Estudar a Palavra? Para quê?

Uma mensagem para universitários cristãos

Um bebê nasce com o corpo perfeito, dom de Deus! Esta criança aprende a falar, orgulho dos pais! Logo mais aprende a ler e vai a escola. Seu desempenho é médio, vai bem. Avança nos estudos e chega ao segundo grau. Mostra interesse pelas artes, ou pela física, talvez pelas plantas, ou pelos animais. Gosta de ler todos os tipos de livros, ou de montar pequenos circuitos eletrônicos. Se liga em biologia humana, ou na mente humana, ou ainda tem fascinação por computadores. O jovem escolhe sua profissão e entra para um curso superior. Sua inteligência, seu tempo, suas oportunidades, suas habilidades que o levaram até ali são dons de Deus.

Esta pessoa não se parece contigo?

Agora vem a pergunta-chave: esta pessoa está administrando bem os seus dons? Nós estamos administrando corretamente os nossos dons? Quanto ao nosso desenvolvimento intelectual, tudo bem. Estamos na elite de 2% dos brasileiros que chegam a um curso universitário [Ed.: Este percentual subiu em 2000 para 4.4% e hoje é aproximadamente 8%]. Mas nosso crescimento espiritual? Tem acompanhado o crescimento intelectual? Crescemos tanto no conhecimento da palavra e da vontade de Deus, quanto crescemos na sabedoria dos homens?

Mas afinal, para quê se aprofundar na doutrina?

Uma fé simples como a de uma criança já não salva?

Em nossa Comunidade, um jovem começa a argumentar a favor do batismo do Espírito Santo e contra o batismo de crianças. Será que ele está certo? Ou uma garota deseja estudar para ser pastora. Porque ela não pode, se, por exemplo, ela entende mais da Bíblia do que a maioria dos homens?

Às vezes, somos chamados a tomar decisões. Por exemplo: a Comunidade está dividida em dois partidos; de que lado estamos? Como decidir? Este certamente foi o caso na sinagoga de Beréia, quando Paulo ali expôs o plano da salvação e que Jesus era o messias prometido. Na época da Reforma, a situação era ainda mais grave. Cidades inteiras estavam divididas entre católicos, calvinistas e luteranos, aparentemente todos cristãos. Mas a inevitável decisão podia significar ao pai de família a perda do emprego, da casa e dos bens. Que faríamos nessa situação? A Bíblia nos conta que os de Beréia examinavam as escrituras todos os dias para ver se as coisas eram de fato assim, como Paulo falava. Certamente isto também ocorreu com os contemporâneos de Lutero, pelo menos com os que sabiam ler e tinham a bênção do acesso à palavra escrita. Será que nós agimos assim?

Como filhos de Deus, a tarefa que ele nos deu é de anunciar o evangelho no meio em que vivemos. Quanto a isso, Pedro lembra que “devemos estar sempre preparados para responder a todo aquele que nos pedir a razão da esperança que está em nós”. Estamos preparados?

Em nosso curso universitário, somos confrontados com ideias e conceitos científicos, políticos, éticos e morais. Qual é a nossa atitude diante de conceitos que entram em choque com a doutrina bíblica? Será que ficamos calados e omissos? Será que conhecemos bem a doutrina bíblica a respeito do assunto? Ou simplesmente vamos com a onda, sem pensar?

A maioria de nós nasceu em berço cristão, frequentou a escola dominical, doutrina e união juvenil. O autor da carta aos hebreus nos adverte: “depois de tanto tempo, vocês já deviam ser mestres, porém ainda precisam de alguém para lhes ensinar os princípios elementares da mensagem de Deus. Em vez de alimento sólido, vocês ainda precisam de leite”. Não é esse o nosso caso?

Depois de formados, sabemos qual a vontade de Deus para nós, como profissionais? Que princípios éticos vão guiar nossa ação profissional?

Estas perguntas todas nos levam ã conclusão de que o estudo da Palavra é importante em muitas situações, para muitos fins. Só que esta conclusão está incompleta. A verdadeira extensão da importância do estudo da palavra de Deus é ainda maior. Jesus lhe dá a dimensão correta, quando diz a Marta que uma coisa apenas é necessária: ouvir e guardar os seus ensinamentos, como fazia Maria. Esta verdade é difícil de entender. Só uma coisa é necessária? Mas... e o resto? Só pela fé podemos confiar na promessa maravilhosa que Deus faz a respeito do tempo que dedicamos a ele: “busquem em primeiro lugar o seu reino e a sua justiça e todas as demais coisas serão acrescentadas”. [Mt 6:33]

Vamos aprender com o salmista, que canta no Salmo 119: “terei prazer nos teus mandamentos, os quais amo. Quanto amo a tua lei! É a minha meditação todo dia. Grande paz têm os que amam a tua lei, para eles não há tropeço. Suspiro, Senhor, por tua salvação; a tua lei é todo meu prazer”.

Mas... não tenho tempo para nada!

Agora tu podes estar pensando: é fácil falar disso e concordo com tudo, mas é difícil fazer. Com a corrida que andam nossos dias, com as dificuldades do meu curso, não tenho tempo para nada!

Na administração do nosso tempo, às vezes temos medo de tirar o tempo do estudo, ou do trabalho, para estudar a palavra de Deus. Lembremos que a promessa que Deus fez no livro de Malaquias também vale para a nossa oferta de tempo: “trazei os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e provai-me nisto, diz o Senhor dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar sobre vós bênçãos sem medida”. Por isso, não há o que temer ao tirarmos tempo para Deus.

Na verdade, todos nós temos dificuldades de tempo e motivação para estudar a palavra de Deus. Por isso, ficam aqui duas dicas para enfrentar o problema:

    1. Leia todos os dias. O mundo à nossa volta nunca para de plantar ervas daninhas em nosso coração. A palavra de Deus, no entanto, como que capina o nosso coração. Quando cessamos o contato frequente com a Palavra, corremos o risco de sufocarmos nossa fé com as ideias do mundo. Faça um programa de leitura e dedique um tempo todos os dias para estudar, nem que seja um pouco. Além da Bíblia, pode-se ler também as confissões, ou livros que nosso próprio pastor recomendar.
    2. Aproveite todas as oportunidades e desafios, que ocorrem de tempos em tempos, para se aprofundar sobre um tema. Um novo livro que tenha sido recomendado, um estudo bíblico ou retiro espiritual, uma devoção ou uma aula que preparamos, um testemunho difícil a um colega bem preparado de outra religião, etc. Não devemos nos encolher diante das oportunidades que Deus nos dá.

Em resumo, Deus nos diz: “não cesses de falar deste livro da lei; antes medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer segundo a tudo quanto nele está escrito; então farás prosperar o teu caminho e serás bem sucedido. Não to mandei eu? Sê forte e corajoso; não temas, nem te espantes, porque o Senhor Deus é contigo, por onde quer que andares”. [Js 1:8,9]

Carlos Frederico Lange

(publicada em Convergência – Boletim Informativo da Associação Nacional de Universitários Luteranos (ANUL) - Ano 4, No. 2 – Agosto/1990)

(uma versão expandida desta mensagem foi recentemente publicada no Mensageiro Luterano)