Diário quase íntimo

Diário quase íntimo é um projeto desenvolvido com os alunos  do 6º ano em 2020

Propus aos alunos escrever um diário  de um rapaz, ou uma rapariga, com a idade deles. Nele deveríamos integrar pinturas que ilustrassem de algum nodo as entradas do diário.

Para dar um empurrãozinho, as duas primeiras entradas foram escritas pela professora bibliotecária a partir de elementos selecionados pelos alunos.

 Esta atividade é desenvolvida nas aulas de Cidadania e Desenvolvimento (cuja professora é a PB) e em casa.


1/1/202

Domingo

 

Querido Diário:

Resolvi adoptar a máxima de toda a gente nesta altura do ano, “ano novo, vida nova” e, por isso, agarrei-me à ideia de escrever um diário. Apesar de a minha casa estar sempre cheia de gente (o meu pai Luís, a minha mãe Ester, a minha avó Rosa, a minha irmã, Amália, o meu irmão António, a Emília, que vem cá duas tardes ajudar a minha avó nas limpezas e na cozinha e ainda o Pitufo, o meu cão), não sou muito de contar a minha vida a nenhum deles.

 A minha mãe anda sempre de um lado para o outro atarefada entre a biblioteca onde trabalha, os afazeres domésticos, a pintar quadros lindos que depois espalha pela casa e a apaparicar o Tó. Por vezes, passamos muito tempo na Net a pesquisar obras de pintores que desconhecemos. Gosto muito destes momentos porque me sinto muito próxima da minha mãe. Ambas nos sentamos frente ao computador a comentar e a observar os pormenores dos quadros. A minha mãe procura inspiração e ideias para as suas pinturas e eu “viajo” com as cores e com as paisagens e invento histórias a partir do que vejo. Quando encontramos um quadro de que gostamos muito ficamos em silêncio a olhar para ele, depois eu guardo-o no meu computador, numa pasta que se chama “os meus quadros preferidos”.

O meu pai está pouco tempo em casa, com o tempo sempre contado entre os doentes do hospital e os do consultório dele. No entanto, ao fim de semana, está sempre connosco e tenta matar as saudades que tem de nós. Gosto muito quando ao sábado, ao fim da tarde, ele chama a família para jogar o jogo das palavras. A minha avó e a minha mana nunca jogam porque têm sempre outras coisas para fazer e o Tó, como conhece poucas palavras, joga com a minha mãe. O meu pai é muito bom neste jogo e ganha a maior parte das vezes, mas eu já lhe consegui ganhar. Ele diz muitas vezes que a letra mais bonita é a “A” porque é a primeira do alfabeto e a mais utilizada. Deve ser por isso que o meu nome e o dos meus irmãos começam por essa letra.

 A Amália é irritante. Tem quinze anos (mais três do que eu) e acha que já é uma grande senhora. Está sempre preocupada com as roupas, os namorados e as amigas, coisas que não me dizem nada. Para ela eu sou um rato de biblioteca, ou melhor, “um rato de quarto”, porque estou longas horas no meu quarto a ler e a pesquisar no computador. Por isso, ela diz que sou uma chata e que tenho a mania que sou intelectual. Será errado gostar de saber cada vez mais, de “viver” mundos diferentes do meu através dos livros, da pintura e da Net? Eu acho divertido e a avó diz que ler ajuda muito na vida escolar. Eu até acho que é verdade porque sou boa aluna e quando tenho que escrever algum texto faço-o sem dificuldade (ao contrário da Amália que anda sempre a chatear-me para a ajudar a corrigir os trabalhos que os professores lhe pedem para fazer).

Quanto ao António (aqui em casa chamamos-lhe Tó), só tem três anos. Entrou este ano na minha escola e adora mexer nas minhas coisas, sobretudo nos livros. Acho que nesse aspecto ele é parecido comigo, mas depois é muito falador e adora chamar a atenção das pessoas em geral e da mãe em particular.

A avó Rosa e o Pitufo são os meus grandes amigos cá em casa ou, pelo menos, com quem estou mais tempo. A avó é sábia. Conta-me muitas histórias de família, ouve os meus lamentos e dá-me conselhos. Muitas vezes, quando está a fazer o jantar, ou outro trabalho caseiro, pede-me para ler em voz alta para ela ouvir. Conto-lhe a maior parte da minha vida, mas há coisas que guardo só para mim. Ela diz que eu sou uma menina tímida e introvertida, que preciso de conviver mais com os meus amigos, etc., etc. O certo é que eu tenho muitos colegas na escola, (ando no 6º ano) mas amigos, amigos, só tenho dois: a Rita e o Gustavo, mas sobre eles falo depois.

O Pitufo é o meu cão, anda sempre colado a mim. E, apesar de a mãe não gostar, fica muitas vezes no meu quarto, aninhado no tapete, ou, quando está sol, no cestinho que pus na minha varanda. Pode parecer estranho, mas converso com ele e acho que ele me entende. Quando lhe falo, fica a olhar para mim muito sério e, por vezes, responde-me. É um cão pequeno, castanho, mas muito bonito e inteligente (às vezes mais do que a Amália). Sou eu que trato dele.

No outro dia, a minha mãe apanhou-me distraída, tirou-me uma fotografia e, a partir dela, pintou um quadro que me ofereceu neste Natal. Acho-o lindo, lindo, lindo, porque para além de eu estar muito parecida, conseguiu pintar o meu mundo. Gostei tanto dele que o pus num lugar de destaque no meu quarto. Acho que o vou compartilhar contigo, querido diário. Assim também me ficas a conhecer fisicamente.

Ainda tenho que te contar como é a minha vida na escola, para conheceres melhor o meu mundo, mas por hoje já chega.

                                                                                                       Beijinhos,                                                                                                    Alice

                                                                                    

Felice Casaroti

        


3/1/2012

Terça-feira

 

            Querido Diário:

Começou hoje o 2º período. Não gosto nada dos primeiros dias de aulas após as férias.

Quando o despertador tocou, logo pela manhã, senti uma enorme preguiça e só me apeteceu virar para o outro lado e continuar a dormir mas depois, o Tó saltou para cima da minha cama aos pulos e eu lá me levantei, a resmungar com ele.

Quando cheguei à escola avistei os meus colegas de turma a contar as novidades e as façanhas das férias. É este ambiente que eu não gosto; demasiada confusão, muita conversa pouco interessante…; por isso fui sentar-me no “nosso cantinho” com a Rita. Acabamos por entrar no espírito dos meus colegas e, também nós, começamos a pôr a conversa em dia até serem horas da primeira aula.

Das quatro aulas que temos à terça - feira (Educação Física, Língua Portuguesa, Matemática, e Formação Cívica), gosto muito de Educação Física e Língua Portuguesa porque nelas consigo mostrar aquilo que faço melhor. Tenho uma boa resistência física, sou rápida e ágil no atletismo e, nos jogos de grupo, arranjo sempre maneira de ficar na equipa do Gustavo (um dos melhores aluno nesta disciplina) e, por isso, dou sempre o meu melhor. Também gosto de ler e escrever, portanto as aulas de L.P. não representam nenhuma dificuldade para mim. Até a gramática, que os meus colegas abominam, eu aprendo com facilidade porque vejo-a como um apoio à escrita: quantas mais regras aprendo, melhor escrevo. A minha grande batalha é a Matemática. Tenho alguma dificuldade mas, depois de muito pensar e de conversar com o Gustavo sobre isso, arranjei uma estratégia. Resolvi seguir o conselho dele e olhar para esta disciplina de uma outra maneira: a professora apresenta os exercícios e eu tento resolvê-los como se de um jogo se tratasse. Claro que me apliquei mais e todos os dias estudo um bocadinho, mas se o Gustavo é tão bom aluno a Matemática, porquê que eu não posso ser, apesar de não gostar muito de números?

Bom, mas voltando à aula de Educação Física. Hoje fizemos salto em comprimento e uma prova de resistência de 1500m. Ainda na linha de partida, reparei que a Diana se colocou ao meu lado. Estranhei porque não gostamos nada uma da outra, mas pouco tempo depois percebi. Quando a professora deu a partida ela passou-me uma rasteira e eu fiquei estendida no chão. Felizmente não me aleijei e estas coisas só servem para me darem mais força e motivação, logo, a minha resposta a esta provocação foi a vitória na corrida.

No fim das aulas, como de costume, eu e a Rita caminhamos lado a lado, muito devagar até casa. Aproveitamos sempre estes momentos para conversar. Os pais da Rita discutem muito e ela não tem irmãos. Por isso ela anda muitas vezes infeliz e desabafa comigo. Às quartas e sextas, ao fim da tarde, vamos juntas à dança e ela diz que são os seus melhores momentos porque se consegue libertar da tristeza. A Rita é muito talentosa a dançar e acho que, se ela se continuar a aplicar, ainda vai ser uma grande bailarina.

Depois do lanche, enfiei o fato de treino e pedalei até ao parque de manutenção para a minha corrida das terças e quintas com o Gustavo. Nestes dias, eu e ele corremos 6 km. É quase sempre ele que impõem o ritmo da corrida mas eu acompanho-o bem. No final da corrida, ainda caminhamos um pouco, devagar, para relaxar os músculos e é nestas caminhadas que temos conversas muito interessantes. São os nossos momentos especiais. Discutimos um livro que estejamos a ler, ou um filme que tenhamos visto, algum episódio que se tenha passado na escola com o grupo dos “betos”, ou outro qualquer assunto. Gosto muito do Gustavo e não é só como amigo, mas ele ainda não percebeu. Acho que sou a melhor amiga dele e é assim que ele me trata. Muitas vezes, nestas caminhadas, fala-me da Natália (uma das nossas colegas de turma) e eu fico irritada, mas nunca lhe dou a entender. Mas hoje, o nosso tema de conversa foi o episódio da aula de Educação Física. Ele disse-me que viu o que a Diana me fez e, por isso, resolveu correr ao meu lado para me incentivar. Pensando bem, ele poderia ter ganho a corrida mas, a poucos metros da meta, começou a ficar para trás. Acho que fez de propósito para que eu a pudesse ganhar.

Quando voltamos às bicicletas para nos irmos embora, o Gustavo tirou da mochila um pequeno embrulho e estendeu-mo.

- É a minha prenda de Natal para ti.

Fiquei nas nuvens. Era um livro: “História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar” de Luís Sepúlveda. Nunca li nada deste autor, mas já é o meu preferido. Tenho-o aqui mesmo ao meu lado e estou ansiosa por começar a lê-lo, por isso, hoje fico por aqui.

Beijinhos Alice

4/1/2012

Quarta-feira

Querido Diário:

Hoje acordei muito cedo porque ontem à noite, enquanto lia o meu livro novo que o Gustavo me ofereceu, recebi uma mensagem dele a dizer que me vinha buscar às 8h:10m. Fiquei tão contente que decidi ler o livro todo.

Acordei muito entusiasmada, vesti-me rapidamente e fui tomar o pequeno-almoço. O meu pai e a minha mãe não paravam de me perguntar porque tinha acordado tão cedo. Eu desviei a conversa e quando acabei de tomar o pequeno-almoço dirigi-me à porta e estive no passeio à espera que o Gustavo aparecesse. Às 8h e pouco lá apareceu ele; achei que ele se tinha vestido bem para me agradar. Durante o caminho fomos falando sobre o livro que me ofereceu. Acho que ele já o tinha lido porque me fez bastantes perguntas sobre ele.

Chegámos à escola e, como estava a tocar, fomos para a sala. Começamos com matemática. Durante toda a aula estive a pensar no Gustavo; acho que ele também se está a apaixonar por mim e por isso decidi também  oferecer-lhe uma prenda.

Quando sai da escola fui à Bertrand, uma livraria que está à frente da escola, e depois de procurar, cerca de 1 hora, o livro apropriado para ele decidi comprar-lhe Marley & Eu.

Voltei para casa e, antes de o embrulhar, vou lê-lo todo caso ele me faça perguntas sobre ele.

E é tudo por hoje querido diário.                                                                                                                                              

  Beijinhos, Alice

 

P.S. Gosto tanto de pintura que decidi todos os dias colocar aqui uma reprodução de um quadro que tenha gostado. Mas hoje vou esquecer a pintura e colocar a capa do livro que vou oferecer ao Gustavo.

6/1/2012

Sexta-feira

Querido Diário:

Hoje acordei muito atarefada porque a Rita fazia anos e ainda não lhe tinha comprado nenhuma prenda. Vesti-me, com as minhas calças de bombazina e a minha blusa roxa, e sai para lhe comprar um presente. Olhei para o relógio mas já não tinha tempo porque, senão, ia chegar atrasada à aula.

Quando saí de casa avistei-a pelo caminho mas, como já ia muito longe, não a consegui apanhar; mas logo de seguida vinha o Gustavo. Perguntei-lhe porque é que a Rita ia tão triste para a escola. Ele disse-me que era porque os pais dela não lhe faziam festa de anos por estarem novamente zangados e por não terem dinheiro. Eu comecei logo a pensar fazer uma festa à Rita e disse tudo ao Gustavo. Ele adorou a ideia.

Antes de entrarmos para as aulas, telefonei à minha mãe para ela ir preparando a festa na nossa casa. Ela lá me fez uma carrada de perguntas mas lá a consegui convencer.

À hora de almoço, fui correndo à perfumaria comprar um perfume da Shakira para oferecer à Rita como presente, porque ela já me tinha dito que adorava o cheiro desse perfume.

Às 14:00 entramos para a aula de História. Dentro da sala, olhei para a Rita e vi que ela estava bastante triste mas eu sabia que ela se ia alegrar com a minha festa surpresa.

Quando saímos da escola, fui para casa com o Gustavo para ver se já estava tudo pronto mas a minha mãe não estava em casa e tinha-me deixado um bilhete a dizer que tinha ido às compras. Então eu e o Gustavo fomos ajeitando mais alguns pormenores.

Quando a minha mãe chegou das compras, pusemos a comida dentro dos pratos de plástico e o Gustavo, como era muito guloso, ia começar a comer uma empada mas eu não deixei porque queria que a minha melhor amiga tivesse tudo do bom e do melhor. Quando eu e o Gustavo decidimos preparar a varanda com um cartaz a dizer “Parabéns Rita” ela estava a passar, então eu e o Gustavo demos uma cambalhota para trás para ver se ela não desconfiava de nada. Lá ia ela com a cabeça baixa, quase a chorar. Rapidamente colocamos aquilo na varanda.

Entretanto, a porta de casa abriu-se. Era o Tó que estava a chegar com a embirrenta da Amélia ao telemóvel. Quando a Amélia perguntou para quem era a festa, eu respondi-lhe que não era para ninguém que lhe interessasse. Claro que ela ficou amuada e enfiou-se no quarto, novamente de telemóvel nas orelhas.

 O Tó ficou logo muito entusiasmado e também perguntou para quem era a festa. Eu respondi-lhe que era para a Rita e ele ficou muito contente porque adora-a.

 Quando já estava tudo pronto telefonei à minha amiga a pedir-lhe para ela vir ter cá a casa. Ela aceitou mas com pouco entusiasmo. Pouco tempo depois, bateram à porta e eu abri-a, mas fui logo esconder-me. A Rita entrou e chamou pelo meu nome. Nesse instante, eu acendi a luz e todos gritamos “surpresa”! Um grande sorriso se abriu nos lábios da Rita e lá continuamos a festa.

 É tudo por hoje.

                                                                                    Beijinhos, Alice

Tal como prometi na quarta-feira, cá vão duas pinturas que escolhi.

Hugo Urlacher, 

Hugo Urlacher

Estes quadros são de Hugo Urlacher, um pintor argentino.

Começou a pintar em 1982, com 22 anos. A minha mãe explicou-me que ele é autodidacta, ou seja, não tem formação em pintura. Pinta retratos,arte sacra, vitrais e faz pintura figurativa.

Gosto de tudo nos quadros deste pintor: da cor, das expressões das personagens dos retratos... mas do que eu mais gosto são dos anjos. Desenhou imensos. Por isso, hoje escolhi um dos seus anjos (pareceu-me que estava a proteger a Rita no dia dos seus anos), e outro em que estão duas personagens. Poderão ser mãe e filha; quem sabe, a Rita e a mãe daqui a um ano...

7/01/2012

Sábado

Querido Diário:

A festa da Rita foi o máximo e ela adorou! Depois de lhe darmos as prendas ela começou a chorar! Perguntei-lhe:

- Então Rita, que se passa? Não gostaste da festa?

- Não é isso Alice, estou tão feliz que até choro de alegria! – Disse-me ela ainda a limpar os olhos.

Depois desta conversa, a festa da minha melhor amiga lá continuou!

Alguns dias depois, estava eu no computador quando, de repente, ouvi um barulho estranho e fui ver à janela. Era o Gustavo a pedir-me para eu lhe atirar qualquer coisa pela janela para ele subir. Eu atirei-lhe um lençol da minha cama. Logo, logo, não percebi porque é que ele quis entrar pela janela mas, mais tarde, compreendi que ele precisava de me dizer uma coisa e ninguém o podia ver.

Quando chegou ao meu quarto, perguntei-lhe o que se passava e ele explicou que precisava de me dizer uma coisa. Eu fiquei um pouco assustada. Ele disse-me que estava muito nervoso e se não falasse comigo ainda hoje, rebentava. Fiquei muito calada. Ele aproximou-se de mim com um ar muito sério e eu ouvi estas palavras:

- Alice, eu gosto muito de ti e já sei que gostas de mim!

- Como é que sabes? - Perguntei-lhe toda corada.

- Bem, isso não interessa, o que interessa é que eu te queria dizer isto: AMO-TE. Comecei a sentir isto quando preparávamos a festa para a Rita. Vi como os teus olhos brilhavam quando olhavas para mim e também vi que quando eu olhava para ti tu desviavas o olhar… portanto, quero fazer-te uma pergunta...

- Diz! Diz! -Exclamei eu, ansiosa.

Reparei que o Gustavo estava a tremer muito, especialmente as mãos, e eu estava sempre a bater o pé, a bater o pé…

 - Queres namorar comigo? - Perguntou-me finalmente o Gustavo.

Quando ele me fez esta pergunta, eu fiquei assim... um bocado… Pareceu-me que vi o chão a abrir-se, tudo a mudar de cores… Nem sabia o que havia de dizer porque fiquei sem palavras, por isso, ficámos um pouco em silêncio! Passado algum tempo, respondi-lhe:

- Sim Gustavo, claro que quero!

Que chatice, a minha mãe está a chamar-me. Tenho que terminar. 

Beijinhos, Alice.

Kiki Lima

Como estou muito contente, resolvi deixar duas reproduções do pintor cabo-verdiano Kiki Lima. Os seus quadros têm tanta vida, são tão alegres e as cores tão fortes que achei que transmitiam o que sinto hoje.

Kiki Lima

 

10/2/1012

Sexta-feira

Querido diário

Há mais de um mês que não escrevo nestas páginas. Tenho vivido muitas coisas novas que ainda não quero contar. Aqui em casa ninguém sabe da minha “amizade” com o Gustavo. Já estive quase, quase, para contar à avó, mas tive medo que ela não gostasse e me obrigasse a acabar com tudo.

Entretanto tenho lido muito. Como a minha mãe me obriga a ir cedo para a cama, aproveito para ler. Eu, o Gustavo e a Rita criamos, quase, um clube de leitura. Trocamos, entre nós, livros nossos, ou vamos buscá-los à biblioteca da escola e, depois de os lermos, comentamos as histórias. Mas não lemos só romances. Por exemplo, gosto muito de livros sobre dança, sobretudo com fotos.  Por vezes, às quintas, a Rita vem correr connosco e, nessas alturas, damos largas à nossa imaginação. Por vezes, até inventamos finais diferentes, continuamos a história de um livro, ou imaginamos que uma das personagens é nossa amiga.

 Fico contente quando eles gostam dos livros sugeridos por mim…. Giro, giro é encontrar uma personagem parecida comigo, ou que está a viver o mesmo que eu.

Acho que estou a ouvir a voz da Amália. Vou terminar antes que ela entre no meu quarto sem pedir licença e me veja a escrever….

Beijinhos, Alice

                                                           

  Às vezes sinto-me uma personagem de um livro, por isso escolhi estas duas pinturas do meu arquivo.

Marie Spartali Stilman

Ricardo Celma


15 /2/2012

Quarta-feira

Querido Diário:

Resolvi contar uma das coisas novas que tenho vivido nos últimos tempos.

Chegou à escola uma menina chamada Cristina, que veio transferida de uma escola do Porto.

A Cristina é muito calada e triste, mas eu, depois de alguns dias de conversa com ela, percebi o motivo da sua tristeza e o que se passa na sua vida não é nada de bom, é uma loucura.

A Cristina tem uma irmã que se chama Susana, com 14 anos, muito rebelde e que não obedece aos pais, nem aos professores.

Lá no Porto, levava os dias a falar ao telemóvel, a mandar mensagens e a falar no computador sabe Deus com quem.

Os pais da Cristina tiveram de mudar de localidade para ver se faziam algo por ela.

A Susana, lá no Porto, tinha um grupo de amigos meio delinquentes que só faziam  asneiras, estavam sempre a arranjar maneira de aborrecer outras crianças. Apanhavam os miúdos e as miúdas e fechavam-nos no elevador, carregando em todos os botões. Os miúdos, como eram muito pequenos, não chegavam aos botões do elevador, chegando a ficar lá fechados horas esquecidas. Também partiam os vidros da escola, roubavam os colegas e os professores, enfim… os pais estavam a perder completamente o controlo da Susana.

A Cristina contou-me que o pai, um dia, já estava completamente desorientado e colocou a cabeça da Susana debaixo de água fria. Mas não resultou. Ela continuava a fazer das suas.

Foi então que resolveram sair do Porto para a afastar daqueles amigos e ver se conseguiam melhorar o comportamento da filha.

A Cristina está muito triste, quase não tem cabeça para os estudos. Ela tem muito medo que a sua irmã faça o mesmo nesta escola e prejudique os colegas.

Mas, eu o Gustavo e a Rita vamos ajudá-la; vamos convidá-la a entrar no nosso clube de leitura e apoiá-la nos trabalhos da escola.

Ao início ela vai ter dificuldade em concentrar-se nos estudos mas, com muita ajuda nossa tenho a certeza que vai conseguir.

E a Susana como é que vamos conseguir que ela deixe de ter más influências…

Lá vem ela outra vez, a chata da Amália…

Meu querido diário, por hoje tenho de terminar.

Beijinhos, Alice

Alfred Guillou

À primeira vista, as duas pinturas que escolhi parecem que não têm nada em comum; até são de pintores diferentes. No entanto, quando as vi, fiquei presa à expressão de olhar das modelos: ambos tristes e vagos, tal como olhar da Cristina e da sua mãe.

 Jeanne Mammen 

 

           19 /2 /2012

Segunda-feira

Meu querido diário:

Hoje, na escola, estive com a Cristina. Depois das aulas decidimos passear e encontramos a Susana, a sua mana, a fumar e a beber. Eu e a Cristina ficamos pasmadas. a Susana olhou para nós e disse-nos:   

- Saiam já daqui, miúdas!

Nós, sem medo, respondemos-lhe:

- Nós não somos miúdas! - E fomo-nos embora sem olhar para trás .  

Quando íamos para a casa encontramos o Gustavo. Ele vinha muito triste e preocupado, por isso perguntei-lhe:  

- O que tens?

- Foi a mana da Cristina que, sem nenhuma razão, me deu agrediu! - Disse-nos o Gustavo

A Cristina ficou furiosa e propôs que fossemos falar com ela. Encontramos a Susana no mesmo sítio, com os mesmos amigos. A Cristina deu-lhe um raspanete mas não resolveu nada.

Por hoje é tudo.

Beijinhos, Alice

Depois da confusão que vivi hoje, decidi escolher duas pinturas que parecem não ter nada em comum; no entanto para mim têm: inspiram-me e transmitem-me calma.

Bairam Salamov

Monet


16 / 3/2012

Sexta-feira

Meu querido diário:

Olá! Hoje diverti-me imenso! Quando acordei fui ter com o meu pai, pois ele tinha dito que ia pescar, gostaria de ir com ele mas a minha mãe...  

Mas enfim, passo bem o tempo sem ir à pesca. Primeiro fiquei emburricada, pois queria mesmo muito ir mas depois, fiquei a saber dos planos que tínhamos para a tarde:

Quando fomos para o restaurante, almoçar com a minha avó e com a minha mãe, um senhor veio ter connosco e falou em russo, sabem porquê? Este restaurante é russo, tem um nome engraçado “Давайтенаслаждатьсярусскойкухни.” Bem a tradução é “Vamos saborear a comida russa”.

Passei muito bem a tarde com o Gustavo, adorei. É pena termo-nos  separado às sete pois a minha mãe telefonou-me.

Quando fui ter com a Cristina ela disse-me que pagava o jantar, pois foi ela que me convidou. O nosso jantar foi muito MNHAMMNHAM: esparguete e almôndegas, mas no fim é que não gostei muito, chegou a Susana… bem, nem vou contar o que se passou, mas pronto...

Fui dormir a casa da Rita, com pijama e almofada debaixo do braço. Ela abriu-me a porta e depois fizemos pequenos jogos de cartas e falamos muito. Adormecemos tarde.

Por hoje é só.

 Da tua, Alice!

Um dos assuntos que eu e a Rita gostamos de conversar é sobre dança, por isso, inspirada numa parte da nossa conversa, deixo duas imagens  que ambas gostamos muito.

Nenad Mirkovich

Leonid Afremov


            21/3/2012

Sábado

Querido Diário:

Já não escrevo há algum tempo. Tenho andado “em baixo” sem vontade para fazer nada, nem sequer escrever nestas páginas. Faz hoje três semanas que não namoro com o Gustavo.

No dia em que tudo aconteceu, acordei de repente, porque ouvi o som de uma pedra a bater na janela. Levantei-me e vi que era o Gustavo. Abri a janela e perguntei:

- Que fazes aqui tão cedo? - Interroguei a medo, vendo a cara de mau com que ele estava.

- Que se passa? - Perguntou a Rita, levantando a cabeça da almofada.

- Nada, nada, espera só um pouco. - Afirmei eu correndo escadas a baixo até à porta. Mas porque estaria ele com aquela cara? O que se teria passado? Só esperava que estivesse tudo bem.

- Que se passa Gustavo? Deixaste-me preocupada com esse olhar...

- Pensas que eu não sei? - Disse chegando-se mais ao pé de mim.

- Mas o que é que não sabes Gustavo? -

- Eu já sei que andas a dizer a toda a gente que só namoras comigo porque sou dos mais populares da escola. Tu só queres namorar comigo para também te tornares popular. Nunca pensei que fosses assim Alice, desiludiste-me muito. Foste muito burra em dizeres à escola inteira. A Susana contou-me tudo. Está tudo acabado entre nós! - Gritou direito à minha cara e depois virou-me costas.

- Mas, espera Gustavo! - Gritei. – Como podes acreditar na Susana?

Ao vê-lo a afastar-se cada vez mais, uma grande lágrima começou a sair do meu olho. De seguida tapei a cara com as mãos e comecei a chorar. Destapei-a quando senti uma mão no meu ombro. Era a Rita.

- Não chores, Alice. - Disse dando-me um abraço.

- Mas eu não fiz nada do que ele disse, eu não o usei, eu gosto mesmo dele, o meu Gustavo... - Disse desatando a chorar, no ombro da Rita. - Porque é que a Susana fez isto?

- Porque é má! - Disse Rita.

Passei o resto do meu dia a pensar o porquê de a Susana ter feito isto? Gostaria ela dele? Ou seria por ser mesmo má?

Bem, por hoje é tudo meu querido diário.

 

         Alice

Ando triste, confusa e revoltada, por isso as imagens que escolhi são triste, tão tristes como eu estou.

Duy Huynh

  Moki Mioke

                                                                                                                                       

Nota: A Alice vai fazer uma pausa na escrita do seu diário porque ela anda triste, os exames estão à vista e ela vai centrar toda a sua atenção neles. No entanto, lá para outubro, Alice vai voltar a registar o seu dia-a-dia aqui.