Considerações sobre os testes de ICP

A sigla ICP, em português, significa plasma indutivamente acoplado. Trata-se de um equipamento que é usado há décadas em laboratórios de pesquisas e de análises químicas para a quantificação de elementos químicos, especialmente os traços, em uma dada amostra. Entretanto, por ter um custo elevado de aquisição do equipamento (ao redor de US$ 120.000,00) e manutenção, essa análise se tornou disponível aos aquaristas há apenas alguns anos, oferecida por algumas empresas do exterior. Recentemente, esse serviço passou a ser disponível também no Brasil.

Esta é uma técnica analítica avançada, muito mais precisa do que os testes convencionais de aquário. Ela é indicada, principalmente, para análise de elementos traços da água. Entretanto, quando usada com amostras complexas como a de água salgada, para produzir resultados precisos e confiáveis, alguns procedimentos técnicos precisam ser adotados, os quais serão discutidos brevemente neste artigo.

Sites de algumas empresas que oferecem a análise de água do aquário por ICP-OES no exterior. Algumas dessas estão atuando com representantes no Brasil.

Funcionamento do ICP e suas diferentes modalidades.

Este equipamento funciona com uma tocha de plasma de Argônio, sobre a qual é aspergida, por um nebulizador especial no caso da água salgada, a amostra a ser analisada. A alta temperatura do plasma provoca a quebra das ligações químicas que existem entre os átomos nos compostos presentes na amostra. Os átomos liberados nesse processo sofrem um processo de ionização que leva à emissão de radiação eletromagnética. Cada elemento químico da tabela periódica possui um conjunto único de linhas de emissão, o qual é analisado por um espectrofotômetro de emissão ótica (OES) acoplado ao ICP, o que batiza a técnica como ICP-OES. A detecção espectral pode ser feita por detectores sequenciais, que analisam um elemento por vez, ou os simultâneos, que permitem a detecção de vários elementos de uma única vez. Os detectores simultâneos são mais caros, mas tornam a análise mais rápida, o que barateia o custo por análise.

Alternativamente à detecção da emissão do elemento, a massa atômica do íon formado na tocha de plasma pode ser medida por um espectrômetro de massas (MS) acoplado ao ICP. Nesta modalidade, a técnica chamada de ICP-MS, tem maior sensibilidade e menor efeito da interferências do que o ICP-OES, mas por questões técnicas uma amostra com a concentração de íons como a da água do mar não pode ser analisada diretamente no equipamento.

Figura mostrando uma tocha de plasma de argônio e um esquema dos processos de ionização dos elementos. Na parte inferior é mostrada as cores características de alguns elementos ao se ionizarem em uma chama.

Limitações técnicas do ICP-OES

Nem todos os elementos da tabela periódica podem ser medidos por essa técnica (veja figura abaixo onde as indicações em azul e vermelho referem-se aos limites de detecção). Aqueles que apresentam potencial de ionização muito alto ou emissão pouco intensa são mais difíceis de serem detectados.

Outro problema técnico é que a água do mar tem composição química complexa (veja aqui), com alguns elementos muito acima e outros muito abaixo dos limites de detecção do equipamento. Assim, os elementos que estão acima do limite precisam ser diluídos para serem medidos, enquanto os abaixo do limite de detecção precisam ser pré-concentrados. O procedimento de pré-concentração é complexo e requer cuidados para não haver contaminação, o que o torna muito mais caro que o custo médio cobrado por essas empresas, sendo realizado apenas em laboratórios de análises químicas certificadas.

O Cálcio, que é o quinto elemento de maior concentração na água do mar, está ao redor de 160.000 vezes mais concentrado do que o limite de detecção do equipamento.

Já o ferro, que é um elemento traço importante, está em média cerca de 1400 vezes menos concentrado na água do mar do que o limite de detecção do equipamento.

Elementos que podem ser medidos pelo ICP-OES e ICP-MS e seus respectivos limites de detecção.

Outro problema é que uma amostra de composição complexa como a água do mar está sujeita à sofrer interferência entre o sinal emitido entre os vários elementos presentes. Por exemplo, os 70 elementos mais comuns da tabela periódica, se analisados conjuntamente, produziriam mais de 70000 linhas espectrais para serem detectadas. Portanto, a análise espectral é uma etapa crítica e sujeita às interferências entre as emissões dos elementos presentes. Normalmente, as empresas que prestam esse serviço de análise para os aquaristas, oferecem a determinação de pouco mais do que trinta elementos, que são aqueles que normalmente apresentam pouca interferência entre si. Entretanto, dentre alguns desses elementos determinados, existem vários que ainda não tem função química ou biológica conhecidas, o que pode levar à oferta de procedimentos para correção desnecessários.

Procedimentos Importantes para a Medida de ICP

Toda e qualquer análise química é sujeita a erros na medida originados de limitações técnicas do equipamento, do operador e da amostragem. No caso do ICP-OES uma das principais fontes de erro da análise de uma amostra como a de água do mar está relacionada com os procedimentos de coleta, armazenamento e preparação da amostra antes da realização da análise. A amostra fica sujeita à alterações químicas até o momento da análise, seja por atividade microbiológica, ou por processos químicos como, por exemplo, a precipitação irreversível de alguns compostos induzidas pela superfície do frasco de armazenamento, ou, por baixas temperaturas (como a do compartimento de carga durante o transporte aéreo). Assim, é recomendado que as amostras sejam filtradas no momento da coleta para evitar a presença de material particulado e de micro-organismos e que ácido nítrico (ultrapuro) seja adicionado à amostra para evitar as transformações química e bioquímicas que possam ocorrer até o momento da análise.

No procedimento de preparação e manipulação da amostra para análise, atenção especial deve ser tomada pelo operador para evitar a contaminação da amostra, especialmente quando se deseja determinar a concentração de elementos-traços.

Para cada elemento a ser medido no equipamento de ICP é preciso antes fazer uma curva de calibração de concentração e a precisão da medida deve ser determinada através da análise de uma solução padrão deste elemento (ou de multi-elementos). Este procedimento deve ser repetido periodicamente.

O ideal é que cada determinação seja feita em triplicata, para possibilitar a respectiva aferição do desvio padrão da medida. O desvio padrão das medidas realizadas quando não informado, pode gerar uma falsa ideia de concentração elevada.

Por exemplo, na medida de um elemento X qualquer, um valor de 5 ppm em uma medida e outro de 10 ppm, aparentemente podem ser bem diferentes, mas caso o desvio padrão seja de +/- 5 ppm, estes valores são tecnicamente iguais.

Da mesma forma, os resultados normalmente indicados como nulos para vários dos elementos traços, sendo que para alguns deles é pouco provável que estejam zerados na água do aquário, não são verdadeiros. Isto ocorre porque para medir elementos traços como o ICP-OES, normalmente precisam ser realizados procedimentos de pré-concentração para ajustar a concentração do elemento na amostra aos limites de detecção do equipamento. Tais procedimentos são caros e trabalhosos, e é pouco provável que sejam executados por essas empresas.

Considerações sobre os resultados reportados

O ICP não identifica o composto do qual participava o elemento que foi determinado. Este é um fato especialmente importante para ser levado em consideração em relação aos valores reportados para vários elementos presentes na água do mar, que podem formar precitados ou participam de outros compostos como o P (fósforo) e Si (silício) e sua relação indireta com fosfato e silicato dissolvidos.

Vou usar o caso do fosfato para exemplificar essa situação.

O fosfato livre (forma dissolvida) na água do aquário, aquele que é medido com os testes convencionais colorimétricos está na forma do íon HPO43-. Entretanto, no equipamento de ICP é medido o elemento químico fósforo (P), que está presente em uma série de outros compostos, como na forma de precipitados de fosfato de cálcio (Ca3(PO4)2), em matéria orgânica dissolvida e particulada, nas biomoléculas (DNA por exemplo) e nas paredes celulares dos micro-organismos. Na análise de ICP todo P presente nesses compostos será contabilizado e transformado em valores de fosfato, conforme o cálculo abaixo, ou seja, a quantidade de fosfato torna-se superestimada.

A massa molar do íon fosfato é de 96 g. Deste total, apenas 31 g é referente ao elemento fósforo (P). Isso representa 32,3 % da massa total. Então, na análise de ICP o resultado reportado para a quantidade de P é multiplicado por 3,096 para ser transformado em fosfato.

Fato semelhante ocorre na determinação do silicato. Na água do salgada, o silicato livre está nas formas de H2SiO3 e HSiO3-. Entretanto, pequenas partículas de substrato e de rochas podem conter silício (Si) na composição, bem como nas algas diatomáceas. Caso essas partículas e algas sejam coletadas junto com a amostra, o silício presente nelas poderá ser contabilizado como Si total no teste de ICP, superestimando o valor do silicato livre, que é determinado através do cálculo abaixo.

A massa molar referente ao silicato livre é de 78 g. Deste total, apenas 28 g é referente ao elemento silício (Si) presente. Isso representa 35,9 % da massa total. Então, na análise de ICP o resultado reportado para a quantidade de Si é multiplicado por 2,786 para ser transformado em silicato.

Conclusões

O ICP-OES é uma técnica analítica avançada bem mais precisa que qualquer teste convencional de aquário. É a técnica recomendada para determinar elementos traços importantes e essenciais para os corais. Entretanto, para atingir toda precisão necessária para essa determinação e produzir resultados confiáveis e reprodutíveis é necessário uma correta calibração e operação do equipamento, além do emprego de procedimentos adequados de coleta, armazenamento e preparo da amostra.

Saliento a importância de interpretar os resultados com um pouco de conhecimento técnico sobre o papel do dado elemento no aquário. Isso evitará o gasto de dinheiro com suplementos ou correções desnecessárias que possam ser sugeridas. Deve-se sempre tomar cuidado com produtos convencionais embalados na forma de métodos revolucionários e caros. Exija sempre a indicação da composição do produto e dados técnicos que comprovem a melhor eficiência sugerida.