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Erótico por Bernardo Brandão

Sou eu

O meu desejo Teu

Sou eu

A minha vida em ti

Sou eu

a minha história vivida

Sou eu

A minha moral nascida

Sou eu em ti

Somos nós

Proposição Voo do Pássaro por Anne Joyce

Sutil como um terremoto

O pássaro voa

Calmo e intenso

Não sabe voar

Parece dançar

Não sabe dançar

Mas voa

Sutil

Calmo

Dança

Intenso

Não sabe

Mas voa


Vigia, Vigia por Caie Prado

Deus segue três em um

 Mas perdeu seu posto

Já não é o maior julgador O véu do tempo se rasgou Vazando tudo que é juízo E em flertes óbvios

Pastor e Governo se tornaram um só

 

 

A misericórdia é uma retórica que se come fria Ou como manga e leite.

Não dá bom.

Todo mundo sabe.

Tem sido melhor deixar de ladinho Seguir servindo. E repetindo:

Vigia, varoa! Vigia, vigia.

Homem é homem, mulher é mulher, Ela servindo ele.

Vigia, varão! Vigia, vigia. Cu não reproduz.

 

Vigia, vigia!

Não peca contra a castidade! Vigia, vigia!

Não come camarão! Vigia, vigia!

Não use poliéster! Vigia, vigia!

Não vote em comunista! Vigia, vigia!

Não deixe de dar o dízimo!


Eu, água por Bruna Nogueira

Sinto um rio

Descer

Pelas minhas pernas

Ele me inunda

De prazer

Me molha

Toda

Por dentro

Essa fonte

Escorre

Tão quentinha

Na tua boca

Que engole

Tudo

Não deixa sobrar

Nada

Trabalho todo feito

Por você

Pra você

Me comer

Deslizar

Todo duro

Dentro de mim

Em fluidos trocados

Excitação máxima

Lubrificada

Me transbordo

Na tua língua

1, 2, 3 por Caroline Diniz

Nem o 1, nem o 2 e, muito menos, o 3.

Quero engolir as vírgulas entre eles: degustar os ingredientes dos intervalos.

Nas vírgulas, reticências e dizimas periódicas 

Cabem tudo aquilo que não entendo:

Você e o outro de mim.

Quero misturá-los em uma superfície 

E descobrir como o sol germina,

Em silêncio, tudo aquilo que nem percebo.

Caso fosse escolher? Uma superfície verde-fresca: capim.

Prefiro tudo aquilo que ainda não vi.

Texto de Caio Barbosa

hoje não tá fácil

esses dias cinzas

bitucas nos cinzeiros

não foi fácil ontem também

mas no amanhã

tem teu pau teu fruto teu sumo

tem bocas novas

tem tua boca longe

que eu não me importaria de ser a única pru resto da vida

pra sempre é muito tempo

tempo que não é meu

tempo não tem dono

mas te juro se eu tivesse pra sempre eu dava

no amanhã tem mãos

tem futuros crescendo em jarros

tem siriguela na cumbuca

tem o caroço do amor

a gente chupa todo o bagaço e

fica com o caroço por um bom tempo na boca

até bem depois de perder gosto

Cama por Caie Prado

devagar iiiiin-oooon iiiin-ooon iiin-oon iiiin-ooon

in-on, in-on, in-on iiiin-ooon, in-on iiiiiiiin

ahhhr oon

iiin-ooon

in-on ahr in-on ahrr in-on isso!

in-on, in-on, in-on, in-on, in-on, in-on, in-on, in-on tô quase lá

pois não para iiin-on

ahhr

in-on, in-on, in-on, in-on ãnr, isso!

acho que eu vou

in-on, in-on, in-on, in-on, in-on, in-on mmmm vai!

iiin-ooon

iin-oon, in-on

faz logo dentro de mim iiin, ooon

tem certeza? vai, porra

in-on, in-on, in-on, in-on, in-on, in-on nossa, eu te

eu sei, vaaai

in-on-in-on-in-on-in-on-in-on-in-on-in-iiin-oonn-iiiin-on-in-in-ooon-in-on-in-on mmmmm ahhhrrrr

não sai… agora isso foi…

eu sei… deixa eu sentir lá dentro tu é tão…


o que?

sei nem o que dizer… tá tudo molhado aqui não tem pro...

a cama às vezes parece um burro relinchando né? [riem]


Texto de Daniella Ramos

Prefiro as cores e suas evocações

Prefiro o amarelo

A áurea do nascer do dia

Dourando os ladrilhos

Prefiro o azul

As presenças e aromas das roupas

Estendidas no varal no dia santo de domingo

A melodia do vento atravessando árvores

Prefiro o vermelho

De quando você cora

De quando colidimos

Prefiro o branco

Do açúcar cristalino

Das espumas do mar

De se desmanchar de saudade

Um dia desses por Carlos Eduardo Marques

Era terça.

Tempo nublado.

O todo céu cinza.

Pela janela do ônibus eu conseguia sentir o cheiro,

A vida, e a morte também,

Que ainda habitam aquele lugar.

 

Ali eu cresci, vivo a maior parte da minha vida.

O retorno às vezes mostra que ter saído foi a melhor opção.

Eu vejo retrocesso. Atraso. Uma parada no tempo.

A vida é carta de baralho que mesmo boa na mão de péssimo jogador,

Nunca terá um jogo feito. A vida é de coisa bicho.

Bicho que é louco, mas no final ainda não consegue permanecer vivo.

 

Aquele chão de terra que agora é piçarra.

Me leva logo pra infância.

As pedras da manchete no chão.

O correr sem machucar o pé.

A bola que ardia a pele ao ser jogada com força.

Queimado, cola.

Elástico, corda.

Minha mãe odiava me ver no meio dessas brincadeiras,

Ela não dizia, mas achava que era coisa menina.

Eu amava. Brincava, pulava, mentia.

Tudo pra está ali, fazendo o que gostava.

Minha infância foi vida boa,

Que hoje mesmo, quem sabe agora, nesse momento,

Era tudo que eu queria.

 

A simplicidade de cada momento,

O cheiro do café no começo dia,

A vida parava no tempo,

Parecia até fantasia.

A felicidade que tenho em mim, me tranquiliza,

Porque se tem uma coisa que conseguir aproveitar,

Foi essa infância que me pregou peças,

E deu as melhores lembranças que alguém podia ter.

 

A minha volta, mesmo que de passagem,

É um roteiro de tristeza.

Ver aquele bairro, como há dez ano atrás,

É entender o real sentido de estagnar no tempo.

Não sei de quem é a culpa. Só sei que o meu tio permanece morto até hoje.

E foi ali que ele perdeu a vida.

Talvez esse lugar nunca encha os meus olhos como já encheu uma vez.

Texto de Caio Barbosa

Os olhos por baixo dos óculos refletidos de luz

A barba por fazer cortava meu rosto

A mordida cortava o lábio

e o sangue sujava o pescoço

mas sangue nenhum cobria os mantos azuis

das tuas pupilas sobre mim

Debaixo das tuas mãos, meus ossos pareciam ocos

Meus suspiros pareciam paródias de grito

Minhas costas arqueadas, calabouço dos teus fetiches

Dedos que como pincéis pincelavam meu corpo

e me faziam virar arte

Entrelaçados como uma pintura renascentista

no claro escuro do teu beijo barroco

Contra as estantes, contra os livros espalhados fodias

e recitava poemas enquanto

Texto de Edimara Arcanjo

muito menina criança

já tinha o espelho nas mãos

mas não ousava perguntar

existe alguém mais bela do que eu?

que pergunta disparatada

era o que sempre achara

quando ouvia essa história

queria crer que não havia cabimento naquilo tudo

queria crer que não haveria nunca de caber num espelho

mas foi crescendo e foi vendo

a mulher diante do espelho

o corpo pequeno e magro a faltar dentro das roupas

a mulher a lhe dar comida

e o corpo a não encher, a não caber

a mulher a alisar os cabelos e perguntar se tá bom

o corpo querendo ter voz, o corpo querendo ser visto

foi crescendo e foi vendo

que o espelho existia em todo olho

que o espelho era mestre em responder

aos mais profundos medos

a mulher foi se segurando na imagem do espelho

a mulher foi ficando cada vez mais insegura

a mulher quis acreditar que a imagem a salvaria

e foi crendo que dava conta

a mulher nem percebeu

que a mulher, diante do espelho, mudou

mudou

e mudou pra onde?

foi tentar existir

do lado de fora

desse olho que tudo vê.


Texto de Eros Sester

A esquina da penumbra, dois olhos que te interpelam de um ângulo oculto, almas abstrusas que cruzam calçadas na contumaz epopeia notívaga, a cidade teimando para não adormecer, e ele, ou um pedaço seu, derrama as trôpegas memórias ao longo do cadenciado voltar-para-casa, em um pouco calculado zigue-zague na rua Bento Freitas.

 

Carrega na fumacenta mão direita, vagalumeando ao sabor do vento, um cigarro interminável, imediatamente reposto quando incendiado até o toco. Na urgente mão esquerda, uma garrafa bronzeada que se recusa a terminar, acumulando dentro de si a poeira citadina, as quentes borbulhas incapazes de molestar a ébria garganta, os ácaros, únicos bichos capazes de habitar o corpo humano sem reclamar. Na cuca, se é que importa, carrega Júpiter, uma densa e colossal massa de fumaça repousando na inóspita e fria galáxia.

 

Quarenta e quatro anos. Suspira. Quarenta e quatro anos, ele faz ecoar no profundo arco da cavidade craniana, Quarenta e quatro anos e até agora eu reuni mais dissabores do que êxitos, minha casa é uma coleção das memórias incrustadas nas intermináveis camadas de tinta – uma original, uma ainda mais anciã, as demais demãos cheirando às cervejas do poente, aos suores dos anoiteceres, aos olhos escancarados dos dormires inconstantes.

 

Ele tem uma ideia genial que evanesce na promessa da sua feitura, a grande cilada dos narcóticos.

 

Para sob um poste para acender mais um mata-pulmões, sua sombra se esconde com medo de ser flagrada em sua companhia. Um doce garoto com olheiras cuja envergadura e profundidade nenhuma teoria poderia prever, nenhum matemático poderia aventar, enfim, esse doce pedaço de paraíso desenhado por Alan Poe o interpela. – Que um homem daquele não tinha que estar sozinho, que ele desse um cigarro, porque sabe como é, eu sou de Mauá, as coisas tão fodas, deixei minha namorada e vim ver o que rolava, e tudo bem, qualquer coisa estamos à disposição, tem padê se te pilhar, senão então faz assim, ó, me dá mais um cigarro que não tem perigo, se qualquer um desses putos mexer contigo me chama, meu nome é.

 

O nome dele é. Não que ele não fosse capaz de lembrar. É verdade, e ele jamais negaria se um dia lhe interpelassem nesse grau de profundidade, que desenvolvera com primazia, no curso da sua odisseia boêmia, a capacidade de decorar nomes por uma noite. Até hoje, eventualmente, ele é fisicamente flagrado – e seu nome maculado –, no risca-faca do Arouche, no pub da Consolação, no basement ou no rooftop, e até no boiler room, maquiado ou vestido, florido ou opaco. Segue adiante.

 

Renan, alguém grita esse nome é tão seu. Alguém gritou. Tenho certeza, ele também tem, sentimos ecoando – até a moça ali na esquina da General Jardim estremeceu. Mas acho que não, acho que foi impressão mesmo, e que coisa feia, será que eu já tô na idade de ficar ouvindo vozes? será que eu procuro ajuda nisso aí? Ideia abandonada em segundos, tão arraigada quanto o devir desastrado dos passos que insistem porque não têm opção. Anticlímax esse tal desse grito aí.

 

Talvez fosse um certo narcisismo desesperado. Depois de certa idade seu nome é menos solicitado, isso é fato. Mas a impressão ficou lá, como a sombra impressionista do seu quase-andar na míope visão dos supostos olhos escondidos no ângulo oculto.

 

Pronto. Acabara a Bento Freitos e agora fitava em apressado desânimo a placa da rua. Então era esse seu nome… Havia muitos passos a serem dados, e talvez alguns cigarros acesos até o terminal. Mas a bebedeira é generosa. Ela dirime nosso sofrimento, quando o revisitamos. Paira indecisa a ideia antes de atravessar o largo, embora se saiba exatamente o que fazer. A ideia ricocheteia e medita.

 

Quem, se pergunta, Quem, afinal, foi Bento Freitas?

Não me come! por Cristine Cabral

Não me come!

Mas me cheira o cangote até arrepiar.

Não me come!

Mas me beija até eu suspirar.

Não me come!

Mas me abraça até eu gemer.

Não me come!

Mas deixa eu roçar na tua perna até eu gozar.

Não me come!

Mas quem disse que precisa comer para me foder?

tomara-que-caia por Hosanna Almeida

não conheci suas mãos.

 

     pedi apoio sem tocar-lhe os dedos

     fiz trocas com estes medos,

         selei meus segredos


                                e fui.

Saudade por Marcello Camelo

Abraço, beijo, calor, cheiro, sexo 

Sau...............dade, saudade, saudade

Distância cruel, s-a-u-d-a-d-e, saudade 

Na cama procuro em vão seu cheiro

Na despedida queria mais um beijo

Agora já longe, vejo fotos em vão

A saudade não acaba, só aumenta: SAUDADE.

Saudade, s-a-u-d-a-d-e, SAUDADE, sau...............dade...

 

Texto de Diane Xavier

I

 

Sinto teu cheiro

Teu gosto, teu corpo

Tua língua em brasa

Queimando, lambendo, excitando

 

Tua mão no meu cabelo

Puxando, cheirando, acariciando

Tua boca no meu seio

Brincando, mordendo, chupando

 

Tua boca sorvendo a água do meu sexo

Transformando em mar

Um gozo que é meu e que é seu

 

Que une nossos corpos

No vai-e-vem das ondas

Que fazem eu me perder dentro de ti 

Me deglutindo lentamente em toda sua imensidão

 

Imensidão de um mar-corpo

Que afoga

Que tira o ar

E que nos mostra

Que nosso tempo é o Agora

Chão por Ingrid Rocha

Cortaram-lhe as asas para que não dançasse 

Pois não sabia voar sem dançar 

Nem dançar sem voar 


E que vida teria? - pensaram 


Pois cambaleante 

seguiu Movendo-se aos 

solavancos 


Pelos caminhos adentro 

Aprendeu uma dança 

estranha 

Com os braços, o movimento das asas 

Com os quadris, o movimento do 

impulso Os pés conectados à terra

Os tambores, seus guias 


A poeira lhe subia 

Assim como o fogo por debaixo da saia 


Uma espécie de dança-voo

terrena Apoderou-se do corpo 

E o suor banhava-lhe a pele e o solo 

Até tudo ao seu redor virar lama 


E ali, não mais 

distinguia O que era si 

O que era barro 

O que era pulso


Tornou-se ave terreal 

Ave que voa com as pernas E com os ombros 

E com as ancas E com os cabelos 


O chão agora era o seu céu 

Texto de Marcelo Perilo

Chegamos à Serra da Calçada para fazermos uma trilha. A intenção era caminhar e contemplar algumas das paisagens estonteantes que ficam a poucos quilômetros de Belo Horizonte. Frank naquele momento seria meu guia e a certeza que ele tinha em tudo o que falava me fazia seguro para segui-lo. Era uma convicção não arrogante, deliciosa, sedutora. Soava natural, mas era fruto de muitos artigos científicos e trabalho de campo na Biologia.

 

Eu digo "ele", mas esse termo não é adequado para Frank. O meu guia não se incomoda em ser tratado com pronomes masculinos mesmo que o substantivo "homem" não lhe faça o menor sentido. Caminhamos por ao menos uma hora em uma trilha bem delimitada, com poucas bifurcações e coberta de cascalho. Nas bordas da trilha havia uma imensidão de seres do Cerrado em suas várias formas, tamanhos, cores e aromas. Se eu estivesse sozinho eu seguiria sem parar, pois queria o quanto antes a recompensa de chegar ao alto do mirante para melhor contemplar a região em sua obscena beleza.

 

Frank era meu guia e eu não cheguei tão rápido assim ao pote de ouro, pois de tempos em tempos ele indicava que parássemos nossa caminhada. A cada planta mais colorida ou rara ele se desviava de nosso caminho e, olhando fixamente para uma flor ou caule pendente, falava: "Quem é você?". Ele tocava a planta, cheirava, curvava todo o seu corpo magro e altíssimo em uma entrega única. Entendi que ele sentia o imperativo de parar e interrogar apenas as plantas que lhe eram desconhecidas porque outras tantas ele já havia tocado ou comido. Após breve análise de uma folha ou raiz, ele me contava sobre quais poderiam ser cada um dos seres não-humanos que observava. Começávamos novamente a caminhar rumo ao mirante da Serra da Calçada, mas facilmente um novo capim, uma nova flor, um novo arbusto fazia com que parássemos. "Quem é você?". Frank precisava reconhecer cada preciosidade nativa como se fosse um ente familiar do qual nunca tivera notícia e que parecia imediatamente vital.

 

Essa pergunta às plantas é um devaneio poético. O que uma flor pode dizer sobre quem ela é? Ela não precisa elaborar narrativa alguma. Ela é. O mesmo para o capim, os arbustos, as árvores, os biomas, os rios, as rochas, as serras, os elementos ferrosos. Eles não elaboram discursos sobre quem são. Eles são. "Quem é você?" é uma pergunta flagrantemente humana e, se for remetida a seres não-humanos, só pode gerar resposta alguma.

 

Aposto que se eu fizesse essa mesma pergunta a Frank, assim como uma flor do Cerrado, ele não poderia me responder. Ele não é "homem". Ele é. Esse flagrante eu tive ao longo da trilha e então percebi que minerei uma pedra que não supunha encontrar. Eu a encontrei antes de chegar ao mirante de uma das últimas serras de Minas Gerais.

Os irmãos por Jean dos Anjos

Tenho muita facilidade em mentir.

Por isso achei fácil dizer a ele que era, também, casado. Nos conhecemos no Mercado São Sebastião. Ele era carregador.1,65m, no máximo. Fazia o tipo macho parrudo, com cabelos cheios de luzes. Tinha dois filhos e esperava mais um. Contava da vida com orgulho. Eu adorava escutar suas histórias. Da primeira vez que fomos ao motel pensei que ele iria me comer. Mas não. Minha sina era me arrumar com homens passivos. Virou a bunda musculosa para mim e eu meti.

Um dia, tomando uma cerveja depois da trepada, falou-me de seu irmão. “Você já viu ele?”, perguntou-me. “Não”, respondi surpreso. “É o homem mais bonito do mercado. É altão, grandão assim, igual a ti”, disse botando a cerveja do copo quase toda na boca. Fiquei meio mudo. Mas ele continuou. “Tem um pauzão”. Então eu disse o que tinha que ser dito. “Vamos chamá-lo para tomar umas com gente?”.

Lascivo, ele olhava para o irmão com implacável desejo. Meu pau ficou duro desde a hora que vi o jovem. Sim, ele era um belo e grande rapaz. Tomamos quase uma grade de cerveja na 24 de maio. E eu tomei a iniciativa. “Bora num motel?”. Ele acenou a cabeça que sim. O irmão não disse nada. Quando chegamos, despi o rapaz com calma admirando aquele pau com veias dilatadas. Mas não houve tempo.

Ele abocanhou a pica do irmão como se fosse o último alimento do mundo. Sugava como se a sede viesse do âmago de seu ser. E, com pressa, espetou-se na vara do seu maior desejo. Gritava com as mãos na cabeça de alegria e prazer. Decidi que ali não era o meu lugar. Fiquei de longe, punhetando meu próprio pau. Gozei duas vezes. Os irmãos se acabaram ali mesmo. Gozaram muito.

Levei-os de volta para casa, na Caucaia. Já era de madrugada. Os dois foram no banco de trás do carro. Faziam carinho um no outro. Longos beijos e afagos. Quase se comem, de novo. Não trocamos nenhuma palavra. Desceram do carro de mãos entrelaçadas e entraram em casa, fugidios. Tenho muita facilidade em mentir.


Texto de Isabela Azevedo

não prefiro o caule que se quebra

não prefiro aquele dia que caí do parapeito e o sorvete se arrastou inteiro no meu rosto

não prefiro a vala nos pulmões e as vigas de concreto no estômago

não prefiro 2020

não prefiro a cor vermelha

não mais

não prefiro aquela mão craquelada, nojenta, dura

não prefiro a água no ouvido e no nariz

não prefiro 2018 longe de quem amo

não prefiro o cheiro de rosas

não mais

não prefiro usar sutiã

não prefiro usar calcinhas

não prefiro a água

não prefiro carne bem passada

não prefiro o professor edson

não prefiro desafetos

não prefiro não quebrar

não prefiro aritmética muito menos álgebra

não prefiro aquele dia lençóis escuro chão da sala o toque que é corte

não prefiro!

não prefiro minha mania de arrancar os cabelos

não prefiro vodka

não prefiro a segunda gaveta da cômoda no meu quarto com defeito aberta todo tempo fecho abre incansável ela

não prefiro meus pés longe da urucutuba

não prefiro dias tantos grandes dias sem sertão

não prefiro o insustentável torpor do corpo o mecanismo blasé intransponível

não prefiro saber

não prefiro o fio vermelho que tem outro nome e que sempre me leva de volta

não prefiro aquela memória

não prefiro a desmemória

não prefiro o mar

não prefiro a luta incessante pelo outro enquanto o teu quintal é destruído e todos os teus livros roubados

não prefiro depositar os meus dois olhos em mãos alheias furadas envenenadas não minhas

não prefiro o fungo nas plantas

não prefiro os sapatos que apertam as minhas joanetes mesmo sendo os mais usados

não prefiro que saia

não prefiro as tuas mãos gesticulando enquanto fala apartadas de mim

não prefiro que entenda

não prefiro o que não grita

não prefiro o que não dança

não prefiro a soberba daquele boy como se fosse grande bosta

não prefiro essa coisa assim sem nome essa violência descabida do papel essa dor abismal dos corpos esse buraco sem fundo aquele nome escroto

Texto de Victor Furtado

Dias que amanhecem chovendo me fazem não sentir culpa por ficar mais tempo deitado, ocioso. Acho que há uma semana que não me travo em autoanálises. Não sei se posso dizer que fico feliz com isso porque esse estado é geralmente um precedente a me afundar mais uma vez. Mas é isto, não ando pensando muito sobre. Existem esses momentos em que os meus restos organicamente se gerenciam em prosseguir sendo. Uma autopoiesis-metaformose dos cacos. Cacos vivos que se misturam em larvas, em pupas, em completude. Restos, restos, restos. Às vezes acho que só escrevo pra conseguir lembrar de um algo que nem sei se existe. O que já foi, o que vai ser. Sinto cada vez mais que tudo que preciso é aprender a capturar os momentos de tudo. Minha cabeça vaga. Adoro o silêncio da tarde, é o meu favorito do dia. Não lembro a última vez que tomei café. Faz tempo que não penso sobre as minhas certezas. Será que me faz bem desabafar tanto assim para os outros? Penso bastante sobre muita coisa. O diabo oficina é nas cabeças cheias. Está nos detalhes, e assim vejo. Parece que vejo a vida passar e não consigo acessá-la, ou pelo menos esqueço disso quando a acesso. Sempre passam passarinhos na minha janela. Passam passarinhos. Ninhos. No final das contas, acho que estou aprendendo. Cada um tem um tudo. 

Erotismo por Lali 

É:

Sentir

Fazer-se (me)

Sentir no outro

Numa provocação recíproca

Descobrindo o gozo

  no gogo do outro

Um circuto viciante mas,

Perfeito, no verdadeiro sentido,

  de viver consigo mesmo

Sair de si

olhando-se no nu do outro

Enquanto se descobre

  O prazer de estar vivo

Texto de Isabella Bettoni 

                         (em conversa Wislawa Skymborska)


Prefiro continuar nas

tentativas e errar tantas 

seguidas vezes ser só, ser 

medo, ser sonho, 

e nunca deixar de mergulhar em mim 


Prefiro ser bicho e uivar para

a lua me fundir com a natureza:

derreter ao sol deitada na terra

desaparecer no rio

correr na grama, em plena nudez 

dançar ao redor da fogueira com minhas irmãs 


Prefiro escutar meu corpo 

As marcas na pele: roxos e cicatrizes do desconhecido e do risco 

que prefiro agora acolher 


Prefiro me perder pelas ruas 

da mesma cidade onde sempre 

vivi 

Prefiro cantar desafinada 


amar sem 

limites 

desafiar 

as regras 

Texto de Letícia Almeida

naquele dia

tua buceta em flor

se abria

minha língua com teu sabor

já sentia

escorrendo o calor

eu cachoeira

bebendo inteira

tua rebeldia

sobre mim

Texto de Matheus Bodnachuk 

Meu nome é Matheus, não é muito difícil saber que é um nome de origem bíblica. Apesar de pequena, ou pequena como ainda insistem em levar em conta o meu biológico, ainda me permito chamar Matheus. Porém vivo em eterna transição. Senti-me Matheus ou quem sabe Madalena, Maysa. ou Marlene nome da minha bisavó e posteriormente nome que foi dado à minha mãe. Sou muito intensa e sei que o masculino me assusta. A única coisa que me dá força para seguir é que eu sei, eu sinto que Deus é mulher e que a minha força é ancestral.


Texto de Lola M.

A erótica não tem sido. O toque de olhares apaixonados ou sedentos não se trocam com os meus há tempos. Há meses, há dias, há um ano. Há um ano o silêncio das palavras de entrelinhas sensuais aumentam o silêncio do corpo, que aumenta o silêncio da alma. Para onde irá se mover o meu desejo, quando acabar esse deserto que parece nunca acabar, que parece um nunca mais?

 

Hoje o tesão das celibatárias talvez seja o meu, ou talvez eu o desconheça, mas julgo, um desprazer vazio.

 

À noite por debaixo e por cima dos lençóis surgem rostos, sem que os chame. No paraíso e no inferno das memórias boas. Pequenos gestos e palavras, a forma de sorrir, a forma de andar, e principalmente, a textura das peles não mais presentes.

 

Não troco mais promessas de cama, nem beijos, nem troco carícias. Um ano sem festa, sem esquema, sem delícias.

 

Mesmo que gozando, o jejum do toque - da outra, de outre, do outro, - parece emagrecer e definhar algo de criatividade, algo de vida, algo de verdadeiro em mim. E eu que passo a língua nas costas da próprias mãos, que seguro os próprios seios com tesão, só posso me perguntar: quando? Quando tornarei a tecer a ponte de generosidade dos rios e da lava?

Texto de Larissa Baía

Prefiro papel

Prefiro cactos

Prefiro andar descalça no chão gelado

Prefiro contos a fábulas

Prefiro-me acreditando no amanhã

do que esperando uma eternidade

Prefiro a tinta e o pincel na mão, em caso de expressão

Prefiro a luz

Prefiro não crer

que é o fim de tudo

Prefiro intervenções

Prefiro acabar cedo

Prefiro sentir o calor do sol da manhã

Prefiro ações a palavras

Prefiro a lógica do desapego

do que a carência da solidão.



Poesia deslocada de Renata Marques 

Isso é um convite

para que você

se desloque na poesia

devagar

como uma gota

de água

pin

      gan

             do

ou arrastado

como uma herança de gerações.

 

Isso é um convite

para que

seus olhos ouçam

sua boca veja

seu tato cheire

meu corpo adornado

pele humana.

 

Isso é um convite

para sustentar

em minha direção

sua pulsão de vida

encorajado

pela sedução

dessa conexão.

 

Isso é um convite

para não refugiar

apenas

em mim

o desejo

e nem te confundir

com os outros

esta noite.


Texto de Richelle Gomes

A ausência daquele som que expressava tão genuinamente a beleza da fluidez com fins bem delimitados, me deu a oportunidade de refletir sobre colocar no meu corpo as marcas do limite.

 

Sobre o chá da tarde com a folha da jibóia 


Texto de Sandy Falcão

é festa

quando nubla o céu

no sertão.

as plantas, safadas,

verdes,

umas viçosas,

ao sentirem que vem

chuva,

se arreganham todas

e todo mundo sente

o cheiro

das células se abrindo

pra receber o líquido

gozo

do céu 


Conversa de horas com um sutiã-mulher por Sandy Falcão 

ela passou a vida

a prender

reprimir

amarrar

 

quando me contou

sua história

me senti mais

tentada

a ajudar a livrar

mamilos

mulheres.

Texto de Thayla Amâncio

O tique-taque, os movimentos do vento, esse balançar e sons naturais que me recordam dos barulhos entorpecentes que fazíamos naquelas noites. Noites em constante busca por tocar as partes escondidas. Você me mapeava como a viajar por mim. Redescobrindo e a descobrir novos países de mim.

Vorazmente eu me agarrava a você. Com pressa, arrancando suas roupas e ardendo em chamas, quase em delírio.

Eu te agarrava com fome, ansiando e temendo a entrega, a morte e meu encontro com o abismo.

Eu tremia e vibrava como um instrumento de cordas. E você habilmente me tocava, prestava atenção nos sons que eu emitia. Eu me embalava, traçando minhas mãos por seu corpo, como se desenhando você, recriando você com minhas mãos e sensações.

Oh, os cinco sentidos, meu amor. Eu derreteria em suas mãos de artista fervoroso.

“Venha...” Eu gemia no seu ouvido. Você sorria calmamente, abrindo minhas pernas e finalmente eu sentia. Sim, gloriosamente eu te sentia entrar e me habitar. Um calor me preenchia e a sensação de tontura aumentava progressivamente enquanto nos movimentávamos e murmurávamos nossos nomes. Dançávamos.

Não era mais só EU. ÉRAMOS. JUNTOS. Comunhão de corpos. Em combustão o meu corpo chegava ao ápice.

Morríamos naturalmente...

 

Cai do relembrar. Cai em mim. Volto aos afazeres, a realidade aqui presente. O gozo acabou, por enquanto, lamento somente.

O jornal avisa milhares de mortes. E eu sinto como se alguém entrasse abruptamente em meu corpo, sem aviso. Será que me estupram ou me matam? Sensação desconfortável do ser colonizado, marcado, assassinado, esquecido.

Difícil expressar ou esclarecer.

A morte não mais vem pelo prazer e do agridoce da comunhão. Vem pela brutalidade, pela violência.

Lá fora todos ilhados. Mais um latido de cachorro, outro barulho ensurdecedor e enfim, o silêncio. 


Para Clarice por Tamara Aquino 

Você chegou na caixa do meu clube de leituras,

numa ilustre moeda colecionável.

seu rosto severo, carrancudo.

seus cabelos curtos e arrumados.

 

seu nome num letreiro.

 

já tinha te visto por aí.

me esbarrei contigo em livrarias

e te levei algumas vezes pra casa.

mas nunca te ouvi.

 

talvez eu não te compreendesse.

antes.

é, talvez seja isso.

só que agora é diferente.

 

desde que chegou,

de novo,

passei a te olhar,

escutar,

entender.

 

você me lembra da minha mãe.

mulher que traz no corpo a marca Maria

e que me ensinou a ter

a tal estranha fé na vida.

 

se um dia tiver uma filha,

quero chamá-la de Clarice.

e a ela, te darei.

quiçá será para ela, 

as respostas

para algumas possíveis-muitas-perguntas;

assim como é pra mim.

Onanismo - Vagner Gonzaga

no calor que corre as veias

e me ergue

sol a pino

sinto a primeira lágrima

escorrer

 

enquanto teu fantasma

carinhosa e quente

toca em véu

em meu pau

e falo

 

apenas silabas tônicas

 

me conduz a mente teu suspiro

e sinto em saliva o gozo em meu ouvido

 

nos últimos espasmos-possessão

te vejo no escuro

te sinto em penumbra

e em meu golpe final

disparada

percebo derramar quente

em meu peito

esquerdo

 

levanto

retorno as ligações

Identidade por Tatiana Tavares

Eu sou a pessoa que caminha um pouco todos os dias

para não ter que correr uma maratona em um único dia.

Que opta pela organização, o planejamento,

para que possa me desplanejar e mudar o percurso.

Percebo o amor no contato dos dias, baixinho

e não nos atos espalhafatosos e que gritem.

Os pés no chão e a cabeça nas nuvens,

me equilibrando entre realidade e fantasia para conseguir ser feliz.

Amo cores frias, evito as quentes.

Alguém que fique ao meu lado em silencio,

ao invés de me aconselhar do que não sabe.

Busco as certezas, apesar de amar a arte

e arte é incerteza.

Gosto da sensação de achar que estou em construção,

sendo aprendiza,

do que a sensação de já saber das coisas.


Texto de Victor Furtado

É aquilo que já foi quando ainda não veio. É o mais próximo que tenho de tocar um momento. É o que está no ar. É a curva do quadril deitado na minha cama. É a concentração de pelos aqui e ali. É quando vi as coxas daquele ciclista pelo milissegundo bastante. É o jeito que aquele cara me olhou na fila do banco. É como ficamos em silêncio no bar. É o cheiro daqueles cabelos. É a sensação de esfregar minha cara nos teus pelos. É o teu olhar fixo em tudo menos nos meus olhos. É o que pulsa o meu sangue quente. É o que faz meu animal ser gente. É o encarar. É o se deixar ser encarado. É o meu tesão que, quando dou por mim, nem parece que realmente aconteceu.