A obesidade é uma doença crônica, possui difícil tratamento e sua prevalência tem aumentado nas últimas décadas (em proporções consideradas epidêmicas). Pode ser definida como acúmulo de tecido gorduroso localizado ou generalizado, provocado por desequilíbrio nutricional associado ou não a distúrbios genéticos ou endocrinometabólicos.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) define sobrepeso e obesidade como um acúmulo anormal ou excessivo de gordura que pode ser prejudicial à saúde. São causados, fundamentalmente, por um desequilíbrio energético entre calorias consumidas e gastas, o que se pode observar no mundo moderno, com a diminuição da prática de atividade física, aumento da ingestão calórica ou ambos.
O ambiente moderno constitui um grande fator de estímulo para a obesidade. No mundo, tem-se observado um aumento do consumo de alimentos hipercalóricos, ricos em gordura, sal e açúcares, mas pobres em vitaminas, minerais e outros nutrientes importantes. Também houve diminuição da atividade física, decorrente da natureza cada vez mais sedentária de muitas formas de trabalho, dos novos meios de deslocamento e da crescente urbanização. Evidentemente, essas mudanças no padrão alimentar e de atividade física são consequência das mudanças sociais e ambientais associadas ao desenvolvimento. Porém, há outros fatores que interferem nessa questão, por exemplo: falta de políticas de apoio a setores como saúde, agricultura, transporte, planejamento urbano, meio ambiente, processamento, distribuição e comercialização de alimentos e educação.
A etiologia da obesidade é complexa e multifatorial, ou seja, não existe uma única causa para a obesidade. Esta sofre influência e resulta da interação entre fatores genéticos, ambientais, emocionais e do estilo de vida do indivíduo.
Ao contrário do que se pode supor, a maior taxa de obesidade ocorre em populações com maior grau de pobreza e menor nível educacional. Isso pode ser explicado, essencialmente, pelo baixo custo de alimentos altamente energéticos, com grande quantidade de açúcares e gorduras.
Diagnóstico
No passado, havia um padrão considerado “padrão-ouro” para a avaliação do peso, a pesagem dentro da água (peso submerso ou hidrostático).
Deve-se destacar que não há avaliação perfeita para o sobrepeso e a obesidade.
O IMC é um indicador simples da relação entre o peso e a altura, utilizado pra identificar o sobrepeso e a obesidade em adultos frequentemente. Calcula-se dividindo o peso (em kg) de uma pessoa pela sua altura (em m) ao quadrado (m²). Por exemplo, para uma pessoa de 70 kg e 1,70 m temos: IMC=70 kg/(1,70 m)²=70 kg/2,89 m², o que resulta num IMC de aproximadamente 24,22 kg/m².
Para a OMS, um IMC igual ou superior a 25 kg/m² determina sobrepeso, enquanto um IMC igual ou maior que 30 kg/m² determina obesidade.
Vale salientar que a tabela ao lado é uma classificação adaptada pela OMS, baseada em padrões internacionais desenvolvidos para pessoas adultas descendentes de europeus. No entanto, tem sido utilizada na população brasileira.
Apesar de ser um bom indicador, o IMC não está totalmente correlacionado com a gordura corporal e apresenta limitações:
Não diferencia massa gordurosa de massa magra, podendo ser considerado alto, por exemplo, em pessoas musculosas.
A distribuição da gordura corporal não é refletida por esse índice. Pessoas com IMCs iguais podem ter diferentes níveis de massa gordurosa visceral (intra-abdominal), que é um fator de risco potencial para a doença.
Nas diversas populações, não indica, necessariamente, o mesmo grau de gordura, considerando-se as diferentes proporções corporais das populações.
Avaliação da massa gordurosa e sua distribuição
Atualmente existem diversas formas de se fazer essa avaliação. São elas: medição da espessura das pregas cutâneas, bioimpedância, ultrassonografia (pode quantificar o tecido adiposo intra-abdominal), tomografia computadorizada, ressonância magnética (custo elevado), medida da circunferência abdominal e relação circunferência abdominal/quadril ou cintura/quadril (RCQ).
A OMS considera a RCQ como um dos critérios para caracterizar a síndrome metabólica, com valores de corte de 0,90 para homens e 0,85 para mulheres. A RCQ também se mostrou associada à identificação de risco de comorbidades na população brasileira. Por outro lado, a medida da circunferência abdominal reflete melhor o conteúdo da gordura visceral que a RCQ. O risco cardiovascular está aumentado para medidas de circunferência abdominal iguais ou superiores a 94 cm para homens e 80 cm para mulheres (caucasianos), segundo a OMS.
Uma avaliação combinada associando-se IMC e medida da circunferência abdominal (conforme a tabela) pode ajudar a sanar as limitações de cada uma das avaliações isoladas.
Tratamento
O tratamento consiste numa abordagem complexa e multidisciplinar (vários profissionais de saúde envolvidos). Não existe nenhum tratamento farmacológico que não envolva mudança de estilo de vida. Deve-se abordar cada indivíduo separadamente, aumentando o conhecimento sobre o problema e a motivação para agir contra os fatores ambientais que geram a obesidade. A escolha do tratamento deve levar em conta a gravidade do problema e a presença de complicações associadas.
O sucesso em longo prazo do tratamento depende da constante vigilância na adequação do nível de atividade física e de ingestão de alimento, além de outros fatores, como apoio social, familiar e automonitorização.
O sucesso no tratamento é considerado a habilidade de atingir e manter uma perda de peso clinicamente útil, que resulte em efeitos benéficos sobre doenças associadas, como diabetes tipo 2, hipertensão e dislipidemia.
Recomenda-se o uso de medicamentos no tratamento da obesidade e sobrepeso quando houver falha no tratamento não farmacológico em pacientes com IMC igual ou superior a 30 kg/m², IMC igual ou superior a 25 kg/m² associado a outros fatores de risco ou com circunferência abdominal maior ou igual a 102 cm (homens) e 88 cm (mulheres). No Brasil, atualmente, há cinco medicamentos registrados para esse tratamento: anfepramona (dietilpropiona), femproporex, mazindol, sibutramina e orlistate.
Há outros tipos de tratamentos possíveis sem o uso – ou associados ao uso – de medicamentos: tratamento dietético ou dietoterapia, terapia cognitivo-comportamental e tratamentos heterodoxos ou não convencionais. Também existe o tratamento cirúrgico da obesidade, a conhecida cirurgia bariátrica (CB). Esta só é indicada, no Brasil, mediante critérios adotados pelo Ministério da Saúde (para adultos entre 18 e 65 anos): IMC maior ou igual a 40 kg/m² sem comorbidades; IMC maior ou igual a 35 kg/m² com uma ou mais comorbidades associadas; resistência aos tratamentos conservadores realizados regularmente há pelo menos dois anos; motivação, aceitação e conhecimento sobre os riscos da cirurgia; ausência de contraindicações. Pacientes mais idosos estão mais suscetíveis a complicações e morte pelo procedimento.
Obesidade em Crianças e Adolescentes
A avaliação e as condutas, na prática clínica, referentes à obesidade infantil e na adolescência são direcionadas, principalmente, para obesidade comum e exógena (proveniente de fatores externos, como má alimentação), devendo-se excluir outras causas (sindrômicas ou secundárias).
Para crianças, a classificação de sobrepeso e obesidade segundo o IMC é mais arbitrária, não tem a mesma aplicação como acontece com adultos, tanto para definição da obesidade como para a correlação com morbidade e mortalidade e a interpretação difere de acordo com o sexo e a faixa etária. Nesse caso, o limite de normalidade é definido de maneira diferente, por curvas de percentil (atualizadas no ano 2000) do índice de massa corpórea, classificação que também inclui curvas de peso em relação à idade e estatura em relação à idade (da população norte-americana).
A medida da circunferência abdominal é considerada o melhor parâmetro para diagnosticar obesidade central. Crianças obesas apresentam correlação positiva entre gordura abdominal e alterações metabólicas, como hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, hiperglicemia e hiperinsulinemia. No entanto, não há definição de valores de corte específicos para a medida da circunferência abdominal em crianças e adolescentes, mas acredita-se que crianças com 33% ou mais de gordura e circunferência abdominal maior que 71 cm são mais predispostas a risco cardiovascular. É aconselhável que crianças e adolescentes tenham índice de massa corpórea segundo percentil abaixo de 85.
Para esse tipo de obesidade não há tratamento padrão. Recomenda-se controle do ganho ponderal e das comorbidades – eventualmente encontradas. Convencionalmente, o tratamento se fundamenta na redução da ingestão calórica, aumento do gasto de energia, mudança comportamental e envolvimento da família nesse processo de mudança, o que é bastante importante para a adesão do(a) paciente ao tratamento. O tratamento se dá em longo prazo e são sugeridas visitas frequentes.
Não se recomendam dietas de grande restrição calórica, visto que o tratamento dietético deve ser focado na adequação da ingestão calórica e atentar para o suprimento das necessidades nutricionais para cada idade. Também não é permitido o uso de medicamentos ou cirurgia bariátrica. Porém, hoje, no Brasil, pode-se utilizar sibutramina em adolescentes com idade superior a 16 anos. Nos Estados Unidos, em 2003, foi aprovado o uso de orlistate para adolescentes. Pode-se considerar a cirurgia bariátrica como alternativa, apenas, para tratamento de adolescentes que terminaram a fase de crescimento.
Referências
1. World Health Organization. Obesity and overweight. Fact sheet N°311. May 2012. Disponível em <http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs311/en/index.html> Acesso em 25 out. 2012
2. ABESO - Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica. Diretrizes brasileiras de obesidade 2009/2010. 3.ed. Itapevi, SP : AC Farmacêutica, 2009. Disponível em <http://www.abeso.org.br/pdf/diretrizes_brasileiras_obesidade_2009_2010_1.pdf> Acesso em 18 out. 2012
3. ABESO - Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica. Atualização das Diretrizes para o Tratamento Farmacológico da Obesidade e do Sobrepeso. Edição Especial. 47-5. Outubro, 2010. Disponível em <http://www.abeso.org.br/pdf/diretrizes2010.pdf> Acesso em 7 nov. 2012
4. MANCINI, M. C.; HALPERN. A. Tratamento Medicamentoso da Obesidade. In: VILAR, L. et al. Endocrinologia Clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009.