Darwinismo: Se tudo tem uma causa natural, que lugar Deus ocuparia?

(Comentário de “Darwinismo: Se tudo tem uma causa natural, que lugar Deus ocuparia?” por P. Aragão publicado no Mensageiro Luterano de Julho, 2009)

A pergunta do título é pertinente e vai além da discussão sobre Darwin e a teoria da Evolução. O Pastor Aragão argumenta corretamente que o avanço da ciência, após o fim da Idade Média, progressivamente removeu a noção do ser humano como “coroa da criação” na natureza e do Criador como explicação para os fenômenos naturais. Com o risco de sermos controversos, queremos argumentar que isso não é tão mal assim.

É verdade que as teorias de origem do universo e da origem e evolução dos seres vivos têm sido abusadas por ateus para argumentar contra a existência de Deus, mas esse erro por si só não invalida essas teorias. Afinal, a doutrina cristã também foi abusada mais de uma vez para justificar atrocidades. Sem entrar no mérito da teoria de Darwin, podemos dizer que qualquer teoria científica hoje necessariamente exclui Deus como explicação para os fenômenos naturais. Até a teoria do Design Inteligente, caso um dia ganhe aceitação científica, simplesmente reduziria essa causa inteligente a uma lei natural, não divina. A razão para isso é o Método Científico, que requer acúmulo de evidências observáveis e mensuráveis e sua análise com o uso da lógica e com a formulação e teste de hipóteses para se chegar a uma teoria.

Enquanto aceitamos hoje sem problemas teorias como a gravitação e a relatividade, nós cristãos temos dificuldade, quando se trata de teorias sobre o passado distante do universo e da vida na terra. Essa dificuldade decorre da insistência em atribuir valor científico à descrição de Gênesis. Para usar um contra-exemplo, consideremos a concepção. Ao mesmo tempo que afirmamos que Deus nos criou a cada um de forma maravilhosa no ventre materno (Sl 139), nós cristãos aceitamos que a descrição científica do processo de fecundação e transmissão genética omita qualquer referência ao Criador e Mantenedor do universo. Essa distinção clara é feita tanto em nossas escolas, como no exercício da profissão médica. Da mesma forma, os cientistas cristãos precisam sempre separar a verdade revelada, repleta de ações sobrenaturais divinas, dos fenômenos naturais aparentes e observáveis, que são objetos da ciência. O Pastor Aragão explica bem que a Escritura não se preocupa em estar de acordo com teorias vigentes, mas quer nos revelar o que precisamos saber para nossa salvação. Em contrapartida, os cientistas cristãos não podem usar a Palavra revelada como base de suas teorias, uma vez que ali Deus nos explica coisas que só podemos compreender pela fé e que, por definição, não podemos observar ou concluir pela razão.

Por isso, concluímos que Deus tem papel proeminente na resposta às perguntas “porque estamos aqui?”, “quem somos?”, “o que significa a vida?” e “para onde vamos?”, que são fora do escopo da ciência (ao contrário do que parece implicar esse artigo), enquanto a ciência usa seus métodos racionais para tentar explicar “como” a natureza funciona e “como” (aparentemente) a natureza chegou até aqui. Nós, cientistas cristãos, não perdemos de vista o Criador quando trabalhamos, mas à semelhança dos advogados e dos economistas a nossa fé se reflete principalmente no comportamento ético profissional e ela não deve afetar objetivamente nossas teorias. Ao mesmo tempo que afirmamos pela fé a criação de Gênesis 1-3 e Hb 11:3, embasar teorias científicas nesses relatos seria equivalente a propor uma teoria econômica baseada em Mt 6:25-34.

Carlos F. Lange (Professor de Engenharia, Universidade de Alberta, Canadá) e

Émille Ishida (Doutoranda em Física pela UFRJ, Rio de Janeiro)

(publicado no Mensageiro Luterano, Agosto, 2009)