Uma das queixas mais frequentes que chega à endocrinologia pediátrica é a baixa estatura. É necessário identificar se existe de fato um problema no crescimento e se ele é causado por alguma deficiência hormonal.
O controle hormonal do crescimento depende principalmente da regulação de dois hormônios: o hormônio do crescimento (GH) e o fator de crescimento insulina-símile (IGF-1). O GH é produzido pela hipófise sob influência do hormônio liberador do hormônio do crescimento (GHRH) e da somatostatina (SS), ambos hormônios hipotalâmicos. O GHRH age estimulando o GH, enquanto a SS age o inibindo, e esse equilíbrio é mantido por fatores neurais, metabólicos e hormonais, entre eles por ação do IGF-1. Esse hormônio é produzido pelo fígado sob estímulo do GH e é considerado o principal hormônio responsável pelo crescimento. Crianças com déficit de IGF-1 não crescem adequadamente, independente dos níveis de GH.
O crescimento intrauterino começa na concepção e pode ser influenciado pela nutrição, por drogas, álcool e infecções. Hormônios hipofisários fetais não interferem nessa fase do desenvolvimento. Quando o retardo do crescimento ocorre no início da gravidez, a estatura final da criança pode ficar definitivamente comprometida, mas quando o retardo do crescimento ocorre no último trimestre, a criança pode nascer pequena para a idade gestacional (PIG), mas geralmente consegue se recuperar e atingir o seu potencial genético.
O crescimento durante os primeiros dois anos de vida é muito variável, mas em média no primeiro ano de vida o crescimento é de 25 cm e no segundo ano de 12 cm. Entre 3 e 12 anos de idade, o crescimento estatural é em média de 5 a 6 cm ao ano. Na puberdade ocorre uma aceleração do crescimento. Nas meninas, esse estirão ocorre no início da puberdade, se estendendo desde a telarca (início do desenvolvimento das mamas) até a menarca (primeira menstruação). Nos meninos, o estirão é mais tardio e tem o seu pico geralmente dois anos depois das meninas. O estirão puberal dura em média 2 anos e tem velocidades de crescimento variáveis (cerca de 8 cm/ ano nas meninas e 10 cm/ ano nos meninos). Após essa fase, ocorre um declínio gradual do crescimento.
Crianças com estatura muito baixa em relação a outras da mesma idade, que estão crescendo com uma velocidade de crescimento pequena ou que estão crescendo abaixo do esperado em relação ao padrão familiar merecem ser investigadas. A melhor maneira de avaliar o crescimento é através de mensurações seriadas a cada ano ou a cada semestre.
As causas endócrinas raramente são responsáveis pela baixa estatura. A maioria das crianças com déficit de crescimento apresenta variações normais do crescimento. Elas incluem a baixa estatura familiar (BEF) e o retardo constitucional do crescimento e puberdade (RCCP). A BEF é a principal causa de déficit do crescimento no nosso meio e está de acordo com o próprio padrão de crescimento da família. O desenvolvimento puberal e a maturação óssea estão adequados. O RCCP é mais comum nos meninos e se diferencia da BEF pela estatura estar abaixo do alvo familiar e pela idade óssea e puberdade estarem atrasadas.
Distúrbios emocionais também podem afetar o crescimento, principalmente quando ligados à nutrição inadequada. Existe também a chamada baixa estatura idiopática, que é quando não se identifica uma causa para a baixa estatura. A BEF e o RCCP não são considerados idiopáticos, mas nos últimos anos há uma vertente que considera que pacientes com BEF ou RCCP e que têm o prognóstico de altura final muito baixo devem ser tratados como baixa estatura idiopática e receber hormônio do crescimento (GH). Entretanto, a resposta a esse tratamento tem sido muito variável e é necessária uma avaliação individual de cada caso.
O retardo do crescimento intrauterino leva ao nascimento de crianças PIG (pequenas para a idade gestacional) e pode também resultar em baixa estatura final. Cerca de 85 a 90% dessas crianças podem recuperar espontaneamente o atraso. As crianças PIG que não conseguem recuperar a altura até o segundo ano de vida podem fazer tratamento com hormônio do crescimento.
Também podem causar baixa estatura algumas doenças congênitas, como Síndrome de Down, Síndrome de Turner, Síndrome de Noonan, Síndrome de Chockayne, displasias esqueléticas, entre outras. Entre as doenças sistêmicas, a desnutrição merece destaque por ser a causa mais comum de falha no crescimento em todo o mundo. Doenças respiratórias crônicas, doenças gastrointestinais, nefropatias, cardiopatias e hepatopatias crônicas são outros exemplos de doenças crônicas sistêmicas que podem prejudicar a estatura final. Entre as doenças endócrinas que podem afetar o crescimento, destacam-se o hipotireoidismo (congênito ou adquirido), o excesso de glicocorticóides e a deficiência de GH ou insensibilidade ao GH, distúrbios do metabolismo da vitamina D e deficiência de IGF-1.
O uso terapêutico do GH (hormônio do crescimento) em crianças na tentativa de aumentar a estatura final esperada é feito classicamente em crianças com nanismo hipofisário (deficiência clássica de GH). Mas, atualmente, crianças nascidas com pequena idade gestacional (PIG) que não recuperam a estatura após os 2 anos de idade e crianças com baixa estatura idiopática (ou seja, de causa desconhecida) também podem se beneficiar desse tratamento. Novas indicações propostas são síndrome de Down, síndrome de Prader-Willi, Doença de Cushing, puberdade precoce central, raquitismo, entre outras. Entretanto, a segurança do tratamento nesses casos ainda não foi estabelecida.
A terapia com GH sempre requer cautela, pois o seu uso está associado ao risco de morte súbita por hipoglicemia e insuficiência adrenal. Por isso, antes de iniciada a terapia, os riscos e os potenciais benefícios desse tratamento devem ser devidamente avaliados com o médico.
- VILAR, Lúcio et al. Endocrinologia Clínica. 3ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.