25/06/2020
Há 100 anos, quatro amigos resolveram se unir para escrever a história de um rapaz que comete um crime por vingança. Hoje em dia pode até ser natural a gente perguntar: "Bom, e quem vai investigar?", mas saiba que isso, até então, mal tinha sido feito no Brasil. Não nesse formato óbvio, pelo menos. A literatura brasileira até tem em sua história textos que flertam com o gênero policial, mas nenhum tinha assumido essa identidade.
E assim o exercício despretensioso dos quatro amigos – Medeiros e Albuquerque, Coelho Netto, Afranio Peixoto e Viriato Corrêa – entrou para a história. Tanto que agora, em 2020, comemoramos o que se considera o nascimento do primeiro romance policial brasileiro, O Mysterio, que conta com um assassino tentando sair impune enquanto na sua cola está o investigador Mello Bandeira – sujeito que por vezes é chamado de "aquele Sherlock da polícia".
O romance foi publicado em partes: a cada dia saía um novo capítulo no jornal A Folha, publicação do próprio Medeiros e Albuquerque. Ele escreveu o primeiro capítulo, que já trazia o crime, inclusive com a revelação do assassino e aquele climão pré-vingança. Mas já nos capítulos seguintes, Coelho Netto, Afranio Peixoto e Viriato Corrêa pesaram a mão no humor e fizeram da investigação uma aventura mais cômica.
(Parênteses para dizer que, ao longo da história, raramente deu certo essa prática de autores escreverem capítulos intercalados, um continuando o do outro, até formar um romance. Até mesmo o Detection Club, grupo formado em 1930 por nomes como Agatha Christie, Dorothy L. Sayers e G. K. Chesterton, fez histórias que viraram uma bagunça.)
Mas O Mysterio fez sucesso. Tanto que logo foi publicado em livro e vendeu milhares de exemplares. O que prova como o brasileiro (o ser humano no geral?) gosta de um mistério e de uma investigação.
Foi para homenagear esses cem anos que Tito Prates – autor do gênero, biógrafo de Agatha Christie e atual presidente da ABERST, a Associação Brasileira de Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror – resolveu registrar a marca Mystério Retrô e fazer aquilo que a minha geração (millennial) tanto ama: uma viagem nostálgica no tempo.
A nova revista Mystério Retrô foi produzida por financiamento coletivo, e é uma ode aos tempos em que histórias de mistério eram publicadas em jornais e revistas de circulação mensal ou semanal. Coincide com a época batizada de Era de Ouro do romance policial – que deu força às histórias de Sherlock Holmes e Hercule Poirot, só para citar alguns.
Na entrevista abaixo, Tito conta que a ideia é dar vida longa à Mystério Retrô: ele já está preparando o número dois, tem material suficiente para o número três (ele recebeu nada mais, nada menos que 250 contos de autores querendo participar) e planeja, inclusive, um programa de assinaturas para que o leitor receba as novas edições em casa assim que saírem da gráfica.
Edições que, por si só, já foram feitas para serem um atrativo à parte. "A revista tem artes incríveis na abertura, diagramação bem caprichada, com duas colunas, e até os intervalos com propagandas que remetem exatamente às revistas daquela época. As pessoas paravam de ler o conto, liam a propaganda e voltavam ao conto", disse Tito.
A primeira edição da revista tem dois artigos sobre o romance policial e contos de nove autores. Entre esses autores está moi, este que fala com você. Nem preciso dizer o privilégio que foi participar dessa. Em O Último Ônibus, meu detetive Conrado Bardelli está viajando para o interior de São Paulo em um ônibus noturno quando um dos passageiros é assassinado debaixo do nariz de todos os outros. Quem matou? Como? E por que um passageiro idoso de repente perde o controle e ameaça fazer uma besteira?
Para comprar uma Mystério Retrô (R$22, com frete incluso) é só mandar um e-mail para revistamysterioretro@gmail.com. Para saber mais sobre a revista, eu indico a resenha da Ana Paula Laux no canal do Literatura Policial. Para saber mais sobre o livro O Mysterio, de 1920, recomendo este texto, também do Literatura Policial, e este outro do Jornal da Biblioteca Pública do Paraná.
Victor Bonini: De onde surgiu a ideia de fazer a Mystério Retrô?
Tito Prates: Na verdade, a ideia começou em 2018 quando eu entrei com processo para para fazer a marca registrada da Mysterio Retrô. Eu achava que ela poderia ser copiada, sei lá. O processo de registro levou um ano. Quando eu vi, ia dar certinho de a primeira edição sair no aniversário de 100 anos do livro O Mysterio. Juntou a fome com a vontade de comer. Foi, no fundo, uma coincidência de tempo, mas virou uma homenagem pela proximidade das datas. Sem pandemia, a Mystério Retrô sairia em 28 de março, sendo que O Mysterio completou 100 anos em 20 de março. Por isso, eu resolvi fazer o primeiro número especial, só com casos de detetive. Tem gente que acha que a Mystério Retrô é uma revista só de casos de detetives – não, ela é uma revista de mistério, abrangendo qualquer conto de crime, assim como de terror e artigos correlatos. A primeira edição saiu com dois artigos e a próxima deve sair com quatro ou cinco. Eu acho que mesmo tendo tiragem pequena e saindo atrasada por causa da pandemia, a revista teve uma repercussão inicial muito boa. Ela causou um burburinho.
VB: Com mais artigos, dá pra esperar que a nova edição seja maior?
TP: Na verdade, não. O número de páginas pode até crescer, mas ela vai ser mais simples que a primeira edição, que foi especial de lançamento. Ela vai ter uma diagramação mais simples inclusive para caber mais conteúdo. A número dois vai sair com cara da tradicional Ellery Queen Mystery Magazine, revista de mistério americana de 1941 e que é publicada até hoje. Por vários anos saiu no Brasil também, mas desde então a gente não tem mais nenhuma revista voltada à literatura de mistério.
VB: Por isso o interesse em lançar?
TP: Exatamente. Editora nenhuma faz revistas de mistério mais, sendo que existe sim demanda. Há um grande público carente de ler textos assim, com suspense, policial, terror... A gente até vê histórias similares em quadrinho, mas é outra coisa. Lembrando que um tal de Sherlock Holmes surgiu assim, nos jornais e nas revistas. Hercule Poirot, da Agatha Christie, apesar de ter sido lançado em livro, apareceu num folhetim inglês. E a Agatha ganhou projeção no continente americano lançando seus livros seriados em revistas de circulação semanal ou mensal. Então as revistas estão na origem dessa literatura, desde os anos 1920 até 1970.
VB: E por que publicar como revista impressa e vintage, e não online?
TP: Exatamente por ser retrô o leitor quer pegar na mão, sentir como uma edição do passado. A ideia até é colocar a revista número um na internet quando a dois sair. É um jeito de expandir os contos dos autores que venderam os direitos para a Mystério Retrô. E no geral eu acho que online é legal, mas você viu os contos da primeira edição? Todos eles têm artes incríveis na abertura, diagramação bem caprichada, com duas colunas, e até os intervalos com propagandas entre os contos remetem exatamente às revistas da época de ouro do romance policial. As pessoas paravam de ler o conto, liam a propaganda e voltavam ao conto. Querendo ou não, seria muito mais complicado fazer isso numa edição online. Seria talvez um título, alguma arte pequena e o texto abaixo. Esse foi um material feito para o impresso.
VB: E, pelo jeito, vira exemplar de colecionador.
TP: Vira. A revista ficou bem bonita. A ideia é que ela sirva de incentivo à leitura também. Por isso, inclusive, que fizemos uma capa bem chamativa, laranja, com os detetives dos contos. A próxima edição vai ser roxa, mas ao invés dos desenhos, vai ter os nomes dos autores, bem próximo ao que se vê na Ellery Queen mesmo.
VB: Você falou em propagandas na revista. Conseguiu vender publicidade na primeira edição?
TP: Ao todo, foram cinco espaços na revista vendidos para publicidade. A maior parte é de autores divulgando livros, mas também tem da Sala do Escritor, que trabalhou na preparação da revista. Foi muito legal. No segundo número da revista, estou até pensando em vender a quarta capa para propaganda.
VB: E quais os planos para essa próxima revista e as seguintes?
TP: A ideia é lançar uma nova a cada dois ou três meses. A segunda revista era para estar saindo agora, mas atrasou por causa da pandemia. Fato é que eu já fiz a seleção dos contos com base em tudo o que me enviaram e logo eu vou anunciar os autores que ficaram entre os finalistas. Se Deus quiser em setembro a segunda Mystério Retrô chega.
VB: Quantos contos você recebeu para essa segunda revista.
TP: Mais ou menos 250 contos. Muita coisa! Eu me surpreendi. Desses 250, eu queria separar seis. Fui obrigado a separar 40, aí em cima dos 40 eu passei um pente fino e com isso consegui material suficientes não só para o número dois, mas também para o três. Então o três já está vindo por aí.
VB: Também com financiamento coletivo?
TP: Com a dois ainda será por financiamento coletivo, provavelmente, mas eu quero consolidar a revista entre o público leitor para lançá-la com esquema de assinatura. Você paga ali um valor, que provavelmente vai ser metade do valor de capa da revista, e a cada dois meses uma edição nova é entregue na sua casa.
VB: Como faz pra comprar a primeira edição?
TP: É só mandar email para revistamysterioretro@gmail.com. Mandando o pedido eu já envio o link do PagSeguro e tá feito. A revista vai pelo correio. É R$22 com frete incluso.