bio

 Oi, chega mais.

Se você veio para o texto-padrão-do-autor-em-terceira-pessoa, aquele em que  eu finjo que quem escreveu minha breve biografia foi outra pessoa (gosto de pensar que seria o Ruy Castro), então aqui está:

Victor Bonini nasceu em São Paulo, capital, e se mudou para Vinhedo, interior do estado, durante a infância. Voltou à metrópole aos dezoito anos para cursar Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. No terceiro ano do ensino superior, começou a escrever seu primeiro livro, Colega de Quarto, lançado em 2015 pela Faro Editorial. A mesma casa lançou O Casamento (2017) e Quando Ela Desaparecer (2019), além da coletânea de terror Vozes do Joelma (2019), em que Bonini assina a última novela, O Homem na Escada. Por fim, seu romance mais recente, Tortura Branca (2020), publicado pela editora Coerência, foi finalista do Prêmio Jabuti. Como jornalista, Bonini passou pelas redações da revista VEJA, TV Gazeta de São Paulo, GloboNews e TV Globo, da qual foi repórter até 2019. No mesmo ano, mudou-se para Nova York para trabalhar com produção de filmes e documentários.

Agora, se você topa um texto mais subjetivo, mais TED Talks, então vou recomeçar essa bio com uma pergunta que me fazem em todo evento: o que se passava na minha cabeça no belo dia em que decidi começar a escrever?

Eu tenho duas respostas.

A primeira — que verbalizo — é que eu sempre li muitos romances policiais, e com isso surgiu a vontade de criar minhas próprias histórias. É a pura verdade. Um autor, antes de mais nada, é um leitor voraz.

A segunda resposta, que fica na barreira da minha ainda ajuizada mente, é: eu não fazia ideia do que eu estava fazendo. Não faço até hoje? Talvez. Talvez meu maior sucesso inicial tenho sido o de saber fingir. E aí eu aprendi uma boa lição. Mas vamos aos poucos.

Comecei a escrever meu primeiro livro aos catorze anos. Era ano de lançamento do último Harry Potter, então imagina a animação literária do jovem (eu até cheguei a escrever uma fanfic desse universo, mas o Avada Kedavra veio depois do primeiro capítulo. Era ruim de doer).

Não, meu primeiro livro não foi uma fanfic Harry Potter; também não foi Colega de Quarto — o primeiro que de fato lancei.

Meu primeiro primeiro livro foi um romance policial 100% inspirado nas histórias de Agatha Christie. Passava-se num teatro de São Paulo com atmosfera quase britânica, diálogos praticamente britânicos e personagens realmente britânicos (de que outra forma eu justificaria que um deles tinha assistido à estreia da peça A Ratoeira, de Agatha Christie?).

Foi divertido, mas sofrível. Na metade, eu já tinha me cansado da história. Na fase final, com uma cabeça mais madura do que aquela de meses antes, eu só conseguia olhar para o início do livro e pensar: "De onde surgiram tantos 'quês' e palavras difíceis e detalhes inúteis?"

Pensei em desistir. Mas e se eu desistisse dessa vez, e depois desistisse da próxima, e depois desistisse da próxima, e virasse um escritor nunca publicado não porque nunca foi aceito por uma editora, mas porque nunca foi aceito por si mesmo?

Eu percebi que minhas ideias e opiniões mudariam muito a partir daqueles catorze anos (felizmente, mudaram). Então eu precisava entrar em um acordo comigo mesmo. Que tal a gente faz o seguinte: você termina esse livro e assume que ele era um retrato do seu eu daquele período? Se ficar um lixo, a culpa é do Victor do passado.

E só sai digitando. Finge que você é o Dan Brown.

Fingir que eu era o Dan Brown abriu espaço para eu focar no que realmente importava: a insistência no processo. Acho chiquérrimo afirmar que escrever é inspiração, mas está tão perto da verdade quanto eu dizer que vou a uma livraria e não vou comprar nada.

"Inspiração" — se você quiser dar nome bonito pro processo de ficar meses ou anos com a mesma massa de modelar na cabeça — é tipo 20% do todo. O resto é trabalho frenético e repetitivo na frente do computador, e é dentro dessa bolha da escrita que novas (e boas) ideias surgem para me levar a outros nortes. Em dias ruins, vira uma chatice, não vou mentir.

Mas como todo trabalho, esse processo de sentar e escrever traz pequenas recompensas. E precisa delas — elas é que são o combustível.

E não tem recompensa melhor do que pensar que alguém, algum dia, vai ler o que eu imaginei. Foi assim com meu primeiro primeiro livro. Terminei me achando o Dan Brown. Eu. Tinha. Terminado. Um. Livro. Eu era o máximo! (Um mês depois, eu já achava o livro uma desgraça.)

Independente da qualidade, eu vi que era capaz.

Devo muito do que aprendi a esse primeiro primeiro livro (que está muito contente curtindo a aposentadoria na primeira gaveta do meu quarto). Aprendi ainda mais com o segundo, que também não foi Colega de Quarto, e sim outro romance com que briguei até terminar. Ele goza da aposentadoria na segunda gaveta do meu quarto.

Eu te segurei até aqui com a promessa de uma grande lição aprendida após vários anos de carreira literária. Bom, eu não tenho uma grande lição nem vários anos de carreira literária.

Mas, como ainda consigo enxergar a linha de largada da corrida, eu me lembro bem de como foi a saída da inércia. Me exigiu dois livros aposentados por invalidez, uma série de Avadas Kedavras e o ego do Dan Brown.

Se você quiser usar isso para sua própria carreira literária (ou quiser levar esse ensinamento como uma pseudo-moral mais ampla), então minha dica é sair correndo e não parar. Persiste, finge, vai até o fim. Depois de cruzar a linha de chegada, aí você decide o que faz. Não consegue perdoar o seu eu do passado? Apaga tudo e o problema é dele.

(Eu, por exemplo, não vou nem te contar quantas vezes fiz e refiz esse texto. E no final nem ficou tão bom assim. Fazer o quê.)