Grace Passo

Grace Anne Paes de Souza (Belo Horizonte, Minas Gerais, 1980). Atriz, dramaturga, diretora e curadora. Em peças traduzidas para vários idiomas, cria fábulas contemporâneas metafóricas, que se distinguem por evidenciar o jogo de forças entre a ficção construída e o real da situação que apresenta.

Ao fazer o espectador estranhar as convenções teatrais, chama a atenção ao pacto ficcional estabelecido e ao espaço de encontro compartilhado entre atores e público. Para tanto, utiliza a metalinguagem e gestos e palavras diretamente endereçados à plateia. Assim, proporciona um jogo contraditório entre ilusão e distanciamento crítico, que pretende despertar a sensibilidade do público para a experiência teatral.

Em resposta ao “abismo” da comunicação humana1, com seus mal-entendidos e não ditos, Grace faz do teatro campo de invenção de linguagem, dedicado a evidenciar o descompasso entre corpos, palavras e imagens. Em todas as esferas de atuação artística, ultrapassa as representações sociais e culturais preconcebidas de gênero, etnia, classe social, entre outras.

Nascida na periferia de Belo Horizonte, no bairro Alípio de Melo, conhece a inventividade da língua pela literatura de autores como João Guimarães Rosa (1908-1967). Estudou teatro no Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado, em Belo Horizonte, e atua com companhias mineiras como Armatrux e Cia. Clara.

Em 2004, funda com outros atores e atrizes o grupo espanca!. Juntos, desenvolvem uma pesquisa de linguagem, voltada a revisar os códigos do acontecimento teatral, para revelar o caráter não natural da linguagem do teatro, e a tramar uma poética da violência. Desde o início, concilia as funções de atuação, direção e escrita, como resultado de uma prática criativa empírica.

Primeiro trabalho do grupo, escrito e dirigido por Grace, Por Elise, estreia no Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine Horto (2004). A peça alcança projeção nacional quando é apresentada no Fringe (2005), mostra paralela do Festival de Curitiba. Pela dramaturgia, uma fábula de formação, situada entre acontecimentos cotidianos de uma vizinhança, recebe os prêmios APCA e Shell de melhor texto.

A poética da violência proposta pelo grupo é recebida como uma cartografia de afetos contraditórios, de traços trágicos e cômicos. A profusão de metáforas, as rubricas poéticas e reflexivas e o desmascaramento da ficção constituem uma obra não realista. Nela, a relação cuidadosa com o espectador se faz por interpelação e outras formas de reconhecimento de sua presença. Sob a superfície de simplicidade, são tecidos comentários sobre o fazer teatral e as relações familiares e sociais.

Assim como em Por Elise, Amores Surdos (2006) constitui-se em torno de uma metáfora para problematizar a falta de escuta dentro das relações familiares, ecoando tons absurdos de O Rinoceronte (1959), do dramaturgo romeno Eugène Ionesco (1909-1994). A noção de teatro como invenção de uma língua se acentua em Congresso Internacional do Medo (2008), peça para a qual Grace cria distintos idiomas para os personagens.

Nos trabalhos seguintes, o espanca! alia-se ao Grupo XIX de Teatro, de São Paulo, e ao diretor argentino Daniel Veronese (1955). Grace também inicia trajetória paralela, em parcerias com artistas variados em todas as frentes de trabalho – como atriz, escritora, diretora e, ainda, na dança. Essas associações com artistas distintos intensificam-se a partir de 2014, quando deixa o grupo espanca!.

Em seu primeiro solo, Vaga Carne (2016), Grace radicaliza na experimentação formal ao conceber uma voz que invade um corpo. Ao dissociar essas duas instâncias, elabora uma teatralidade da incorporação, ou ainda, da constituição do sujeito como linguagem, com implicações existenciais, identitárias, sociais e políticas. Pelo trabalho, recebe o segundo Prêmio Shell na categoria “melhor texto” e o 1º Prêmio Leda Maria Martins de oralitura.

Grace expande as áreas de atuação para a curadoria nas edições 2012 e 2018 do Festival Internacional de Teatro Palco e Rua (FIT-BH) e para o cinema, em Elon não Acredita na Morte (2016), dirigido por Ricardo Alves Junior (1982). A recepção crítica destaca a corporalidade intensa da atriz, com atenção à expressividade do olhar.

Protagonista de Temporada (2018), longa-metragem dirigido por André Novais Oliveira (1984), Grace compõe a personagem Juliana como uma presença contemplativa e afetiva que cumpre o aflorar da força de uma mulher negra de periferia, desde o desnorteamento de quem acaba de chegar a uma vizinhança até o encontro com seu desejo e sua liberdade. Pelo trabalho, recebe os prêmios de melhor atriz no Festival de Brasília e no Festival de Turim, na Itália (2018).

Em 2019, é homenageada na Mostra de Cinema de Tiradentes e faz sua estreia na direção de cinema, em parceria com Ricardo Alves Jr., com o média-metragem Vaga Carne, jogando com os códigos das linguagens teatral e audiovisual.

Com presença cênica marcante, voz forte e olhos expressivos, Grace articula as diversas frentes de trabalho de uma artista do corpo, da palavra e da imagem para criar formas de estranhar o mundo e alargar a imaginação poética e política do artista e do espectador.

GRACE Passô. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa503659/grace-passo