Teatro Negro no Plural

O que São Teatros Negros?

Como definir a categoria teatros negros? E Por que Teatros Negros no plural? A primeira pergunta nos apresenta questionamentos sobre a ausência de conteúdos estéticos e teóricos organizados por artistas negras e negros nos currículos e instituições de ensino de artes. Esta ausência já nos revela um modo padrão do funcionamento hegemônico do teatro, ao legitimar apenas saberes eurocêntricos e estadunidenses como valores estéticos e artísticos essenciais ao ensino, .

Então, o conhecimento da cultura negra acaba ficando restrito à espaços de resistência, grupos e locais contra-hegemônicos que visam manter a cultura e a memória afro-diásporica vivos na sociedade. A padronização do saber europeu é um fato presente nas instituições. O que fazemos diante das estruturas hegemônicas e institucionais? Coletivos, grupos e ações artísticas protagonizadas por pessoas negras são respostas e ações de resistência frente às tentativas de apagamento da história do teatro brasileiro de presença negra. Assim, falar em teatro negro é falar sobre uma diversidade e complexidade de fazeres e saberes artísticos com presença negra e fundamento afro-diaspórico.

Quando falamos no plural, os teatros negros, apresentamos de maneira evidente a complexidade e pluralidade das práticas artíticas produzidas por pessoas e coletivos negros. De maneira estética, podemos afirmar que os saberes afro brasileiros, as performances negras, os espetáculos produzidos com discurso engajado são formas de manter viva a memória ancestral e histórica da cultura negra. Dentro dos coletivos negros, observamos a composição de trabalhos fundamentados através de representação negra e treinamentos baseados nas tradições africanas e afro-brasileiras.

Dito de outra forma, o nome se direciona ao plural, por ser um conhecimento diverso em sua singularidade teatral. Atualmente vem sendo enfatizada sua pluralidade, tanto por estudiosos do tema, quanto por estudantes que ingressam na academia e cujas realidades socioculturais são cada dia mais variadas. Valorizar os saberes negros, a cultura da diáspora e oportunizar reconhecimento e integração do conhecimento, são estratégias de resistência presentes nas ações de coletivos e grupos negros contemporâneos.

A categoria raça é ressignificada em seu sentido político e deslocada da sua origem histórica biológica. Por compreendermos as tensões existentes dentro deste tema, elaboramos neste blog uma aba para disponibilizar materiais e pesquisas já realizadas por pessoas pesquisadoras do tema e assim disseminar os conteúdos relativos à cultura e arte negra a fim de orientar práticas de ensino de teatro com abordagem étnico-racial e promover a circularidade dos conhecimentos estéticos e artísticos das epistemologias negras.

O Projeto Teatros Negros em Rede portanto, visa agrupar materiais, dizeres, imagens, sons, pensamentos acerca de práticas artísticas produzidas por pessoas negras, bem como, disseminar as produções acadêmicas relacionadas ao tema. Nossa iniciativa surge de um contexto específico do curso de Teatro da Escola de Belas Artes da UFMG, mas está longe de ser uma especificidade de Belo Horizonte.

Observamos através dos materiais recolhidos, encontros, consultorias e formações internas que fizemos durante este período do projeto, que as tensões raciais reproduzidas nas instituições de ensino de artes cênicas e teatro acabam por deslegitimar os saberes e fazeres produzidos por nós, pessoas negras. E isto ocorre porque vivemos em uma sociedade estruturada pelo racismo. Retomando, ao contexto da Escola de Belas Artes, atualmente o curso conta com apenas uma disciplina, optativa, que busca abarcar a temática afro-brasileira no contexto dos estudos teatrais. Acontece que diversos estudantes do curso já vêm produzindo, em suas criações artísticas e pedagógicas, novos saberes e estéticas fundadas em conceitos, premissas e valores de criação e produção teatral que questionam padrões colonizadores. E é por isso que nos atentamos em localizar em nosso blog uma aba específica para disseminar estas pesquisas.

Lembramos que a necessidade de estruturar o ensino formal brasileiro a partir de premissas que levem em consideração a diversidade cultural vem sendo enfatizada historicamente pelo movimento negro, e pessoas estudiosas do tema, e/ou estudantes com realidades socioculturais periféricas estão dando continuidade a propagação destes saberes. É latente a reinvindicação social e escolar por uma ampliação do currículo acadêmico, com vistas a dar espaço ao ensino de práticas e saberes que fujam aos padrões colonizadores.

No caso do curso de Teatro, da Escola de Belas Artes, é notável que estudantes já estão produzindo novas estéticas e epistemologias, as quais partem de referências afro-centradas. Porém, as barreiras institucionais impedem a vazão às suas pesquisas.

Queremos enfatizar os esforços de docentes do curso de Teatro da EBA que estão na contramão institucional e apoiam este projeto por acreditarem na necessidade de ampliação das epistemologias numa perspectiva afro-centrada. . Lembramos que ações como esta são amparadas legalmente e previstas pelas leis federais 10.639/2003 e 11.645/2010. Entretanto, com quase 20 anos de implementação da lei, estamos longe ainda da sua aplicação devida nas instituições de ensino no Brasil. Acreditamos que este projeto é uma semente cultivada por pessoas ativistas que abriram caminhos anteriormente e que hoje cultivamos para potencializar a expansão das nossas epistemologias negras.


Quer saber mais sobre Teatros Negros? Deixamos como sugestão o vídeo abaixo, da professora doutora Evani Tavares Lima. Aula que foi ministrada no Curso de Extensão "Estudos em Teatro Negro" da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA).