Memórias do Corpo - Parte 1

Estefânia Freitas

Elisa Maria

Pamêla Soares

Sabrina Moura

Renata Rodrigues

Lizi Menezes

Mayara Torres

Tatiana Tavares

Annanda Vieira

Karla Cristine

Vitiligo

Dos sentidos mais remotos.

Uma dor que lembro

Gelada como nunca senti

Jato, frio, quase cortando

Eu não quero colorir

Eu até gosto, parecem nuvens...

Emile Castro

É o momento que tenho para cuidar das minhas histórias, que eu me olho e tiro todo peso que meus ombros carregaram. Sentir meus pés na água, esses que incansavelmente me sustentam e tão pouco cuido deles durante o dia. O alívio que é botar a cabeça embaixo d'água, como se vestisse ela, poder sentir em cada parte do meu corpo a leveza e a esperança... que o banho leve todos os pesos do meu dia.

Letícia Ramalho

Olhar, olhos, olhares. Dizem que os olhos são as janelas da alma, nunca entendi muito bem esse ditado. Porém através dos meus olhos é que me reconheço, é através dos olhos que o conhecimento entra em mim. Com os olhos posso ver coisas grandiosas, ou coisas tão simples que se tornam grandiosas. É por meio dos olhos que consigo fotografar e reter em mim lembranças de dias vividos.

Ananda Martins

Cresci pintando teus cabelos, às vezes meio desengonçada, meio sem saber o que estava fazendo, mas sempre com muito amor. Lembro de nunca usar as luvas direito e sempre ficar com as mãos manchadas, e eu adorava aquilo, era como se fosse uma lembrança de um momento bom que passamos juntas. Hoje em dia já não pinto mais seus cabelos, você prefere ir ao salão, mas meus dedos pediam por tinta e eu continuo aqui tentando criar meus momentos bons, dessa vez comigo. 

Cleyce Costa


Dedos

Rígidos, enrugam com o tempo. Clara era a pele. Grossa. Asquerosa. Apertam.

 

Um grito escondido. Entalado. Preso. Impedido. Nó na garganta. Ódio. Nojo. Dor. Vergonha. Ajuda! Silêncio.

 

Pessoas egoístas. Por que ninguém vê? Se vê, por que ninguém fala? Perigo!

 

Desce. Um alívio. Violência. Socorro!

 

Uma menina, comum como outras. Mais um dia, invadida.

Patrícia Costa

Eu não recordo a primeira vez que o vi. 

Carrego imensos bloqueios na minha memória.

Guardo apenas flashes e narrativas de outras pessoas.

Elas me relatam o que eu fui, o que eu vivi e eu acredito.

Faço das memórias outras, as minhas.

Mas o carrego em mim.

Distante, fecho os olhos. Chega o seu som fluído, feroz… 

Ondas batem. Exala o cheiro.

Há um aroma de coragem. Há qualquer coisa de abrigo.

Há medo. Há vontade.

Integrado a mim.

Sigo a afundar e a flutuar.

Ana Beatriz Freitas

A mão..

Que me toca

Que toca ela

Que me ampara

Que faz eu entender que tem coisa que só vai depender de mim

Que na maioria das vezes quando estou nas crises de vida é a única que sinto que posso contar

Que serve pra eu demostrar carinho de forma física

Que enxuga minhas próprias lágrimas e as de quem eu amo quando necessário

Que eu sinto minha história pulsar

Que serve de ponte energética quando vai de encontro com a mão de um outro alguém misturando assim nossas energias, essências..e no meio dessa mistura toda, a gente vira um, naquele momento transbordando de amor e fazendo o tempo parar pra assistir a gente e a gente se assistir existir.

Beatriz Caldas

Ladeira

 

Milhares de blocos tão pequenos

Em padrões assimétricos embaixo

Dos meus pés cansados

E só diziam

Sobe sobe sobe

Enquanto sentia a dureza de cada

Pedra, áspera

Era tão íngreme

Sobe sobe sobe

Primeiro doem os pés

Depois canelas, coxas, quadris

O corpo inteiro sofria

Sobe sobe sobe

E nunca acabava a subida

Naquelas milhares de pedrinhas

Sobe sobe sobe

Podem ter sido minutos, mas

Para mim

Parecia infinita

Karine Gallas

Desde muito cedo soube que não seria fácil ser menina fazendo o que eu gostava! Olhava ao meu redor e tudo parecia meio injusto, desde as brincadeiras até o jeito de vestir. Menino era sempre mais livre em tudo. E as brincadeiras? Sempre eram as mais legais, não que brincar de casinha fosse ruim, mas nada comparado a soltar pipa, carrinho de rolimã ou jogar bola de pé! Correr livre de pés no chão... Até hoje na minha memória era a maior sensação de liberdade que eu poderia descrever. Volta e meia estava lá eu no meio deles. Era sempre um grupo de 7 a 10 meninos e só eu de menina. Minha mãe fazia questão de dizer em alto e bom som: O que você faz no meio de brincadeira de menino? Uma interrogação sempre se agigantava sobre minha cabeça... tenho certeza que, se na época tivesse mais entendimento, perguntaria de volta: E brincadeira tem sexo? Enquanto sua voz ecoava eu pensava: Brincadeiras foram feitas para divertir, não importa quem! Minha infância foi sempre assim... Eu e as brincadeiras que o mundo adulto insistia em dividir entre ser de menino ou menina. A mim pouco importou se elas constavam em categorias de gêneros, o que contava é que naqueles instantes, eu de pé no chão, me sentia a mais feliz de todas as crianças!

Bruna Mabellz

Lembranças remotas e rotineiras do corpo, da pele. Basta deitar... o comum é o susto do aconteceu de novo: desprender-me da suposta solidez e... pairar.

É imposto-me a dilatação, sou só um suspiro.

Um sopro me espalho feito poeira.

Só difere de uma tarde em que morri, rompi a dimensão...

Tempo sem presença nem ausência

Angústia ao descobrir que agora eu só existia para mim

Não me eram oferecidos nem saudades nem lembranças

Resquícios de lembranças minhas só existiam para mim.

Que agonia. Encontrei deus. Odiei. Deus era eu. Tão simpático, tão severo. Chorei... por tudo que eu-deus mostrou a mim. Conversei-me, sem permitir equívoco

Muito parecido com o diálogo entre N. Sra. e João Grilo naquela cena em que ele é condenado a ir para o inferno.

Também pude voltar. Diferente dele, não para a mesma vida, mas com a mesma consciência. Pari-me feito sementes ao germinar. Voltei a sentir o peso do corpo. Novo corpo constituído.