquarius.oceansciences.org/cgi/gal_smap.htm

Figura 2 - Distribuição dos recifes de corais no planeta. National Ocean Service - NOAA

Fonte: National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) 

Como Ajustar a Salinidade da Água do Aquário?

Uma vez realizada a medida da salinidade da água do aquário, caso ela não esteja dentro dos parâmetros recomendados é necessário ajustá-la para os valores recomendados (35 PSU | 1024 g/L | 1,026 SG). Caso esteja acima do recomendado é necessário fazer uma troca parcial com água deionizada, ou adicionar sal caso ela esteja abaixo do recomendado. Para determinar a quantidade de água a ser trocada por água doce, ou a quantidade de sal a adicionar, você pode usar o procedimento abaixo descrito e a tabela de conversão entre unidades, caso seja necessária.

Faça o download para seu computador da planilha de cálculo clicando aqui e a utilize para: calcular a quantidade de sal a ser adicionada para aumentar a salinidade; ou o volume de troca parcial com água doce para atingir o nível ideal de salinidade. 

Na planilha o valor da salinidade a ser informado deve estar como gravidade específica (SG). Caso necessite converter o valor de densidade ou PSU para SG, utilize a tabela ao lado.

O Desequilíbrio Iônico

É importante ficar claro que ter uma medida de salinidade no níveis ideais (salinidade de 35) não garante que a água do aquário esteja em equilíbrio iônico, como o esperado para a água do mar natural, já que esta medida não nos permite discriminar a composição química da água. 

O desequilíbrio iônico ocorre quando a proporção entre os elementos principais da água do mar começa a variar em relação ao previsto pela Lei das Proporções Constantes, descrita anteriormente.

O desequilíbrio iônico entre os íons principais ocorre, normalmente, pelo desbalanceamento da concentração dos íons sódio, cloreto e sulfato em relação aos outros íons principais devido ao uso de suplementos não conjugados, que são aqueles em que os cátions e ânions não são completamente consumidos, se acumulando na água do aquário

Existe uma confusão que as pessoas fazem entre o desequilíbrio iônico entre os íons principais e o equilíbrio entre os níveis de cálcio e reserva alcalina. O primeiro caso é o que vou explicar aqui. O segundo tem a ver com a relação entre a concentração de cálcio e reserva alcalina que foi discutida nesse artigo, e este desequilíbrio tem uma influência desprezível na salinidade da água do aquário, já que afetaria apenas 0,15% da composição iônica total da água do mar (vide tabela acima), caso toda a RA fosse utilizada na formação de CaCO3

Assim, o desequilíbrio iônico se refere, essencialmente, à mudança na proporção entre a concentração dos íons principais da água do mar, como será discutido a seguir.

O sal sintético utilizado na preparação da água do mar, por melhor que seja a sua formulação, sempre apresentará pequenos desvios na proporção dos íons principais em relação a da água do mar natural. Esses desvios podem aumentar ao longo do tempo com o uso contínuo e prolongado de suplementos não conjugados, que, geralmente possuem em sua composição, sais à base de sódio e cloreto. Esse efeito será avaliado adiante.

Como identificar o desequilíbrio iônico?

A existência do desequilíbrio iônico, e sua extensão, não são fáceis de serem determinados. Para ter uma confirmação efetiva seria necessário determinar a composição de todos os elementos principais presentes na água, o que requer a realização de análises laboratoriais mais sofisticadas do que os testes disponíveis em lojas de produtos para aquário. 

Entretanto, a dificuldade em atingir os valores recomendados para a concentração de cálcio, magnésio e reserva alcalina em um aquário com água com a salinidade em nível ideal pode ser uma indicação de desequilíbrio iônico. Nesse caso, mantendo a salinidade em nível adequado o cálcio, magnésio e reserva alcalina permanecem sempre em níveis abaixo dos indicado, e não há como fazer esse ajuste sem que a salinidade aumente.

Problemas causados pelo desequilíbrio iônico

Os possíveis efeitos do desequilíbrio iônico na saúde dos peixes, corais e invertebrados ainda são desconhecidos. Pequenas variações na concentração desses íons principais não devem trazer nenhum prejuízo. Já em um eventual desequilíbrio de maiores proporções é possível que os animais e invertebrados apresentem desequilíbrios eletrolíticos que podem afetar a fisiologia natural, como no processo de calcificação dos esqueletos dos corais duros, entre outras possibilidades

Do ponto de vista químico, o desequilíbrio iônico além de impedir a manutenção do cálcio, magnésio e reserva alcalina nos níveis ideais, afeta a solubilidade de sais e gases na água, altera o índice de refração da água e, consequentemente a propagação da luz, entre outras possibilidades. 

Como evitar e resolver o desequilíbrio iônico.

Os sais sintéticos, por questões técnicas envolvidas na sua produção, não são capazes de garantir um equilíbrio iônico perfeito, como o da água do mar natural. Alguns fabricantes oferecem em seus sites da internet tabelas com a composição iônica resultante da água preparada. Consulte-as e compare-as com a composição padrão da água do mar natural como a mostrada na tabela acima para lhe ajudar na escolher a marca de sal a ser utilizada.

Entretanto, o maior causador de desequilíbrio iônico são os sais a base de cloretos, sulfatos e de sódio encontrados nas receitas de Balling convencionais e nos corretores. O uso prolongado desses suplementos aumenta a concentração de sódio e cloreto na água em relação aos outros íons principais. Como esses íons não são consumidos da água, acabam se acumulando indefinidamente. Na receita de Bailing descrita nesse site, a solução 3 usada na reposição de reserva alcalina é preparada com sais adicionais à base de de sulfato e potássio justamente para corrigir um pouco do acúmulo do sódio e do cloreto provocada pela adição das outras soluções. Esses outros íons são adicionados em quantidades equivalentes para manter a proporção encontrada na água natural, diminuindo assim os efeitos do desequilíbrio iônico.


Sempre que possível, escolha suplementos conjugados, como o hidróxido de cálcio ou o reator de cálcio, os quais não geram esses subprodutos iônicos que se acumulam na água ao longo do tempo.


Trocas parciais não são eficazes para corrigir desequilíbrio iônico, essas são capazes apenas de corrigir problemas de salinidade. Numa eventual condição de desequilíbrio iônico mais crítica, a solução mais simples e eficaz é a troca total da água do aquário. Outra possibilidade viável apenas quando a troca total é impossível ou muito cara é adicionar quantidades específicas dos outros íons principais de forma a recompor o equilíbrio entre as proporções dos íons e depois corrigir o aumento da salinidade com troca parcial com água doce. Entretanto, este método demanda conhecimento técnico para calcular as proporções necessárias para a correção e a disponibilidade de uma análise química mais sofisticada para acompanhamento do processo de ajuste.


Avaliando o efeito do acúmulo de sódio e de cloreto ao longo do tempo:


Vamos supor um aquário de 100 L de água natural com salinidade 35 ‰. A massa total desse volume de água natural é calculada multiplicando-se o volume (100 L) pela densidade (1023 g/L), o que resulta em 102,3 kg. Sabendo que para cada 1 kg de água do mar temos 35 g de sal, a quantidade de sal nesses 102,3 kg será de 3584 g, o resto é a massa da água. Consultando a tabela de composição da água do mar padrão (tabela 1 acima), sabemos que nessa massa de sal 54,9 % é de cloreto e 30,6% é de sódio. Isso nos 100 L de volume do aquário representa 1967,6 kg de cloreto e 1096,7 g de sódio.

Vamos supor agora que na reposição de Ca/Mg/RA já foram gastos 1 kg dos sais cloreto de magnésio, cloreto de cálcio e bicarbonato de sódio, respectivamente. Para cada quilo de MgCl2.6H2O, sobram 349 g de cloreto, para cada quilo de CaCl2.2H2O sobram 482 g de cloreto e para cada quilo de NaHCO3 sobram 274 g de Na, ou seja, um total de 831 g de cloreto e 274 g de sódio acumulou na água do aquário. Isso representa um aumento de 42 % na quantidade de cloreto e de 25 % na quantidade de sódio. Dessa forma, mantendo a água do aquário com a salinidade de 35 ‰, os outros elementos principais estarão sempre em concentrações menores do que a presente na água do mar natural.

Referências Bibliográficas

1 - F. J. Millero, Chemical Oceanography, 4ed, CRC Press, 2013.