13/08/2020
Lançado em 2014, o livro Caixa de Pássaros, do autor e músico norte-americano Josh Malerman, apresentou o fim do mundo pelas próprias mãos da humanidade: as pessoas começam a cometer suicídio ao bater os olhos em misteriosas criaturas que inexplicavelmente surgem em todo o globo. A única forma de se salvar é mantendo uma venda nos olhos.
A ideia de usar nosso sentido mais valioso como instrumento da nossa danação foi explorada pelo gênio José Saramago em seu Ensaio Sobre a Cegueira, com a diferença de que nele as pessoas ficam cegas do dia para a noite e se voltam umas contra as outras, meio lei da selva. Outra diferença é que enquanto Ensaio deu origem a um filme morno de bilheteria (com direção de Fernando Meirelles), Bird Box foi um tiro da Netflix.
Na semana seguinte ao lançamento, em dezembro de 2018, 45 milhões de contas assistiram ao filme, segundo a Netflix – uma Argentina inteira conferindo Bird Box em sete dias. Até hoje, o longa se mantém na segunda posição de mais vistos da Netflix, com 89 milhões de espectadores.
É bom frisar que o livro também foi um sucesso editorial no mundo todo. Só no Brasil, Caixa de Pássaros vendeu 220 mil exemplares.
Quando eu li Caixa de Pássaros em 2016, na hora pensei que uma adaptação para o cinema tinha grandes chances de ser um fracasso. Isso porque o livro assusta com os sons, os cheiros e as texturas desse fim de mundo – ou seja, com tudo o que não é visto. Funciona justamente porque ler um livro é a arte de assistir a uma história sem ver. Mas como fazer cinema sem ver?
A diretora Susanne Bier deu um jeito e conseguiu contar a história de forma bem decente, mantendo o misticismo em torno das criaturas nunca vistas. Mas o maior destaque do filme é, sem dúvida, Sandra Bullock dando vida a Malorie, a grávida que sobrevive em meio às criaturas e aos doidos e ainda dá conta de criar dois filhos. O filme faz uma interessante comparação entre a jornada para o desconhecido e a jornada da maternidade.
É exatamente por focar novamente nessas relações que me interessei tanto por Malorie, sequência pós-apocalíptica que Josh Malerman lança agora. A história se passa doze anos após a última página de Caixa de Pássaros e explora mais elementos desse misterioso novo mundo habitado pelas criaturas.
Malorie e seus dois filhos estão desfrutando do status quo quando uma visita acaba com a paz deles: um homem que diz trabalhar num censo levantando informações deixa papéis que mostram que pessoas importantes para Malorie estão vivas. Ela decide partir em uma nova viagem, e aí tudo entra em ebulição: os traumas da mãe sobrevivente, o sonho de liberdade dos filhos e o perigo dos que tentam reerguer a humanidade ao estado de sociedade.
Toda essa história foi pensada enquanto Josh ainda escrevia Caixa de Pássaros, iniciado em 2006. "A primeira versão de Caixa de Pássaros tinha mais ou menos o dobro do tamanho do livro que foi publicado. Eu removi uma trama que eu gostava muito mas que eu senti que diluía o medo. Ocupava muito. Então eu sempre considerei escrever um livro baseado nessa trama. Uma sequência", ele diz.
Josh Malerman se denomina como um "escritor prolífico" – motivo pelo qual ele escreveu Caixa de Pássaros três vezes e já tem mais de 30 livros escritos (9 lançados). No Brasil, a Intrínseca publicou também Inspeção, Piano Vermelho e Uma Casa No Fundo de Um Lago. "A sensação de parar, de diminuir o ritmo, de (suspiro) esperar pela inspiração seria o equivalente à morte criativa", escreveu Josh no posfácio de Malorie.
Victor Bonini: Como foram os últimos meses pra você? De quarentena escrevendo Malorie ou você tinha terminado o livro antes de março?
Josh Malerman: Eu fiquei bem. Eu sou um otimista por natureza, então eu tenho insistido mais no lado de "nós vamos superar isso", mas, como todos nós, eu fico alternando entre ter esperança e um sussurro bem baixo de ansiedade. Mas no geral? Bem. Tenho escrito muito. Já Malorie eu terminei no ano passado, entre outubro e novembro de 2019.
VB: Quando você terminou de reescrever Caixa de Pássaros pela segunda vez e estava pronto para lançá-lo, você sabia que tinha algo de especial nas mãos? Você consegue *saber* ou você acha que cada livro é um tiro no escuro?
JM: Ótima pergunta. Mas difícil de responder. Porque com todos os livros eu acho que tenho algo especial. É em parte o motivo pelo qual eles são feitos, certo? O entusiasmo pelo projeto enquanto você trabalha. Se eu não me sentisse assim, eu não tenho certeza sobre como eu superaria aquela sensação de estar perdido no mar que vem na marca das 50,000 palavras de todos os livros. O ponto em que você já fez tanto, mas tem muito mais para fazer. Mas eu também entendo o que você está me perguntando. Caixa de Pássaros pareceu incrível quando ficou completo, mas, como eu disse, todos parecem. Eu tenho 9 livros soltos no mundo hoje, com outros 24, 25 aqui no escritório. Minha fantasia é que todos sejam publicados eventualmente, da forma que eu conseguir.
VB: Você sempre teve a ideia de escrever Malorie ou você desenvolveu por causa do sucesso de Caixa de Pássaros na literatura e no cinema?
JM: Esta resposta tem três partes: 1- A primeira versão de Caixa de Pássaros tinha mais ou menos o dobro do tamanho do livro que foi publicado. Eu removi uma trama que eu gostava muito, mas que eu senti que diluía o medo. Ocupava muito. Então eu sempre considerei escrever um livro baseado nessa trama. Uma sequência. 2- Ver a Sandra Bullock como Malorie me deixou maluco. E eu quis ver mais da Malorie depois de assistir ao filme. 3- O sucesso do filme foi algo fora deste mundo. Então esses três fatores me levaram a começar a escrever Malorie em fevereiro de 2019.
VB: Ambos os livros têm um leque de possíveis interpretações, mas eu amo vê-los como jornadas da maternidade. Alguma inspiração neste sentido ou fui só eu?
JM: Com certeza! Eu não sei bem por que a Malorie se ligou e ainda se liga tanto a mim. Eu acho que eu meio que a vejo como uma irmã gêmea minha. Eu acho que a Malorie se comporta exatamente como eu me comportaria no mundo de Caixa de Pássaros. Primeiro uma mosca na parede, só observando. Depois fica do lado dos otimistas. Leva os cínicos em consideração. No fim, prefere se manter na segurança das vendas. O ângulo da maternidade dá a ela muito poder, poder que eu obviamente nunca poderia ter. E o fato de ela estar grávida no primeiro livro fez com que ela fosse quase… intocável. Uma pessoa que precisava se manter a salvo, a qualquer custo.
VB: As músicas da sua banda The High Strung também inspiram suas histórias? Ou você consegue manter o Josh músico longe do Josh escritor?
JM: As histórias mais curtas costumavam virar músicas e as maiores viravam livros. Eu escrevi 14 livros antes de escrever um conto. Hoje em dia isso mudou muito. Mas eu não tento dividir as duas vidas, e eu vejo tudo isso como uma colcha de retalhos, as músicas e os livros, uma vida documentada pelo que escrevo.