Não se dizer se a incompetência é mais usual
No indivíduo que escreve ou no que julga mal;
Mas, desses dois, menos perigos apresenta
Quem entendia a nós que quem nos desorienta
Poucos falham ali, mas muitos deste lado;
Dez punem sem razão por um que escreve errado;
Antes o tolo expunha-se sozinho à tosa,
Hoje um em versos cria muitos mais em prosa.
Os julgamentos e os relógios em porfia
Jamais coincidem, mas cada um no seu confia.
Nos poetas o gênio é coisa que anda rara,
E nem sempre o bom gosto os críticos ampara;
Para ambos deve a luz do alto do céu descer:
Nasce um para julgar, o outro para escrever.
Ninguém senão quem sobressai ensine a alguém,
Censurando sem peias o que escreve bem.
Se os escritores são parciais com seu talento,
Não são assim os críticos no julgamento?
Mas, se olharmos de perto, vemos que as sementes
Do julgamento a Natureza pôs nas mentes:
Um bruxuleio ao menos ela nos oferta,
E o traço, mesmo fraco, segue a linha certa.
Porém, como um esboço de beleza pura
Quando mal colorido perde a sua finura,
O saber trôpego ao bom senso desfigura.
A alguns confunde o emaranhado das escolas;
Outros, cheios de si, são só cabeças tolas.
Na ânsia da glória, a insensatez é sua política,
E, em sua própria defesa, partem para a crítica.
Há nos que escrevem, nos que não, ardor igual:
Todo o despeito de um eunuco ou de um rival.
O prurido do escárnio o tolo sente em si,
E sempre quer estar do lado de quem ri.
Se, a despeito de Apolo, Mévio escrever deve[1],
Há quem critique ainda pior do que ele escreve.
(Vv. 1-35)
Primeiro segue a Natureza, e forja a mente
Por seu justo padrão, que nunca é diferente;
A Natureza que não erra, alto fanal,
Uma luz fúlgida, perene e universal,
Vida, força e beleza esparze em toda parte,
Ao mesmo tempo a fonte, o fim e a prova na arte.
A arte daquele fundo as provisões divide,
Trabalha sem alarde, e sem festões preside.
Assim, num belo corpo, o espírito instrutor
Nutre com ânimo, enche o todo com vigor,
Dirige-lhe as moções, os meios lhe sustenta,
Alguns, a quem o Céu foi pródigo em engenho,
Querem usá-lo com ainda mais empenho,
Pois Julgamento e Engenho podem contender,
Embora unidos, qual marido com mulher.
Nada de esporas! Ao corcel da Musa guia;
Antes conter do que atiçar sua galhardia;
Qual generoso equino, esse ginete alado[2]
Mostra melhor o brio se o curso é refreado.
Tais leis antigas, que não são coisa inventada,
São inda a Natureza, mas metodizada;
E, como a liberdade, a Natureza é adstrita
Somente pelas regras que ela mesma dita.
(Vv. 68-9)
A cada obra terá o bom Avaliador
Segundo o espírito com que escreveu o autor;
O Todo vê — com falhas leves complacente,
Se a natureza move, e o enlevo aquece a mente;
Nem perde, com obtuso e pernicioso empenho,
O prazer generoso de fruir o Engenho.
Mas a poesia que nem cai nem extravasa,
Corretamente fria e normalmente rasa,
Que, mantendo um só tom, evita o desabono,
Foge, de fato, da censura... mas dá sono.
Como na natureza, o que comove na arte
Não é a exatidão que ostenta cada parte;
Não chamamos beleza um olho ou uma boca,
Mas a força do todo e o efeito que provoca.
Assim, na cúpula proporcional que assoma [3]
(Justo assombro do mundo, e mesmo teu, Oh Roma!),
Nenhuma parte nos surpreende em separado;
Aos olhos que contemplam, tudo vem ligado;
Sem monstruosa altura ou comprimento no ar,
O todo, ao mesmo tempo, é ousado e regular.
(Vv. 233-252)
O escrever fácil só com arte é que se alcança,
Como melhor se move o que aprendeu a dança.
Não basta que o poema seja comedido:
Deve o som parecer um eco do sentido.
Maviosa é a música se branda expira a brisa,
E em métrica mais doce o doce rio desliza;
Mas se a vaga vergasta o litoral plangente,
O verso rude e rouco ruge qual torrente.
Se a vasta rocha Ajax esforça-se a atirar,
Também labuta a linha, e avança devagar;
Não assim, se veloz Camila varre o plano,
Vai sem dobrar o trigo e sem roçar o oceano.
Que surpresas Timóteo cria em sua emoções,[4]
Num subir e descer de alternas emoções!
Vv. 362-375)
Fonte de Consulta
POPE, Alexander. Poemas de Alexander Pope. São Paulo: Nova Alexandria, 1994.
[1] Mévio — Nome de um tolo poeta mencionado por Virgílio
[2] Alusão a Pégaso, o cavalo de Apolo, deus do sol, da beleza e das artes
[3] Faltou anotar
[4] Faltou anotar