O MUNICÍPIO: À PRIMEIRA VISTA
Prof. de Geografia
Mestre em Educação
Diretor de Cultura
CIDADEZINHA QUALQUER
Casas entre bananeiras
Mulheres entre laranjeiras
Pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.
(Carlos Drummond de Andrade)
Pequeno aglomerado urbano as margens da PB 073. Há quem “atire-lhe” anedotas dizendo: no verso da mesma placa onde se lê “seja bem-vindo” também está escrito “obrigado pela visita”. Lugar onde até a segunda metade dos anos 1990 havia apenas três pequenas ruas na sua zona urbana, a saber: Manoel de Sales, Ana André de Carvalho e Júlio Guabiraba - a “Rua do Fogo”. Mas, nesse lugar citadino, o rural vem aos olhos, noutros matizes. É que os quintais das propriedades costumam ser longos e conter frutíferas e em algumas, até curral e roça.
Uma “vida besta”, como expresso no poema de Drummond, mas que se refere a inquestionável e pacífica simplicidade do sobradense de mais idade, que até hoje preserva traços de sua ancestralidade e amante apenas das coisas triviais: onde morar; o que comer; o que vestir; onde rezar e algo para sorrir, quando cabe. Uma vida que não tem nada de “besta” (no sentido de “boba”), pois ainda abraça as coisas que são consideradas das mais importantes para o ser humano, o bem-viver.
Quem apenas passa por aquela rodovia, uma linha lateral, não imagina que suas três primeiras ruas preservam traços remanescentes dos tempos anteriores ao surgimento da sua cidade polo, Sapé. Por esse seguimento, acrescente-se que ao folhear os escritos do senhor Juraci Marques Ferreira e Adauto Ramos, ambos os autores de obras que versam sobre este lugarejo, podem ser encontrados traços de um histórico que permite alguns questionamentos: por que determinados territórios, por fim, viraram minúscula página da história? Ou ainda, por que Sobrado passou tanto tempo em diminuto?
Segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE em 2010, o município de Sobrado tem uma população de 7.373 habitantes, em 2020 estima-se uma perspectiva de pouco mais de 7.800 segundo o mesmo instituto, ou seja, nessa projeção já será ultrapassado o número de 8.000 habitantes nos próximos dez anos, aproximadamente.
A maior parte desta população vive na zona rural. Algo em torno de 88% do total de domicílios salpica o território de Sobrado nos pequenos sítios, chácaras e fazendas, o que permite um retorno às palavras de Drummond, quando considera que o tempo passa devagar nesses lugares, embora as fronteiras sejam, de certo modo, permeáveis, sobretudo, por meio das novas tecnologias que dinamizam o acesso à informação. Por assim dizer, acerca desse tempo, ainda há pessoas em trajes de: calça social, alpercatas de couro e chapéu de massa, a saber, a tradicional e histórica indumentária para ir à missa ou à feira. Camisa de botão desensacada, o senhor de rosto vincado pelas marcas do tempo, com a face morena de sol olhando a roça, divagando enquanto pita em um “pé de burro (1)”.
É possível encontrar nas comunidades rurais as festas tradicionais, nas quais o cenário é deveras nostálgico. A capelinha, uma cerca de bambu e palha de coco fazendo a demarcação do arraial de “chão-batido” e varrido, sob o teto de bandeirolas e fitas coloridas que se balançam freneticamente ao vento fresco tão comum nestes lugares de essência campesina, cercada pela paisagem agropastoril. Esses são cenários que precisam ser visitados e revisitados com um olhar que vai para além do romântico.
Ao se descortinar cenários, é essencial considerar que registros precisam ser (re)feitos, novos parâmetros precisam ser delineados, ainda que demandem ações de uma educação libertadora que, primando pela consciência crítica, vai mostrar ao povo o valor das suas manifestações populares. Tais valores são parte da edificação histórica da sociedade, na qual os indivíduos estão inseridos, que podem ajudar no entendimento dos processos ocorridos no passado, mas, que ainda se faz sentir nos dias atuais. Assim, é perceptível um histórico em que muito terminou sendo suprimido para manter-se apenas aquilo que as elites consideraram “História do Brasil”. Ou seja, narrativas e relatos com “apagamentos” que favorecem apenas a uma construção editada com estimas da classe dominante.
Notas:
(1) Ou cigarro de palha. Atualmente feito com fumo de rolo e um tipo de papel ceda vendido em mercados e na feira especificamente para este fim. - (2) Quintal ou terreno na frente da casa. Sem vegetação, o solo fica compactado e endurecido. Por esta região, geralmente é onde se realizam os festejos daquela família, dentre os principais pode-se citar as festas juninas. - (3) Com a ausência de muitas casas aglomeradas e a presença marcante de áreas de agricultura, as propriedades rurais ficam mais suscetíveis aos golpes de vento, haja vista não estarem incrustradas em espaços cheios de obstáculos às correntes de ar.
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Fonte: LUNA, Edno Paulino de. Sobrado/PB, nos recônditos da macrohistória: da necessidade de uma educação revitalizadora da memória e patrimônio, in SOUZA, Alexandre Soares; CRUZ, Pedro José Santos Carneiro. (orgs.) 1ª ed. Caminhos da Construção Compartilhada do Conhecimento: Experiências e Reflexões (livro eletrônico). / Alexandre Soares de Sousa...[et al.]; - João Pessoa, PB: Editora do CCTA, Universidade Federal da Paraíba – UFPB, 2020, p. 15-16.