Na lição anterior, demos início aos estudos sobre a teoria do consumidor. Começamos a aprender como os economistas fazem suas análises em termos de comportamento do consumidor, analisando conceitos, entre eles: as hipóteses que são adotadas sobre suas preferências, o que são cestas de mercado, a taxa marginal de substituição e aprendemos, também, uma ferramenta de análise muito importante, nesse campo de estudo, a curva de indiferença.
Na atual lição, vamos dar um passo adiante na construção do nosso conhecimento sobre essa temática, pois, como vimos na lição passada, há um conjunto de instrumentos que precisamos dominar para conseguirmos extrair o máximo possível de conhecimento prático.
Você viu que a taxa marginal de substituição (TMS) é uma forma de mensurar o quanto o nosso consumidor em análise está disposto a trocar um bem pelo outro para aumentar sua utilidade, lembra-se? Nesta lição, vamos nos aprofundar um pouco mais sobre a TMS e entender sua importância para a teoria do consumidor.
Veremos que algumas conclusões muito importantes podem ser tiradas sobre a TMS, dentre elas, que ela terá um valor negativo, pois reduziremos a quantidade de um bem ou serviço para ter uma unidade adicional do outro.
Essa conclusão pode parecer simples, mas é um dos fundamentos de toda a teoria do consumidor, pois aprenderemos que é justamente essa condição que vai nos indicar qual é o formato da curva de indiferença. Portanto, o objetivo desta lição é aplicar o conhecimento sobre a TMS e aprender como se comportam as curvas de indiferença desses bens.
Muito do que vemos sobre teoria do consumidor parece abstrato, não é mesmo? Curva de indiferença, TMS, preferências… onde usar tudo isso? Talvez de início, esses conceitos (e outros que virão) pareçam não estar próximos da nossa realidade, o que nos faz questionar: “como isso será útil?”.
Normalmente, quando somos desafiados a compreender algo completamente novo, a nossa primeira reação é o medo, por acharmos que não daremos conta de aprender, ou acreditarmos que nunca usaremos em nossa vida, motivo pelo qual costumamos acreditar que “não faz sentido” estudar determinado assunto.
No entanto, sempre que aprendemos um pouco mais sobre algo, acabamos por expandir a nossa capacidade de compreensão, não só do assunto aprendido, mas de outras áreas também. Pensando nisso, que tal compreendermos de uma forma prática o que você está aprendendo e de que forma isso influenciará a sua vida futura? Esse conhecimento pode o(a) influenciar como consumidor e, principalmente, como profissional, caso você tenha interesse em ser um gestor, administrador ou analista de empresas. Avalie os seguintes questionamentos.
Por que quando empresas lançam novos produtos elas tendem a analisar o mercado e a região onde esses produtos serão lançados? Você sabia que não é, apenas, o custo e o preço que vai definir o sucesso desse lançamento, mas sim sua aceitação pelo público?
Por que as indústrias de automóveis colocam seus produtos no mercado com várias opções para o consumidor escolher? Talvez você já saiba, mas carros 0 km são normalmente oferecidos em sua versão básica e os itens adicionais são negociados à parte, aumentando, assim, seu preço e as opções de versões.
Por que a forma como os consumidores decidem sobre a quantidade de bens afeta como as empresas irão ofertar esses produtos no mercado? Aqui, o estudo sobre a taxa marginal de substituição tem um papel central, pois, como veremos em nosso estudo de caso, grandes empresas analisam a curva de indiferença dos consumidores para decidirem quais os produtos que, de fato, vão colocar no mercado.
Ou seja, são muitas as questões e respostas que envolvem o tema que será abordado nesta lição. Então, vamos estudar mais um pouco sobre a teoria do consumidor!
Vamos imaginar o seguinte cenário: você trabalha para uma empresa automobilística e é responsável pelo lançamento de novos modelos. Entre suas possíveis escolhas, você terá que decidir qual será a ênfase desse novo modelo: maior espaço interno, potência ou economia em consumo?
Como você vai tomar essa decisão? Analistas vão recomendar que você verifique o mercado e descubra quais atributos são mais valorizados nos últimos modelos, pois, sabendo disso, você terá algum critério de informação para tomar sua decisão. Economistas e profissionais de marketing fazem suas pesquisas para verificar quais os preços pagos pelo mercado, para ter acesso a um conjunto dos atributos mais desejados.
Mas o que a taxa marginal de substituição (TMS) e a curva de indiferença têm a ver com isso? Analise a Figura 1, a seguir, e perceba dois atributos amplamente desejados: espaço interno e potência.
Por meio de pesquisas de mercado, descobriu-se que consumidores do veículo A estão dispostos a desistir de uma grande quantidade de espaço interno para obter mais potência, enquanto consumidores do veículo B trocam grande quantidade de potência para ter mais espaço interno.
Figura 1 - Preferências por atributos espaço x potência / Fonte: adaptada Pindyck e Rubinfeld (2013).
Perceba que para o gráfico A, a curva de indiferença dos consumidores é mais inclinada, ou seja, trocam uma grande quantidade de espaço para obter um pouco mais de potência. Já a curva de indiferença dos proprietários de B é menos inclinada, indicando que eles estão dispostos a trocar uma pequena quantidade de potência para ter um pouco mais de espaço.
O case o(a) deixou curioso(a)? Assista ao vídeo, a seguir, para conhecer um pouco mais sobre essa história:
Para iniciarmos o conteúdo da presente lição, precisamos retomar alguns pontos já vistos nas lições anteriores. Inicialmente, vimos que existem três premissas que orientam como se estudar o comportamento do consumidor, que são elas: integralidade, transitividade e não saciedade. Vimos que essas premissas possibilitam a construção das curvas de indiferença.
Estudamos, também, a taxa marginal de substituição, como vimos, a TMS indica o quanto o consumidor está disposto a desistir de um bem para obter uma unidade adicional de outro, recorda-se? Mas existem diferentes bens e serviços ofertados no mercado, não é mesmo?
Existem bens que são consumidos em conjunto, bens consumidos de forma substitutiva e, ainda, produtos que não trazem benefício algum, de forma que quanto menor o consumo, melhor (PINDYCK; RUBINFELD, 2013; MANKIW, 2013). Vamos, agora, aplicar esses conceitos de uma forma prática, com gráficos. Observe, a seguir, a Figura 2.
Vamos assumir, para a análise do gráfico, que a TMS indica a quantidade de mercadoria do eixo vertical (vestuário) que o consumidor desiste para obter uma unidade adicional da mercadoria do eixo horizontal (alimentos).
Olhando a Figura 2, a partir de tudo que já estudou, o que você consegue concluir pela perspectiva da TMS? Você deve perceber que a TMS terá um valor negativo, pois se desiste de um bem para se obter outro, que podemos indicar para ∆V para variação no vestuário e ∆A para variação no alimento, de forma que a TMS pode ser expressa por:
TMS= -ΔV/ΔA
O sinal de negativo foi inserido, apenas, para que a TMS se torne positiva (fica mais fácil perceber, pela equação, que será sempre negativa, pois o consumidor está desistindo de um pouco de uma mercadoria para se obter um pouco de outra unidade) (VARIAN, 2012; MANKIW, 2013). Assim, a TMS em qualquer ponto da curva de indiferença é igual à inclinação da curva nesse ponto.
Na Figura 2, a TMS entre os pontos A e B é 6, pois o consumidor aceita trocar 6 unidades de vestuário para obter 1 unidade adicional de alimento. Entre o ponto B e C, no entanto, a TMS é 4, pois o consumidor está disposto a trocar 4 unidades de vestuário por 1 de alimento.
Perceba que, à medida em que aumenta a quantidade de alimentos, nosso consumidor hipotético desiste de unidades cada vez menores de vestuário. Entre o ponto D e F, ele está disposto a fazer uma troca de 1 para 1.
Tendo em vista que, à medida que a quantidade de um bem aumenta o consumidor está disposto a desistir de cada vez menos unidades do outro, dessa forma, podemos concluir mais uma premissa em nossos estudos sobre o comportamento do consumidor, que é o princípio da taxa de marginal de substituição decrescente (MANKIW, 2013).
Essa premissa indica que, na grande maioria dos casos, as curvas de indiferença possuem um formato de arco para dentro, ou um formato convexo. Por convexo, queremos dizer que a TMS reduz ao longo da curva de indiferença (como na Figura 2, que passou de 6 para 4, depois para 2 e, por fim, para 1).
Na grande maioria dos casos, as curvas de indiferença são convexas? Podemos dizer que sim, ao esperar que a TMS diminua, pois, ao escolher entre dois bens, espera-se que mediante o deseja de consumir ambos, o consumidor esteja disposto a trocar algum produto que tem em excesso para obter outro produto que deseja, mas tem em pequenas quantidades, ou não tem.
A medida que as trocas vão sendo realizadas e a quantidade do bem em excesso começa a diminuir, menor será a motivação em se desfazer dele para obter uma unidade adicional do outro, pois agora o consumidor está tendo uma cesta de consumo mais balanceada, ou seja, com proporções iguais dos dois bens (PINDYCK; RUBINFELD, 2013; VARIAN, 2012).
Talvez, um exemplo mais próximo da sua realidade o(a) ajude a entender melhor. Imagine, por exemplo, que você tenha muitos relógios, mas poucas camisetas, se fosse possível você trocar relógios por camisetas, à medida que vai ficando sem relógios, você vai começar a refletir até que ponto essas trocas valem a pena (talvez, no começo, esteja disposto a trocar 6 relógios por uma camiseta, mas ao ter apenas 2 relógios e várias camisetas, essa troca não valha mais a pena). Outra forma de entender isso é dizer que, normalmente, os consumidores desejam ter uma cesta balanceada, com quantidades razoáveis dos dois bens e não, apenas, os extremos.
Entender a TMS é fundamental para podermos dar um passo avante em nossos estudos econômicos, pois o formato das curvas de indiferença e a disposição de trocas dos consumidores vão refletir em diferentes tipos de bens (PINDYCK; RUBINFELD, 2013; VARIAN, 2012).
Lembra-se que, em nossa aula sobre mercados, vimos alguns bens com características específicas? Vimos que existem bens substitutos perfeitos, um é consumido em detrimento do outro, principalmente em função de mudança nos preços (manteiga e margarina, automóvel ou transporte público, entre outros) e, também, bens complementares, que são consumidos conjuntamente (pão e margarina, tênis e meia etc.).
Vamos resgatar o conceito sobre esses bens e estudar como é o formato de suas curvas de indiferença e o valor de sua TMS para os casos extremos desses bens. Vamos iniciar com a TMS e a curva de indiferença de bens substitutos perfeitos. Primeiro, vamos criar um consumidor hipotético, o Pedro, que é indiferente ao consumo de refrigerante ou suco natural para acompanhar suas refeições.
Dessa forma, para Pedro, não importa se ele irá tomar suco ou refrigerante, pois ambos lhe dão a mesma satisfação. Consegue perceber que, para esse caso, a TMS de Pedro é igual a 1, pois ele está sempre disposto a trocar um copo de suco por um copo de refrigerante. Por definição bens substitutos perfeitos são aqueles que apresentam uma TMS constante (MANKIW, 2013).
Vamos ver o formato de sua curva de indiferença?
Um ponto a ser destacado é que, para substitutos perfeitos, a TMS é constante, não necessariamente 1 para 1. Talvez, um consumidor sempre opte pela substituição de dois bens em quantidades diferentes, mas sempre mantendo a mesma proporção (VARIAN, 2012).
Por exemplo, nosso consumidor pode trocar o consumo de uma unidade do bem X por duas unidades do bem Y. Assim, para a desistência do consumo de duas unidades de X ele deve receber quatro de Y e, assim, sucessivamente.
Vamos, agora, verificar o caso de complementares perfeitos. Novamente, usando um exemplo ilustrativo. Vimos, em nossa quarta lição, que bens complementares são consumidos em conjunto, como pão e manteiga, cama e travesseiro, entre outros diversos exemplos que podemos imaginar.
Se pensarmos, porém, em bens que sejam perfeitamente complementares? Pés de um calçado são um exemplo clássico. Para que um calçado seja útil e lhe traga satisfação, ele precisa possuir o pé esquerdo e direito, pois apenas um não é suficiente, e para o caso de ter dois pés esquerdo e um direito, o pé esquerdo adicional não lhe será útil (PINDYCK; RUBINFELD, 2013; VARIAN, 2012).
Por definição, bens complementares perfeitos são aqueles em que a TMS é infinita, de forma que a curva de indiferença possui ângulos retos (na geometria, ângulo reto possui exatamente 90°) (MANKIW, 2013). Assim como fizemos para os substitutos perfeitos, vamos representar, aqui, o gráfico dos bens complementares perfeitos.
Para o caso de sapatos, espera-se que eles sejam consumidos de forma conjunta, um único pé direito e um único pé esquerdo (salvo exceções). Como já mencionado, ter uma unidade a mais do pé esquerdo de um sapato não vai aumentar a satisfação do consumidor, pois será inútil, a menos que ele esteja junto ao seu complemento, o sapato do pé direito.
Figura 4 - Curva de Indiferença de bens complementares perfeitos / Fonte: adaptada Pindyck e Rubinfeld (2013).
Para esse caso, a TMS de sapatos direitos por esquerdos será sempre igual a zero, quando existir mais dos direitos do que dos esquerdo, pois o consumidor não tem interesse em trocar seu único pé esquerdo para ter uma unidade adicional do sapato do pé direito (MANKIW, 2013).
Do mesmo jeito, a TMS será infinita sempre que houver mais sapatos esquerdos do que direitos, pois nosso consumidor está disposto a dar todos os sapatos esquerdos, menos o último, para obter uma unidade de um sapato direito para, assim, ter dois pares de sapatos.
Um último ponto que vale a pena ser mencionado é que nem todo bem ou serviço é um “bem”. Poluição, por exemplo, é um produto nocivo para quem o consome. Produtos com essas características são chamados de bens nocivos. Uma forma fácil de lidar com isso, em nossas curvas de indiferença, é considerar que quanto menor a quantidade de consumo dos bens nocivos, maior será a utilidade recebida pelo consumidor (MANKIW, 2013).
Ficou interessado(a) sobre esse tema? Clique no play, a seguir, e assista ao vídeo:
Quanta coisa já aprendemos e o quanto já caminhamos em termos de estudos econômicos voltados para análise da teoria do consumidor, não é mesmo? Partimos de uma área cinzenta e pouco clara sobre a economia e, agora, já estamos estudando e aprendendo a aplicar de forma prática algumas das ferramentas mais utilizadas pelos economistas.
Nesta lição, vimos que a taxa marginal de substituição é de grande importância para o estudo microeconômico de como se comporta o consumidor, ao considerarmos o peso, ou importância, que ele atribui às mercadorias que possui e que precisa desistir, ou trocar, para obter uma quantidade extra de outra.
Esperamos que tenha ficado claro que, quando falamos em trocas, não é necessariamente um bem pelo outro, mas destinar seus recursos financeiros de forma a comprar uma menor quantidade de um produto para comprar um pouco mais de outro (isso é exatamente o que dizem o primeiro e o segundo princípio da economia).
Ao entender como o mercado se comporta em termos de consumo de bens ou serviços, as empresas podem se planejar para ajustar as mercadorias ofertadas, para que, assim, possam elevar ao máximo seus ganhos (ou reduzir ao mínimo seus prejuízos). Assim, como visto no case da lição, a decisão de lançar um produto novo deve levar em conta como o mercado atribui importância aos atributos desse produto.
Vimos, também, que na economia existem bens próximos que possuem características específicas em termos de taxa marginal de substituição e curva de indiferença, o que vai influenciar diretamente a decisão de consumo e, consequentemente, o quanto os consumidores estarão dispostos a escolher entre tais produtos.
A presente lição, ainda, não esgotou o estudo sobre a teoria do consumidor, mas foi de grande utilidade, pois colocamos mais alguns tijolos em nossa construção do conhecimento.
Como já aprendemos sobre como os consumidores tomam suas decisões de escolha em termos cestas de mercado, em lições futuras estudaremos a limitação que eles (os consumidores) possuem para adquirir bens e serviços, ou seja, sua renda, para posteriormente termos todas as ferramentas necessárias para dizer qual será a melhor escolha de consumo, considerando produtos, preços e renda.
Clique aqui, teste seus conhecimentos sobre esta lição e confirme sua participação nesta disciplina!
MANKIW, N. G. Introdução à economia. [S. l.]: Cengage Learning, 2013.
PINDYCK, R. S.; RUBINFELD, D. L. Microeconomia. [S. l.]: Pearson Italia, 2013.
VARIAN, H. R. Microeconomia: princípios básicos. [S. l.]: Elsevier Brasil, 2012.