Encerramos a lição passada falando sobre uma forma de analisar os benefícios que as empresas têm, ao entrar no mercado e ofertar seus bens e serviços. Como a economia é formada por dois principais agentes econômicos, os consumidores (demanda) e as empresas (oferta) — e já estudamos o conceito de excedente da demanda —, agora chegou a hora de estudar o excedente da oferta. Vamos lá?
Já pensou: por que as empresas se dispõem a ofertar seus produtos e serviços no mercado? Talvez, uma possível resposta seja: porque elas desejam obter lucro. Essa resposta está correta, mas, para ter lucro, a mercadoria precisa ser vendida; e, para ser vendida, necessita ser fabricada; ou, no caso de serviços, ter o profissional capacitado para realizá-lo. Nos dois casos, existem custos de produção envolvidos e, para que a empresa tenha lucro, ela tem que vender seu produto a um preço que consiga custeá-los (pagá-los) e, ainda assim, gerar uma sobra.
Assim como no caso do excedente do consumidor, nesta lição, daremos mais um passo em direção às ferramentas de análise microeconômicas, utilizadas pelos economistas. Vamos, assim, aprender a utilizar o excedente do produtor para entender a relação entre preços cobrados, os custos de produção envolvidos, o que determina a entrada, ou não, desse produtor no mercado e quais os possíveis benefícios que ele pode receber.
Já deve ter ficado claro para você que sempre que pensamos em análise de oferta e demanda, precisamos adotar algumas hipóteses, entre elas, a de mercado de concorrência perfeita, em que há diversas pessoas demandando e ofertando produtos similares. Isso, consequentemente, faz com que, individualmente, ninguém seja capaz de influenciar o preço a ser cobrado, apenas aceitando o que é determinado pelo mercado.
Utilizaremos essa hipótese para analisar o excedente do produtor e realizar algumas conclusões microeconomias, que serão de grande importância para estudar o comportamento dos preços e seu impacto sobre a oferta de produtos e serviços de uma economia.
Lembrando, novamente, que caso você precise de ajuda para descobrir a definição de algum conceito, poderá consultá-lo, ao final da lição, desde que ele esteja sublinhado da seguinte maneira: “minidicionário”, combinado?
Pode parecer difícil assimilar alguns conceitos de economia, principalmente, quando falamos sobre oferta, produção, empresas. Isso ocorre porque estamos habituados a pensar, apenas, como consumidores, pois consumir é algo que fazemos diariamente, enquanto ofertar não é algo que realizamos, necessariamente.
Vamos pensar um pouco sobre como funciona, pelo menos em parte, o comportamento de quem se dispõe a ofertar seus produtos ou serviços. Você, como consumidor, ao fazer uma compra, além de alguns critérios, leva em consideração o preço cobrado, correto?
Se o preço estiver acima do máximo que você está disposto(a) a pagar, você provavelmente não leva o produto ou não utiliza o serviço, não é mesmo? Nesse caso, desconsiderando o endividamento, vamos inverter a lógica. Pensando, na perspectiva da oferta, o produtor também tem um preço — agora mínimo, ao invés de máximo —, pelo qual está disposto a vender sua mercadoria.
Agora, as questões: o que determina esse preço mínimo? Será que é a proximidade da fábrica até a loja? O período do ano? Em qual moeda ele vai vender? Tudo isso, de fato, é importante e influência, mas o que vai definir em último caso, se vale a pena ou não, são os seus custos! Isso mesmo, os custos que ele teve para produzir/oferecer têm que ser mais que compensados, para não haver prejuízo.
Vamos, porém, com calma, se o custo influencia a entrada dessa empresa no mercado, como esses custos são formados? Por enquanto, vamos ignorar o que compõe esses custos e nos concentrar nas seguintes questões: as empresas vão ofertar um preço menor do que os custos? E se esse preço for igual ao custo, vale a pena a oferta? Com um preço acima dos custos, como os economistas fazem para mensurar os benefícios do produtor e ofertar seus produtos ou serviços?
Os economistas formularam um jeito de medir quanto de benefício esse produtor vai obter, ao vender um produto acima do seu custo de produção, e é isso que aprenderemos na presente lição. Veremos como mensurar esse benefício, por meio do conceito de excedente do produtor e, se é possível, elevar ao máximo o bem-estar do produtor, ao ofertar no mercado um produto ou um serviço.
Talvez, seja difícil para você imaginar como podemos aplicar o conceito de excedente do produtor de uma forma prática, ou seja, se de fato é possível mensurá-lo e quais os benefícios que ele pode gerar para uma economia. Os exemplos de análise sobre o excedente do produtor são diversos e, por isso, veremos um caso em que essa ferramenta é empregada como uma forma de mensurar o bem-estar social.
Em estudo realizado por Freitas e Morais (2019), os pesquisadores tiveram como propósito analisar o quão ineficiente era a tributação sobre os serviços de banda larga no Brasil. Para isso, analisaram dados de mais de 5 mil municípios e chegaram a algumas conclusões interessantes.
Um dos resultados do estudo é de que a elasticidade-preço da demanda (lição 5) da banda larga era de aproximadamente -3% para cada aumento de 10% nos preços, ou seja, um aumento de preços de 10% reduzia a quantidade demandada em 3% (mostrando, assim, que a demanda é inelástica a preço). Constaram, também, que, para cada R$1,00 a mais de tributo, o resultado era uma ineficiência de aproximadamente R$0,26 centavos.
Como esse é um mercado em que não prevalece uma concorrência perfeita, pois, no Brasil, apenas, poucas empresas têm a permissão da agência Nacional de Telecomunicação para atuarem, quando há uma redução na quantidade de contratações do serviço, por conta do aumento da tributação, há, também, uma redução no excedente do produtor, reduzindo o excedente do consumidor. Isso porque o acesso ao serviço fica mais caro (FREITAS; MORAIS, 2019).
A pesquisa, por meio da coleta de dados, conseguiu mensurar em quanto se reduz o excedente do produto e do consumidor. Também, mostrou que para cada R$1,00 de tributo há uma redução de R$0,262 para o produtor e de R$0,012 para o consumidor, totalizando uma perda de bem-estar total para a sociedade de R$0,262.
Esse é um estudo, entre outros, que mostra como o planejamento dos preços, seja o cobrado pelas empresas, seja via tributação pelos gestores públicos, é capaz de gerar ou um aumento, ou uma redução, do bem-estar da sociedade, pois mudanças nos preços afetam diretamente não somente o consumidor final desse produto, mas também aqueles que o produzem.
"O case te deixou intrigado(a)? Assista ao vídeo a seguir para conhecer um pouco mais sobre essa história:"
Começamos essa seção, abordando a mesma ideia da lição passada. A economia, por possuir duas grandes áreas de estudo, a micro e a macroeconomia, adota diferentes ferramentas de análise do comportamento econômico de uma sociedade.
Na lição anterior, vimos dois importantes conceitos, a disposição a pagar e o excedente do consumidor, que são ferramentas usadas para estudar a demanda microeconômica. Na lição de hoje, vamos olhar para a oferta microeconômica e aprender sobre o excedente do consumidor. Se você conseguiu entender bem o conceito de excedente no lado do consumo, a construção para oferta é muito semelhante, mudando apenas o fato de que, agora, ao invés de olharmos para o consumidor, analisaremos o produtor.
Vamos utilizar um exemplo prático para facilitar nossa aprendizagem. Imagine que você tem o desejo de reformar sua casa e vai começar essa reforma mudando a pintura interna e externa. Você procura alguns profissionais que prestam o serviço de pintura domiciliar e encontra cinco que possuem a mesma qualidade, sendo eles João, André, Vinicius, Gilberto e Cleiton.
Cada um dos pintores está disposto a realizar a pintura da casa por um preço justo e, por isso, você solicita um orçamento. Você contratará aquele que cobrar o menor valor. Cada pintor só vai aceitar o serviço se o pagamento for maior que o custo da realização do trabalho.
Assim como o consumidor tem uma disposição a pagar, indicando o preço máximo que pagaria por um bem ou serviço, ou o quanto isto vale para ele, para o produtor há um custo que vai mensurar o valor mínimo pelo qual o serviço será feito ou não. Se o valor do pagamento pelo serviço for menor que o custo, os pintores não o aceitarão, pois não cobrirá seus gastos com tinta, pincel, deslocamento, tempo e outros (MANKIW, 2013).
Assim, o custo vai indicar o preço mínimo pelo qual o profissional vai aceitar ou não o serviço. Vamos imaginar que tais custos estão representados no Tabela 1.
Tabela 1 - Custo dos profissionais de pintura / Fonte: adaptada Mankiw (2013).
Em uma ótima situação, cada profissional vai desejar vender seus serviços a um preço maior que seus custos, sendo que nos custos já estão embutidos os lucros. Em uma situação de preço abaixo do custo, eles não vão ofertar o serviço e, caso o preço seja exatamente igual ao custo, é indiferente aceitar ou não (MANKIW, 2013).
Voltando ao nosso exemplo, suponhamos que, ao pedir seu orçamento, os pintores coloquem valores muito elevados para aceitar os serviços, mas você, ao negociar, percebe que eles podem diminuir o valor cobrado, pois há concorrência. Se, por exemplo, Cleiton cobrar R$750,00 pelo serviço, ou um pouco menos, ele estaria ganhando, pois seu custo é de R$700,00, ou seja, qualquer coisa acima desse valor seria um ganho líquido.
Além disso, para qualquer oferta de preço abaixo de R$750,00 e acima de R$700,00, apenas o pintor Cleiton estaria apto a aceitar o serviço, pois é o único que possui um custo de produção acessível. Abaixo de R$750,00 João, André, Vinícius e Gilberto não têm interesse em realizar o serviço a esse valor, pois eles não conseguem cobrir os seus custos. Portanto, aceitará o serviço aquele que for capaz de concordar com o serviço de pintura com o menor custo possível.
Quais os ganhos de Cleiton em aceitar o serviço? Como seu custo é de R$700,00 e você, que quer contratar a pintura, está disposto(a) a pagar R$750,00, Cleiton terá um excedente de R$50,00, valor esse que representa um excedente do produtor para Cleiton.
Por definição, os economistas conceituam o excedente do consumidor como o valor que o vendedor recebe, menos o custo de produção, o qual mensura o benefício que uma empresa tem em participar do mercado (MANKIW, 2013).
Como seria isso, se pensássemos em termos de mercado? Vamos adotar as seguintes hipóteses: no lugar de reformar a sua casa, imagine que você tem uma empresa de construção e está para entregar duas casas prontas, só falta a pintura interna e externa, e você quer contratar pintores para realizarem o serviço; como as casas devem ser entregues simultaneamente, nenhum pintor pode pintar as duas casas. Novamente, você procura um pintor e encontra os cinco pintores do exemplo anterior, João, André, Vinícius, Gilberto e Cleiton.
Nesse exemplo, as propostas iriam parar quando chegassem no valor de R$800,00, ou um pouco menos, pois a esse preço, apenas Gilberto e Cleiton teriam custo inferior a esse preço, sendo capazes, assim, de cobri-los e, ainda, terem um excedente (de R$ 50,00 para Gilberto e R$ 100,00 para Cleiton).
Assim como no excedente do consumidor, existe uma relação muito próxima entre o conceito de excedente do produtor e curva de oferta, relação essa que ficará mais clara por meio da Figura 1, apresentada abaixo. Vamos analisar, utilizando os mesmos valores de nossos cinco profissionais de pintura domiciliar.
Se você propor um preço abaixo de R$700,00, nenhum dos pintores aceitarão o serviço, pois esse valor não é suficiente para cobrir os custos, dessa forma, a quantidade ofertada do serviço será igual a zero. Para um preço proposto entre R$700,00 e R$750,00, Cleiton está disposto a realizar o serviço, havendo, assim, uma quantidade ofertada igual a um. Entre os valores de R$700,00 a R$800,00, Cleiton e Gilberto estão dispostos a aceitar o serviço, fazendo com que a quantidade ofertada aumente para dois.
A mesma lógica segue até incluir todos os profissionais, o que nos permite, assim, criar a curva de oferta desse serviço (lembre-se de que a curva de oferta mostra uma relação positiva entre preço e quantidade ofertada, de forma que, tudo o mais constante, quanto maior o preço, maior será a quantidade ofertada) (VARIAN, 2012).
Figura 1 - Escala da oferta e curva de oferta / Fonte: adaptada de Mankiw (2013).
O gráfico da Figura 1 mostra a curva de oferta correspondente a essa escala de oferta. Veja que a altura da curva de oferta está relacionada ao custo de cada um dos pintores. Para cada quantidade, o preço vai indicar o custo de cada pintor, indicando também qual será o primeiro a deixar esse mercado a um menor preço.
Para uma quantidade de 5 casas (lembrando que falamos sobre a oferta de serviços de pintura para a reforma de uma casa), a curva de oferta tem a altura (definida pelo preço) de R$1.000,00 que representa o custo de João de aceitar o serviço de pintura. Para 4 casas, a altura da curva de oferta é de R$900,00, que é o custo do pintor André. Uma vez que a curva de oferta está representando o custo por cada profissional de pintura, podemos utilizá-la, diretamente, para contabilizar o excedente do produtor.
Figura 2 – Usando a curva de oferta para medir o excedente do produtor / Fonte: adaptada de Mankiw (2013).
Agora, chegou a hora de decidir e contratar os serviços. Vamos imaginar que a primeira proposta de preço oferecida aos vendedores, por você, é de R$750,00. Para esse preço, a quantidade ofertada é de apenas 1. Você pode perceber que a área entre o preço e a curva de oferta dada apenas pela oferta de Cleiton é igual a R$50,00, como já havíamos calculado anteriormente.
Supondo que você inicie sua proposta, estando disposto(a) a pagar R$800,00, por esse preço Cleiton e Gilberto estão dispostos a ofertar seus serviços, de forma que agora a quantidade ofertada é de 2. O excedente do produtor de Gilberto da mesma forma é dado pela diferença entre esse preço e sua oferta, ou seja, R$50,00. A um preço de R$900,00 três pintores estarão dispostos a ofertar o trabalho, com uma quantidade ofertada total de 3 e Vinicius com um excedente de R$100,00. Em resumo:
Contratação por R$750,00: quantidade de oferta 1, sendo Cleiton com excedente de R$50,00.
Contratação por R$800,00: quantidade de oferta 2, sendo Gilberto com excedente de R$ 50,00 e Cleiton com excedente de R$100,00.
Contratação por R$900,00: Quantidade de oferta 3, sendo Vinícius, com excedente de R$100, Gilberto com excedente de R$150,00 e Cleiton com excedente de R$ 200,00.
De forma prática, o que podemos aprender com essa abordagem? Sempre que for necessário calcular o excedente do produtor, basta encontrar a área que fica abaixo do preço e acima da curva de oferta, ou seja, a altura da curva de oferta mostra o custo de cada vendedor, e a diferença entre os preços e esses custos é o seu excedente (VARIAN, 2012; MANKIW, 2013).
Você, talvez, possa se perguntar: por que o formato da curva de oferta está diferente da observada nas lições passadas? A resposta, novamente, é quantidade! Em nosso exemplo, utilizamos cinco produtores e cinco diferentes custos. Retirando essas hipóteses simplificadoras, imagine que, para cada quantidade possível, teremos diferentes preços e custos, ou seja, para uma determinada quantidade de oferta se tenha um custo máximo (MANKIW, 2013).
Se usarmos um número infinito de quantidade e preços, os “degraus” da curva de oferta ficarão cada vez menores, a ponto de desaparecerem, dando a sensação de haver apenas uma única linha, como na Figura 3.
Figura 3 - Curva de oferta tradicional e o excedente do produtor / Fonte: adaptada de Mankiw (2013).
A importância de entender o excedente do produtor é que, por meio dele, o governo influencia — com políticas públicas determinadas — empresas a aumentarem ou reduzirem suas quantidades produzidas (MANKIW, 2013).
Se o governo opta por fomentar algum produto ou serviço específico (prática adotada com frequência pelo governo brasileiro), ele pode conceder subsídios ou reduzir tributos, o que reduzirá o custo de produção e fará com que a empresa fique mais competitiva no mercado, pois, como aprendemos, quanto menor o custo, maiores são as chances de as empresas entrarem no mercado.
Ficou interessado(a) sobre esse tema? Clique no play a seguir e assista ao vídeo.
O quanto já caminhamos em nossos estudos sobre economia. Nessa jornada, esperamos que alguns pontos tenham ficado evidentes, em termos de funcionamento, acerca dessa ciência e como ela aborda a realidade econômica da sociedade.
Entre esses pontos, destacamos que a presença das hipóteses é fundamental, pois, sem elas, seria praticamente impossível analisar individualmente, ou de forma microeconômica, as interações entre oferta e demanda.
Outro aspecto bem visível até agora é que as análises construídas para o lado da demanda, do consumo, também, são feitas para o lado da oferta. Sempre que pensarmos em um lado, temos que pensar também no outro.
Como aplicar o conteúdo sobre esse tema de uma forma prática? Sabendo identificar os custos de produção de uma empresa e o preço pelo qual ela vende seu produto, você estará apto a identificar os benefícios que ela terá, ao ofertar o seu produto, obtendo assim o resultado do excedente do produtor.
Como visto no case da lição, uma das razões pela qual o excedente do produtor é importante, deve-se ao fato de que quando o gestor público adota políticas tributárias que vão impactar direta ou indiretamente o preço do produto, ele pode acabar reduzindo o bem-estar da sociedade, pois estará aumentando a ineficiência econômica, ou seja, o aumento do preço em função da elevação do tributo (assumindo que é um produto de desejo de consumo de toda a população), o que leva a um prejuízo ao consumidor e, também, ao produtor.
Veremos, em lições futuras, que as ações do governo podem e, normalmente, são pensadas com o propósito de melhorar a situação de todos. Sabendo como é possível mensurar os ganhos tanto dos consumidores como dos produtores, você conseguirá compreender quais serão os reais impactos dessas ações do governo, tendo a compreensão sobre o ganho de eficiência, ou não, que isso gerou para a economia e para o bem-estar de toda a população.
Tabela 2 - Significado dos termos técnicos da Economia / Fonte: o autor.
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FREITAS, L. C; MORAIS, L. E. Eficiência econômica da carga tributária incidente sobre o serviço de banda larga fixa no Brasil. Cadernos de Finanças Públicas, Brasília, v. 19, n. 2, 2019.
MANKIW, N. G. Introdução à economia. [S. l.]: Cengage Learning, 2013.
VARIAN, H. R. Microeconomia: princípios básicos. [S. l.]: Elsevier Brasil, 2012.