Entrevista: Cláudia Lemes
SUCESSO NA AUTOPUBLICAÇÃO
Ela se dizia "deslumbrada" com grandes editoras – até começar a publicar seus livros por conta própria. Hoje com uma dezena de livros publicados, Cláudia Lemes é sua própria editora e aposta no marketing para se tornar relevante
23/07/2020
"Autopublicação" é um termo que explodiu e logo esfriou nos últimos dez anos. O que geral pensou? Vou publicar meus livros em e-book para o mundo inteiro ler, enriquecer sem ter que pagar gráfica e de quebra dizimar a hegemonia das grandes editoras. Chega de editoras pegando os meus livros e desidratando o meu texto, que nem o governo tentou fazer com o Fundeb. E chega de elas tentando ganhar em cima do nome dos outros, que nem o governo tentou fazer com o Fundeb.
Mas a realidade? A maioria dos brasileiros até hoje não tem leitor digital (isso quando não criou uma verdadeira aversão aos e-books) e a avalanche de lançamentos torna muito difícil o seu e-book se destacar no meio de tantos. Sem destaque não há venda. Sem venda não há renda. Sem renda… Bom, você entendeu. É típico da avalanche de informações da era digital. Nesse contexto, uma base de leitores fiéis nunca foi tão necessária.
Mas saiba que essas terras superpopulosas e hostis podem, sim, dar bons frutos – ainda mais agora, que grandes editoras enfrentam uma crise sem precedentes, primeiro com a queda da Saraiva e da Cultura e, depois, com a pandemia. A escritora de romances policiais Cláudia Lemes é exemplo disso.
"Eu era deslumbrada com editora grande. Era a minha meta, a linha de chegada da minha carreira", me disse a Cláudia. Até que ela começou a acompanhar a carreira de amigos contratados pelas grandes, viu quantos estavam descontentes e decidiu colocar tudo na balança. No fim, para ela, as desvantagens acabaram sendo maiores que as vantagens.
Foi assim que ela se tornou sua própria editora. Num processo igual ao de qualquer empreendedor, a Cláudia escreve, revisa, edita, coordena revisões, diagramação, capa, vende e distribui seus próprios livros. Isso ao mesmo tempo em que promove a pré-venda da edição impressa de seu novo romance, A Segunda Morte de Suellen Rocha – este por uma editora, a AVEC – e participa da uma recém-lançada Antologia Dark, da DarkSide.
No papo que teve comigo, a Cláudia contou quais métodos de marketing digital ela adotou para se tornar relevante mesmo sem casa editorial, como é lançar um livro em plena pandemia e como ela consegue viver de literatura – mesmo que para isso precise fazer muito mais do que literatura.
O recente Antologia Dark, escrito em parceria com outros autores.
Victor Bonini: Já faz alguns anos que as plataformas de autopublicação surgiram no Brasil, assim como os sites de financiamento coletivo. Mas o mercado editorial ainda fica naquela dúvida: o escritor independente consegue vingar nesse cenário ou as grandes editoras continuam sendo o único canal para quem quer se profissionalizar como escritor?
Cláudia Lemes: A galera é muito deslumbrada com editora grande. Eu também era. Era a minha meta, a linha de chegada da minha carreira. Mas aí você fica no mercado alguns anos e começa a ver que vários autores que começaram contigo e que conseguiram contratos não estão felizes com as editoras grandes. Por quê? Pra começo de conversa, os autores perdem totalmente o controle. Amigos meus fecharam contrato e o livro só saiu três anos depois. E durante esse período todo, eles não puderam fazer nada, amarrados por contrato. Ser contratado para uma editora grande serve, claro, como uma chancela: a Record apostou em mim, a Companhia das Letras etc. Mas além disso, o que mais a editora fez por você? Visibilidade, porque uma editora grande atinge públicos que você sozinho poderia não atingir com sua distribuição, ok. Mas com as atuais mudanças no mercado e fechamentos de livrarias, talvez essas vantagens não sejam mais tão predominantes na equação. Como escritora independente, ultimamente eu tenho estudado o quanto o seu próprio marketing digital pode fazer uma diferença até maior. Um amigo meu especialista nessa área, o Ricardo Cestari, sempre fala: a quantidade de leitores que uma grande editora atinge pode ser atingida por um escritor independente. Mas pra isso, esse escritor vai ter que usar as ferramentas de marketing digital.
VB: Ou seja, o autor vira um empreendedor?
CL: Exato. O escritor precisa conhecer outras áreas, e nisso o Ricardo foi me ajudando. Eu queria, por exemplo, sair do Facebook, eu não aguentava mais. Ele me recomendou manter o Instagram, me ajudou com a minha newsletter e com o seu site. Com as dicas que ele me passou, eu cresci digitalmente. Meu site acumulou 5 mil visitas nos últimos meses, e 55% do público é só de quem digitou "serial killer" no Google e chegou ao meu site. Demora pra isso se converter em vendas? Demora, mas eu me vejo ganhando um público digno das editoras grandes e tendo, ao mesmo tempo, a minha liberdade criativa, o controle de quando eu quero lançar meus livros, royalties direitinho e liberdade de me posicionar sem ter que me preocupar com laços com alguma empresa.
VB: Enquanto uma editora banca toda a produção do livro, você decidiu coordenador sozinha todo o processo, da escrita à revisão, do design da capa à distribuição. Mas e na hora de vender?
CL: É aí que entra o financiamento coletivo. Pela campanha, eu financio x livros. Ou seja, com o valor que arrecado, pago aquela tiragem inteira. Parte dessa tiragem é entregue a quem comprou, claro, mas parte fica aqui comigo e eu vou vendendo pela minha loja e reimprimindo quando esgota, como uma editora mesmo. E como toda livraria, eu às vezes faço promoções, às vezes faço cupons de desconto para clubes do livro que comprarem vários exemplares de uma vez e assim vou tocando a loja. Quase todo dia tenho pelo menos uma venda, o que é ótimo.
VB: Mas para as pessoas participarem do financiamento coletivo elas antes precisam te conhecer.
CL: O financiamento coletivo não começo no primeiro dia de campanha. Wle vem de um histórico seu de criar sua persona, conversar com seu público leitor, de estar sempre lançando material novo e oferecendo conteúdo nas suas redes sociais até você virar uma autoridade naquele assunto, uma referência. É realmente o trabalho pra você se tornar um profissional conhecido naquele nicho, sério na carreira, que produz e produz material bom. Isso cria a sua base de leitores. E a campanha também precisa ser estudada. Eu sempre indico o livro Crowd, o guia de financiamento coletivo para livros para quem quer entrar nessa. Se você conseguir tudo isso, você vira sua própria editora, e com total controle sobre seus próximos passos. É libertador, mas não é brincadeira.
VB: Ou seja, escrever livro mesmo é só uma parte do todo. É por isso que poucos autores escolhem esse caminho?
CL: Eu acho que alguns autores não têm a escrita como trabalho e sim como hobby. Por exemplo, tenho um amigo que é cirurgião. Ele nao vai deixar de ser cirurgião, ele não vai largar tudo pra virar escritor, até porque ele é bem pé no chão e sabe que é inviável. Seria um sonho esquisito no Brasil de hoje. Mas eu acho que qualquer pessoa que queira viver de literatura precisa produzir muito mais do que literatura. Qual é o meu ganha pão hoje? Tradução, edição de livros, leitura crítica, cursos e palestras – algumas palestras são pagas, outras não – e roteiro. Alguns escritores conseguem emplacar colunas em jornais e revistas, o que é muito positivo. Isso tudo além dos royalties de direito autoral, que entram pouco, mas entram sempre porque tem venda na minha loja quase todo dia. O ganha pão mesmo é o restante, e quando você faz um projeto pequeno aqui e um li, lança livro novo e tal, tudo vai pingando na sua conta e assim você cria a sua renda.
VB: Isso sem falar no que o autor produz para criar uma marca, né?
CL: Sim, eu faço newsletter semanal, tenho blog do meu site, vou começar um podcast com outros escritores, estou sempre ativa no Instagram, em contato com leitores para divulgação, enfim. Sobra pouquíssimo tempo para ler e escrever, que deveria ser o que você faz o dia todo!
"Quatro adolescentes fazem um pacto de guardar um segredo horrível. Vinte anos depois, uma delas é mutilada e morta. Na parede, próximo ao corpo, uma palavra escrita com sangue fresco: "Assassinas". Agora, Mariana, Dafne e Cacau serão sugadas pelo redemoinho de intrigas, política e corrupção da sua cidade natal, e precisam encontrar o assassino antes que uma delas seja a próxima vítima."
VB: Como foi com A Segunda Morte de Suellen Rocha, que está em pré-venda agora? Você lançou o e-book em plena pandemia – um momento em que editoras do Brasil puxaram o freio de mão.
CL: Eu escrevi A Segunda Morte de Suellen Rocha faz muito tempo, na verdade, mais de três anos. Não foi um livro fácil de escrever, ele na época acabou ficando enorme. Eu tive que cortar muita coisa e o livro tal como ficou é meio obra do Frankenstein. Eu cortei pedaços e pedaços e fui juntando tudo pra ficar coerente, porque antes a história tinha muito mais coisa, principalmente de desenvolvimento dos personagem e backstory. Se ficasse tudo, ia dar um livro gigante. E não precisava. Fato é que uma editora grande se interessou pelo livro e ficou quase um ano com ele, e eu esperando a resposta se eles iam publicar ou não. Foi bem angustiante, ainda mais porque no início estava meio certo, tipo "Amamos, vamos só falar com o fulano". Só que o tempo passava e nada de resposta. Aí, quando eu comecei a ficar angustiada, estourou aquela crise das livrarias de não pagar editora. E essa editora que estava com o livro disse que não ia mais poder publicar. Disseram que ficariam um bom tempo sem contratar ninguém. Fiquei muito frustrada – ajudou na minha decisão de seguir independente –, mas tudo bem. Peguei o livro de volta, enfiei numa gaveta e pra mim ia ficar por isso mesmo. Esse livro ficou comigo um tempão enquanto eu fazia outros projetos, como o Mulheres versus Monstros, e acabou nunca vindo a hora certa. Até que no final do ano passado, eu entrei em contato com a Editora AVEC, que eu gosto muito. Eles fazem uma coisa que poucas editoras pequenas fazem: eles distribuem o livro de fato, para livrarias que pagam.
VB: Você chegou e disse que tinha um livro novo.
CL: Isso. Eles me conheciam, eu perguntei se eles não queriam dar uma olhada e toparam. Assim que o Artur Vecchi, publisher da editora, pegou o livro, ele disse: "Esse livro está pronto. Dá pra lançar já. Quer?" E eu disse: "Quero". Até então eu tinha lançado meus livros de forma independente, mas eu estava com tanto trabalho que eu não estava a fim de fazer tudo sozinha de novo. Às vezes é muito gostoso ser independente, às vezes não dá porque a gente tem que trabalhar pra pagar as contas. Desta vez, não ia dar pra eu pensar em financiamento, contratar todo mundo e coordenar a produção do livro. Então eu achei melhor que fosse uma editora que fizesse todo o trabalho por mim, e deu certo. Eles cuidaram muito bem do livro, da capa, revisão, tudo, com expectativa de lançamento do livro impresso para março.
VB: Mas aí veio a pandemia.
CL: Mas aí veio a pandemia. Quando começou a quarentena, todo mundo estava muito inseguro, sem saber o que ia acontecer. Então a AVEC fechou a impressão por um tempo e me perguntou: "Você quer esperar tudo isso passar ou já lançamos em ebook?" Como eu já estava com esse livro desde 2017 para ser lançado, eu falei: "Cara, eu não aguento mais e os leitores também não, então vamos lançar primeiro em ebook e depois impresso".
VB: Como foram as vendas?
CL: O livro vendeu bem, ele chegou no termômetro de vendas da Amazon. Entre todos os produtos da Amazon ele ficou nas colocações lá de cima. Deu um boom muito grande, tanto que ele continua entre os mais vendidos. Tem 26 avaliações, todas 5 estrelas. Fico feliz que estão lendo e gostando. Agora a gente está fazendo a pré-venda do impresso pelo Catarse porque eu tinha experiência com essa plataforma de outros livros e a meta é bem flex: se a gente vender um livro ou 500, a impressão vai sair de qualquer jeito para distribuição. Mas uma pré-venda bem sucedida é sempre boa notícia. A gente bateu a meta em 2 dias, (ainda dá pra comprar pelo Catarse clicando aqui). Para um livro que foi lançado há três meses é ótimo, e isso ajuda a editora a decidir a tiragem pro futuro.
VB: Mas você acha que o livro foi prejudicado por sair no meio da pandemia?
CL: É complicado porque é uma hora de muita incerteza econômica, então é até difícil mensurar se o livro foi bem ou se ele foi mal porque a gente não tem o outro cenário, o cenário normal. No geral, eu acho que lançar livro na pandemia influencia mais de uma forma negativa, porque já é caro imprimir livro no Brasil, o frete é caro, e com incerteza econômica as pessoas começam a cortar os luxos, e infelizmente o livro é um luxo pro brasileiro, não é prioridade. Mas eu acho que ter lançado A Segunda Morte de Suellen Rocha por um valor bacana como e-book foi uma boa.
VB: Apesar que ainda tem gente com resistência ao e-book, né?
CL: Tem, muita gente. Por exemplo: o Eu Vejo Kate 2 está esgotado na versão impressa. Eu não consigo fazer outra tiragem agora porque acabei de investir em outra tiragem do Inferno no Ártico. Mas todo dia recebo mensagem de gente perguntando do impresso porque não gosta de e-book. Ainda existe essa barreira. Eu, particularmente, acho até mais fácil ler no leitor digital: você não precisa segurar com as duas mãos nem fazer força pra manter o livro aberto. Ao mesmo tempo, eu entendo uma pessoa não querer ler o Kindle no busão com medo de ser assaltado. Tem muito obstáculo aí.
VB: E depois de A Segunda Morte de Suellen Rocha, o que dá para esperar?
CL: Oficialmente, estou escrevendo outro thriller com toques de horror e tenho um projeto de não-ficção em andamento com previsão para sair em 2021, além de estar terminando o trabalho num roteiro de filme que começará a ser filmado agora em agosto.