Introdução

Música

Desde a Antiguidade Grega que a Música é vista como uma arte matemática.

O que há de mais sábio? – o número! O que há de mais belo? – a harmonia. Eis o paradigma da escola pitagórica a quem se deve a primeira interpretação matemática da estética musical, baseada nas proporções que estão na origem da formação dos intervalos consonantes.

Todos sentimos, no mínimo de forma intuitiva, que existem ligações profundas entre Matemática e Música. Compreender essas ligações poderá revelar a conexão secreta que une as várias atividades da mente humana. Não poderá a Música ser interpretada como a Matemática dos sentidos e a Matemática como a Música da razão (Sylvester)?

A Matemática é de facto usada para analisar ritmos musicais, para estudar (i) ondas sonoras que produzem sonoridades musicais (análise de Fourier), (ii) escalas e temperamentos (iii) a afinação atual dos instrumentos musicais. Também se usa para tentar explicar alguns aspetos da composição musical – uso de padrões e transformações geométricas, análise estocástica, análise combinatória, topologia, grafos, aritmética modular, teoria de grupos, fratais, etc…

Nesta área existem vários trabalhos que ilustram a ampla diversidade das ligações entre Matemática e Música, e que simultaneamente podem ser usados como material de apoio pedagógico no ensino de ambas as disciplinas.

http://cmup.fc.up.pt/cmup/arte/musica/index.html


A Matemática nas Escalas Musicais

A matemática e a música têm funções muito diferentes na sociedade. No entanto, estão mais intimamente relacionadas do que geralmente se pensa. A música, com toda a sua paixão e emoção, também é baseada em relações matemáticas. Noções como a de oitava, acorde, escala ou tonalidade podem ser desmistificadas e compreendidas logicamente, usando a matemática.

A matemática também está relacionada com questões de estética musical. Por exemplo, um músico experiente consegue ouvir um trecho musical, observar a sua estrutura musical e acompanhá-la correctamente, mesmo sem conhecer ou ter ensaiado previamente a melodia, por ser capaz de reconhecer padrões e formas familiares. Este tipo de raciocínio assemelha-se muito ao que acontece quando se estuda matemática, onde a identificação de relações e padrões é parte essencial.

Uma das estruturas musicais que está intimamente relacionada com a matemática, é a noção de escala musical. Uma escala musical é uma sequência ordenada de tons pela frequência vibratória de sons, (normalmente do som de frequência mais baixa para o de frequência mais alta), que consiste na manutenção de determinados intervalos entre as suas notas. Vejamos então como a matemática está envolvida na construção desta estrutura musical.


Conceitos importantes

Antes de falar sobre as escalas propriamente ditas, é conveniente clarificar alguns conceitos, nomeadamente os conceitos de:

Som - onda (ou conjunto de ondas) que se propaga no ar com uma certa frequência; para as que se situam na faixa de 20 a 20.000 Hz, o ouvido humano é capaz de vibrar à mesma proporção, captando essa informação e produzindo sensações neurais, às quais o ser humano dá o nome de som.

Nota musical - termo empregue para designar o elemento mínimo de um som, formado por um único modo de vibração do ar. A cada nota corresponde uma duração e está associada uma frequência.

Intervalo - uma diferença de tom entre duas notas; denominam-se intervalos harmónicos se os dois tons soam simultaneamente e intervalos melódicos se eles soam sucessivamente.

Acorde - é a escrita ou execução de duas ou mais notas simultaneamente.


Vejamos agora algumas escalas importantes em termos musicais e a sua relação com a matemática.

Escala Pitagórica

Pitágoras desenvolveu a primeira escala musical com base matemática da história ocidental. Na Escola Pitagórica a Música era considerada como estando ao mesmo nível da Aritmética, Geometria e Astronomia. A Música era a ciência do som e da harmonia.

Os antigos gregos descobriram que, para uma nota de uma determinada frequência só as notas cujas frequências eram múltiplos inteiros da primeira poderiam ser convenientemente combinadas (consonantes). Se, por exemplo, a nota de frequência 220 Hz era tocada, as notas com maior consonância com a mesma seriam as de frequências 440 Hz, 660 Hz, 880 Hz, etc. e seriam percebidas como versões mais agudas ou graves da mesma nota. A razão mais importante entre frequências é, por isso, de 1:2, que no sistema de notação musical ocidental é chamado de um intervalo de oitava (por existirem 8 notas, ou tons inteiros, entre as duas frequências). Sempre que a razão entre frequências é de 1:2 estamos em presença de um intervalo de oitava. Outras razões permitem construir outros intervalos os de quinta (2:3), quarta (3:4), terceira maior (4:5) e terceira menor (5:6), todos importantes para a criação dos acordes.

A diferença entre uma quinta e uma quarta era definida como um tom inteiro, e resulta numa razão de 8:9.

A afinação de um instrumento pela escala pitagórica define todas as notas e intervalos de uma escala musical a partir de uma série de quintas com uma razão de 3:2. Assim sendo é, não só um sistema matematicamente elegante mas também um dos mais simples de afinar.

Partindo do intervalo de oitava dado pelas frequências genéricas fo e 2fo pode-se formar a escala pitagórica, desde que se mantenha os intervalos (ou seja as razões numéricas) entre as notas. As notas obtidas formam a chamada escala diatónica de sete notas que conhecemos vulgarmente por Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si. Se calcularmos os intervalos entre todas as alturas da escala diatónica teremos apenas dois valores: (9/8) e (256/243), chamados respetivamente de tom pitagórico diatónico e semitom pitagórico diatónico. Obtém-se assim uma escala com 7 notas diferentes como as da figura 1.

Os estudos de razões “harmónicas” e proporções eram a essência da música durante a época dos pitagóricos. A partir da Idade Média, no entanto, com o desenvolvimento de música mais complexa, observou-se que, embora as razões fossem “perfeitas”, ocorriam problemas quando acordes particulares, diferentes tonalidades ou escalas com mais notas eram utilizadas.

O problema derivava da definição dos intervalos de terceira, quinta e oitava quando definidos por números inteiros. Ao adicionar vários intervalos de terceira e quinta sucessivamente a uma nota de base, nunca se consegue atingir novamente uma oitava da nota de base. Quer isto dizer que adicionar tons inteiros definidos pela razão 9:8 a uma nota de base de frequência fo, nunca permite criar uma nova nota de frequência 2fo, 3fo, 4fo ou semelhantes.

Surgiu assim a necessidade de um sistema de afinação alternativo e de outras definições de escala.


Escala Bem Temperada e Igualmente Temperada

Johann Sebastian Bach introduziu, no século XVIII o sistema do “bom temperamento”. O temperamento envolve o ajuste dos intervalos da escala pitagórica de tal forma que uma oitava era dividida em intervalos que permitiam tocar em qualquer tonalidade e eliminar o problema das notas nas oitavas não serem coincidentes. Inicialmente existiam vários métodos de afinação “bem temperada”. O que sobreviveu até aos nossos dias foi o sistema com uma escala de doze semitons igualmente distribuidos pela oitava (escala igualmente temperada). O pai de Galileo, um músico teórico, foi um dos primeiros a propor este sistema, no século XV, embora este só tenha sido adoptado como referência no século XIX.

Nesta escala, um tom inteiro já não é definido pela razão 9:8=1,125 mas por dois semitons (cada um expresso como 2^1/12 ) obtendo o valor numérico de 2^1/12 x 2^1/12= 2^1/6=1,1225. Assim sendo, se chamamos i ao intervalo entre cada semitom da escala temperada, um intervalo de quinta (7 semitons) é i7, um intervalo de quarta (5 semitons) é i5, um intervalo de segunda maior (2 semitons) é i2, e assim por diante. O intervalo de oitava (12 semitons), dado por i12, tem a relação de 2/1, que corresponde à oitava pitagórica.

Pode-se calcular qualquer outro intervalo da escala temperada usando-se a expressão in = 2 n/12, onde n é o número de semitons contido no intervalo. Por exemplo, para calcular a frequência de um Mi quinta acima (7 semitons) de um Lá de 440 Hz temos:

Fi = fo * 2 n/12 = 440 * 2 7/12 = 440 * 1.498 = 659,25 Hz

Foram propostas e existem actualmente várias escalas temperadas. No entanto, a escala de doze semitons igualmente temperada é a única escala igualmente temperada que contém os sete intervalos consonantes com uma boa aproximação (cerca de 1% de variação em relação ao intervalo “puro”, ver tabela 1) e contém mais intervalos consonantes que dissonantes. Por isso, é provavelmente a melhor solução de compromisso de todas as escalas possíveis, sendo essa a razão pela qual é a escala de referência no mundo ocidental e a sua utilização é comum em todo o mundo.

A principal questão das escalas e sistemas de afinação temperados é que embora o ouvido humano prefira os intervalos “puros” pitagóricos, uma escala temperada é necessária para a execução de música mais complexa com acordes e instrumentação variada. De um modo geral, os indivíduos preferem escalas musicais com muitos intervalos consonantes (que “soam bem”). Não existe uma lista definitiva de intervalos consonantes porque o conceito de consonância envolve um julgamento estético subjectivo. O que é facto é que os músicos actuais têm que se adaptar ás pequenas dissonâncias da escala temperada para afinar os seus instrumentos.

Quer isto dizer que vivemos agora num mundo de escalas igualmente temperadas? Não propriamente. Atualmente vivemos num mundo onde a música de Bach será tocada num instrumento bem temperado, a música medieval executada utilizando a escala pitagórica e Chopin num piano igualmente temperado. A tendência atual é para tentar reproduzir, sempre que possível, a sonoridade da época em que a composição musical foi escrita. Para tal o conhecimento e uso de uma afinação específica e das relações matemáticas entre as notas aqui abordadas é fundamental.

https://www.matematicaviva.pt/2013/11/a-matematica-nas-escalas-musicais.html


Figura 1 (Escala pitagórica)


Tabela 1

Pitágoras e a Música:

Nenhum músico teve tanta importância no período clássico quanto Pitágoras. Conforme conta a lenda, Pitágoras foi guiado pelos deuses na descoberta das razões matemáticas por detrás dos sons depois de observar o comprimento dos martelos dos ferreiros. A ele, diz-se, se deve a descoberta do intervalo de uma oitava como sendo referente a uma relação de frequência de 2:1, uma quinta em 3:2, uma quarta em 4:3, e um tom em 9:8. Os seguidores de Pitágoras aplicaram estas razões ao comprimento de fios de corda num instrumento chamado monocórdio, e, portanto, foram capazes de determinar matematicamente os tons de todo um sistema musical. Os pitagóricos viam estas razões como governando todo o Cosmos assim como o som e Platão descreve na sua obra, Timeu, a alma do mundo como estando estruturada de acordo com estas mesmas razões. Para os pitagóricos, assim como para Platão, a música tornou - se uma natural extensão da matemática, bem como uma arte. A matemática e as descobertas musicais de Pitágoras tiveram, deste modo, uma crucial influência no desenvolvimento da música através da idade média na Europa.

http://www.exatas.com/matematica/pitagoras.html#musica