Reposição de Cálcio e RA com Hidróxido de Cálcio

Ca(OH)2 - kalkwasser

O hidróxido de cálcio, conhecido no aquarismo como kalkwasser, tem fórmula química Ca(OH)2 e faz parte dos chamados suplementos conjugados, ou seja, aqueles cujo uso não causa desequilíbrio iônico e que devem ser usados na correção conjunta e equilibrada de RA e Ca. Trata-se de um dos melhores suplementos para reposição de Ca e RA com um custo bastante acessível.

Esse suplemento não deve ser usado diretamente na água do aquário, devendo ser dissolvido em água doce previamente ao uso. A solubilidade do Ca(OH)2 em água não é grande e depende da temperatura. Quanto menor a temperatura da água, maior será a sua solubilidade. Em 25ºC a quantidade máxima possível de ser dissolvida em 1 L de água é de 1,2 g do composto.

Quando esses 1,2 g de hidróxido de cálcio são completamente dissolvidos em 1 L de água, os íons de Ca2+ e OH se separaram produzindo uma solução com pH de 12,51 que contém 649 ppm de Ca2+ e 33 mEq de RA na forma de OH, que se transforma em bicarbonato, que é a forma utilizada pelos organismos do aquário, pela reação com o gás carbônico que lentamente se dissolve na água do aquário a partir da atmosfera. Vale chamar a atenção de que em cada litro de água salgada existe cerca de 3600 vezes menos CO2 do que o necessário para reagir imediatamente com hidróxido presente em 1 L de solução saturada de hidróxido de cálcio.

OH + CO2 --> HCO3-

A reação acima, também acontece na solução de hidróxido de cálcio preparada, mas por ela ser muito básica (pH alto), os íons OH que reagem com o gás carbônico formam íons carbonato (CO3-2), que por sua vez, reagem com o Ca2+ formando carbonato de cálcio (CaCO3), que é insolúvel nessa solução.

CO2(g) + 2 OH --> H2O + CO3-2

Ca2+ + CO3- --> CaCO3(s)

As reações acima mostram que a solução de hidróxido de cálcio vai perdendo sua eficiência com o passar do tempo, graças a essa reação de precipitação de carbonato de cálcio, que é a responsável por formar aquele pó branco aderido nas paredes do recipiente que armazena a solução.

Essa perda de eficiência pode ser estimada medindo o pH dessa solução, de preferência com um medidor eletroquímico (digital). A fórmula abaixo serve para saber o quanto de Ca (em ppm) remanescente na solução.

[Ca]ppm = 20050 x 10^(-14+pH)

Lembrando que como a escala de pH é logarítmica, uma alteração de apenas 1 unidade de pH representa uma mudança de 10x na concentração. Por exemplo, se com o passar do tempo a solução de hidróxido de cálcio passa a apresentar um pH de 11,51, a quantidade de Ca presente será de 64,9 ppm, ou seja, 10 x menor do que na solução com pH 12,51. Como o gráfico abaixo mostra, a solução perde sua serventia para a reposição de Ca e RA se o pH se aproximar de 11,5.


Como usar o Ca(OH)2 e calcular a dosagem necessária

A melhor maneira de dosar o hidróxido de cálcio é em um reator próprio para essa função, vendido em lojas do ramo, ou preparando a solução saturada, como discutida anteriormente (dissolvendo 1,2 g por cada litro de água), e a utilizando na reposição da água evaporada do aquário. Por ser uma solução com pH muito maior que o da água do aquário, atenção especial deve ser dada a sua adição em aquários pequenos. A situação mais segura e eficiente de adição é quando a dosagem é controlada por uma sonda de pH, que evita que o pH da água do aquário suba para além de 8,5. Em aquários de maior porte, equipados com skimmers potentes e intensa circulação de água, a adição de hidróxido de cálcio não costuma provocar oscilações consideráveis de pH. Dosá-lo um tempo após a iluminação do aquário ter apagado aumenta a segurança, por ser uma condição em que há uma maior quantidade de gás carbônico dissolvido na água do aquário.

Atenção especial deve ser dada à manutenção periódica dos sistemas de reposição para evitar o travamento de boias e entupimentos causados pela formação inevitável de carbonato de cálcio.

Para saber a quantidade de solução de hidróxido de cálcio deve ser dosada diariamente, primeiramente é necessário saber o consumo de cálcio diário no aquário (veja aqui como fazer) e depois você pode usar a planilha de cálculo disponível para download aqui ou usar as fórmulas abaixo. O cálculo pode ser feito, também, considerando o consumo diário de RA, o que pode ser, na maioria das vezes, uma medida mais precisa do que a de cálcio. De posse desses valores, basta usar as fórmulas abaixo:


  • Fórmula de cálculo do volume a ser adicionado de solução de hidróxido de cálcio a partir do consumo diário de Ca:

VCa(OH)2 = ([Ca(ppm)] x Vaquário) / 650


p. ex: se o consumo diário de cálcio for 20 ppm em um aquário de 100 L o volume de solução de hidróxido de cálcio que deve ser usado diariamente na reposição é:

VCa(OH)2 = (20 x 100) / 650 = 3,1 L


  • Fórmula de cálculo do volume a ser adicionado de solução de hidróxido de cálcio a partir do consumo diário de RA em mEq. A relação para fazer a conversão entre as unidades de RA usadas nos testes é 1 mEq/L = 2,8 dKH :

VCa(OH)2 = ([RA(mEq/L)] x Vaquário) / 32,4


O exemplo de cálculo acima mostra que se o consumo de cálcio e reserva no aquário for grande é possível que o volume de solução de hidróxido de cálcio necessário para a suplementação diária seja maior do que o volume de água evaporada a ser reposto. Neste caso, o hidróxido de cálcio deverá ser usado em conjunto com outro método de reposição de Ca e RA, como Balling ou reator de cálcio.

Cuidados na manipulação e efeitos da superdosagem

Por ser uma substância cáustica, o hidróxido de cálcio deve ser manipulado, preferencialmente, com luvas e óculos de proteção. Evitar inalar o pó fino durante o processo de confecção da solução e não deixar a solução respingar na pele e nas roupas. Lavar qualquer região afetada por respingos com água em abundância.

No caso de superdosagem, a água do aquário poderá ficar turva e esbranquiçada devido à formação de precipitados de hidróxido de magnésio (Mg(OH)2). Caso isso aconteça, nunca efetuar uma troca parcial de água. Para resolver esse problema deve-se aumentar a circulação de água na superfície e dosar cerca de 1 mL de água com gás por litro de água do aquário, repetindo a dose até que o pH diminua até 8,5, o que provoca a redissolução do Mg(OH)2 formado.

O Ca(OH)2 é capaz de “limpar” a água da torneira ?

A água que sai da torneira não tem composição química fixa. Frequentemente, ela tem na sua composição química além do cálcio e do magnésio, que seriam benéficos ao aquário, uma série de outras substâncias cuja adição ao aquário é indesejada, como fosfatos, silicatos e hidróxidos de alumínio hidratados. Essas substâncias indesejadas podem ter origem na própria fonte de água que vai para o tratamento nas empresas de saneamento, e podem, também, serem adicionadas intencionalmente como parte do processo de tratamento. Por exemplo, sais de fosfato são adicionados para ajustar o pH da água durante e após o tratamento para evitar a corrosão de peças metálicas e melhorar a solubilidade do cloro usado na desinfecção. Sais de alumínio são adicionados para favorecer o processo de floculação de material particulado no início do tratamento. Já os silicatos são adicionados para conter a oxidação de peças metálicas, auxiliar na floculação e, principalmente, como fonte de flúor (hexafluorssilicato) para a fluoretação da água quando normatizada pela legislação.

O Ca(OH)2 ao se dissolver na água que vem da torneira, além de aumentar o pH para além de 12, ele provoca uma série de reações de precipitação que removem parte dessas substâncias desejadas e indesejadas. Essas reações são capazes de diminuir a quantidade de magnésio, fosfato e silicatos dissolvidos, mas têm pouco efeito sobre os hidróxidos de alumínio hidratados formados. Tais reações de precipitação são simplificadamente mostradas abaixo:

Mg2+ + 2(OH)- --> Mg(OH)2

2 Ca(OH)2 + H4SiO4 --> Ca2SiO4 + 4H2O

3 Ca2+ + 2 HPO4- + 2 OH- --> Ca3(PO4)2 + 2H2O

O alumínio que sobra na água que vai ser usada na reposição acaba acumulando na água do aquário e só poderá ser removido por trocas de água volumosas, ou utilizando removedores à base de óxido de ferro, que são capazes de remover substâncias aniônicas (carregadas negativamente) como o [Al(OH)6]3-. (veja o artigo sobre esses removedores clicando aqui)

Portanto, se for usar água de torneira na reposição da água do seu aquário por qualquer que seja o motivo, não o faça sem adicionar hidróxido de cálcio a ela. Essa é uma maneira de diminuir, mas não de evitar, a adição de substâncias indesejadas a água do aquário. O pó branco que sobra no recipiente deve ser descartado a cada vez que ele é preenchido com água nova para reposição.

Neste vídeo participo de um bate papo sobre o uso do hidróxido de cálcio na reposição de Ca e RA.

Muita informação técnica e prática foi discutida nele.

Vale a pena assisti-lo.