CADA TIRO ME ASSASSINA PORQUE SOU O OUTRO é uma videoarte que utiliza do ato de escarificação, uma técnica de modificação do corpo que consiste em produzir cicatrizes através de instrumentos cortantes, para se posicionar na falta escancarada de empatia, revelada tamanha apatia generalizada sobre nossas geografias corporais e existenciais. Esta ação performática é disparada pelo eco-frase da crônica “Mineirinho” (1962), de Clarice Lispector, que ainda se ouve ecoar nas repetidas chacinas, genocídios e mortes diárias neste pedaço de terra chamado Brasil. Desse modo, forma-se um coro junto aos corpos das minorias que são muitas e múltiplas: pessoas pretas, LGBTQIAPN+, mulheres e as milhares de vítimas da covid-19. 

Em 2017, a performance que deu origem à videoarte foi realizada presencialmente em Portugal. Transpondo-a para os formatos de foto e vídeo, os tensionamentos da inscrição e rasuras da pele determinam, em cada letra surgida na mediação tecnológica, a provocação de Lispector sobre como os corpos privilegiados se posicionam perante as atrocidades inerentes às estruturas do cisheteropatriarcado. Portanto, coloca-se em questão o conceito de empatia: como se colocar no lugar de outre, mesmo a partir do seu próprio lugar? Além disso, transportar a ação para o vídeo permitiu investigar e registrar o processo de cicatrização envolvido na escarificação, fortalecendo as relações entre sangue, carne e escrita ao longo do tempo. Por mais que a escrita desapareça com a cicatrização, as questões que a envolvem não permanecem na suposta superficialidade da pele: o sangue derramado e as vidas perdidas emaranham-se na carne, perpetuando eventos que constituem nossa história e que não podem ser facilmente esquecidos.  

Concepção e atuação: André Luís Rosa

Edição: Guilherme Laina e Tatiane Meller 

Assistência de edição: Julia Bicudo

Trilha sonora: Rael Bertarelli Gimenes Toffolo

Iluminação: Julia Bicudo e Nathália de Souza Mendes

Captação de imagem: Julia Bicudo e Tatiane Meller

Produção: Milena Plahtyn