Post date: 02/05/2016 22:28:40
Tradução do artigo apresentado na 27a Conferência sobre Pragas Vertebradas, California, Março 2016. Tradução: Clarissa Alves da Rosa
Manejo de javali no Brasil após três anos de regulação de seu controle
Clarissa Alves da Rosa, Marcelo Osório Wallau, Rafael Salerno, Felipe Pedrosa, Agnis Cristiane de Souza, Fernando Puertas, Tiago Xavier dos Reis e La Hire Mendina Filho.
Breve Histórico e Questões Legais no Controle do Javali no Brasil
Os javalis tem expandido sua distribuição pelo Brasil desde a década de 1980 e ultimamente tem crescido os casos de danos a plantações e criações de animais sendo predadas por estes. Somente 24 anos depois do primeiro relato de porcos asselvajados no Brasil, foi autorizado o uso de métodos letais para o controle pelo IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis) com a Instrução Normativa 03/2013 (IN 03/2013). Porém ainda existem muitas restrições especialmente relacionadas à caça e transporte de armas de fogo e munição.
O Brasil é conhecido por ter as leis ambientais mais restritivas do mundo quanto ao uso da vida selvagem como recurso e uso de métodos letais para o controle de vertebrados. Porém, algumas experiências para o controle de javalis foram autorizadas pelo governo em 1995, 2002, 2004 e 2007 nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, contudo com pouca efetividade no controle das populações. Todas as leis foram revogadas em 2010 por pressões de grupos de proteção animal. Outros dois projetos pilotos foram implantados no Paraná e Mato Grosso do Sul em 2009 e 2010, porém realizaram pouca ou nenhuma ação. A burocracia envolvida nesse assunto e a falta de informações atrasou o avanço das discussões. Em quanto isso, os problemas só aumentaram com o aumento das populações e a dispersão do javali pelo País.
Devido a forte pressão de federações e associações de produtores rurais, e especialmente por recentemente o Brasil ter conseguido o status de livre da febre suína pela FAO, em 2013 o IBAMA autorizou o uso de métodos letais para o controle de javalis por todo território brasileiro.
A IN 03/2013 permite o uso de métodos letais para o controle das populações de javalis por todo território brasileiro, por qualquer cidadão, sem limite de época ou quantidade para o abate. O cidadão precisa se registrar no IBAMA para conseguir uma licençque deve ser renovada através de um relatório de atividades a cada 3 meses, informando o IBAMA quantos animais foram abatidos, sexo, tamanho, método de abate e localização. O processo de renovação da licença pode levar mais de 1 mês e não é acessível a todos, especialmente em áreas rurais. Além disso, para o uso de armas de fogo, os controladores precisam estar associados a clubes de caça ou tiro, assim como passar por um processo junto ao Exército brasileiro que facilmente pode durar mais de 1 ano e custar mais de R$1000,00. O preço dos equipamentos e munição também é custo proibitivo, já que no Brasil os valores ultrapassam 3 vezes o que é encontrado nos Estados Unidos.
Para avaliar a aplicabilidade da IN 03/2013, nós disponibilizamos um questionário online utilizando o Google Forms©, entre Junho e Agosto de 2015 por todo o Brasil através de clubes de caça, blogs e redes sociais (Facebook©). Os controladores voluntários foram questionados sobre os procedimentos legais para o controle dos porcos asselvajados. Nossos resultados demonstram que a maioria dos entrevistados possui licença junto ao IBAMA (60%) e Exército brasileiro (66%). Contudo, metade (48%) não está em dia com os relatórios trimestrais, basicamente por falta de recursos econômicos (55%) para a entrega dos relatórios nas agências do IBAMA (média de 268 km de distancia de deslocamento para entrega de relatório, N=52), burocracia (46%) e falta de informações sobre o processo (33%). Muitos controladores ressaltaram a necessidade de a licença ser feita via internet, especialmente a entrega dos relatórios. O aumento do prazo para expirar a licença de 3 meses para 1 ano, foi mencionado como um facilitador, visto que a autorização para o transporte de armas pelo Exército brasileiro é ligado a licença do IBAMA. Muitos controladores ilegais tem interesse em se legalizar para evitar perseguições.
Analisando somente o processo para o registro e o transporte de armas pelo Exército, a reclamação mais comum foi os atrasos para se conseguir as autorizações (exemplos com mais de 1 ano), e a subjetividade do Exército em conceder as licenças. Além disso, o calibre mínimo para o controle dos javalis ultrapassa o acesso a armas para cidadãos, limitando as autorizações apenas a aqueles que são membros de clubes de caça ou tiro, o que exclui a grande maioria dos produtores rurais.
Métodos de Controle de Javali no Brasil
Para avaliar os métodos de controle de javali realizou-se o mesmo questionário online citado previamente com controladores voluntários em todo território nacional e também, entre 2014 e 2015, entrevistas com produtores rurais e controladores em dois Estados e regiões políticas diferentes: Itamonte, MG e Santana do Livramento, RS. Nós entrevistamos 38 produtores em Itamonte e 8 em Santana do Livramento que realizam controle de javalis. Foram abatidos 224 indivíduos em um ano, 98 em Itamonte (12.2±4.3 javali/controlador) e 126 em Santana do Livramento (21±15.8 javali/controlador), sem diferença significativa entre machos e fêmeas abatidas. Nós identificamos 4 métodos de controle: curral e armadilhas com isca, trincheiras com isca, caça de perseguição e caça de espera. A trincheira é comumente utilizada em Itamonte e consiste em um dique, usualmente utilizado para armazenar silagem, adaptado para um curral. A caça de espera consiste em escolher um lugar naturalmente preferido pelos javalis (reconhecidos previamente por sinais dos animais ou perto de lugares que são usados para alimentação ou banho) ou em lugares artificiais, colocar uma isca para atrair os animais. No entanto o método mais utilizado pelos entrevistados foi a caça de perseguição (59%) sendo os cachorros presentes em 84% dos relatos.
Dos 126 entrevistados online, a maioria do Sul e Sudeste do Brasil, reportaram o abate de 2212 javalis em um ano (931 fêmeas e 1036 machos). Cada controlador abateu uma média de 16.8±25.36 indivíduos, sem diferença significativa entre machos e fêmeas. Os métodos de controle mais utilizados foram a caça de perseguição (94%) caça de espera (46%) e armadilhas (16%), sendo que 46% dos entrevistados utilizam de mais de um tipo de método. A caça de perseguição com cachorros (82%) é o método preferencial reportado pelos entrevistados. Para o abate dos animais os controladores utilizam armas de fogo (70%) e arma branca (74%).
O Cenário Político para o Controle do Javali no Brasil
Apesar da criação da IN 03/2013 pelo IBAMA, nenhuma ação de controle dos javalis foi realizada por qualquer esfera do governo. Contudo, algumas instituições como o ICMBio (Instituto de Conservação da Biodiversidade Chico Mendes) e o IEF/MG (Instituto Estadual de Florestas) tem dado suporte a atividades encabeçadas por voluntários da sociedade civil. Alguns exemplos da organização da população para promover discussões e ações para o controle, são a rede “Aqui tem Javali” (www.aquitemjavali.com.br) que coleta informações sobre a presença de javali no Brasil desde 2008 (Pedrosa et al. 2015), e o grupo Javali no Pampa em Santana do Livramento que desde 2014 tem parceria com instituições de pesquisa coletando e publicando grande quantidade de materiais informativos sobre javali. Além disso, existem vários grupos de caça que voluntariamente realizam o controle das populações de javali em propriedades públicas e privadas.
Algumas experiências de maior envolvimento do ICMBio foram realizadas em unidades de conservação como a Área de Proteção Ambiental de Ibiraputã no Rio Grande do Sul e o Parque Nacional do Itatiaia no Rio de Janeiro e Minas Gerais. Com estratégias diferentes nas duas unidades, a APA Ibiraputã coordenou em 2011 a primeira reunião para discutir a situação da região frente ao javali e desde 2015 se reúnem representantes das agencias de governo, universidade e produtores rurais na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, apesar na lentidão no avanço das discussões. O Parque Nacional do Itatiaia implantou em seu território um controle experimental do javali entre 2014 e 2015 em parceria com instituições não governamentais e universidades. Nessa ação de controle foram abatidos 15 indivíduos por um controlador utilizando cachorros.
Eventos para a discussão dos impactos sociais, econômicos e ambientais, além de técnicas de controle de javalis, foram realizados em Minas Gerais em 2014 e 2015 (I e II Workshop sobre Controle de Javali na Serra da Mantiqueira e a I Reunião sobre Javali em Minas Gerais). Nesses eventos os representantes do governo apoiam o uso de métodos não letais como contraceptivos e castração, porém com nenhum recurso direcionado para testa-los, ficando os produtores rurais e controladores dependentes de injetar recursos próprios para o controle estimado, segundo controladores voluntários, em R$ 1000,00 por cada animal abatido.
Uma pesquisa de percepção utilizando questionários foi aplicada aos participantes do II Workshop sobre Controle de Javalis na Serra da Mantiqueira antes e depois do evento. Representantes de 23 agências governamentais e não governamentais, produtores rurais, controladores e sociedade civil foram perguntados sua opinião sobre a relação do javali com o ser humano, responsabilidade de controle, manejo, destino dos animais abatidos e impressão sobre a IN 03/2013. Nossos resultados demonstram que 85% dos 35 participantes veem os javalis como causas de problemas sociais e ambientais e para que seja realizado o controle efetivo a responsabilidade deve ser compartilhada entre governo e sociedade civil (80%). Para os 12 participantes que responderam o questionário antes e depois do evento, 59% mudaram a opinião de desfavoráveis para favoráveis em relação a normatização do controle de javalis. Nós acreditamos que a presença de produtores rurais e controladores expondo seus problemas devido a invasão dos javalis e a expectativa em controlar as populações, influenciou a mudança de opinião.
Conclusão
Em nossas pesquisas nós identificamos dois perfis de controladores de javalis: o produtor rural com o objetivo em proteger sua criação de animais e plantações, e o controlador recreativo que vê o javali como uma oportunidade de caçar legalmente. Contudo, a IN 03/2013 é normalmente inacessível aos produtores rurais e a posição oficial do governo é de evitar o apoio à caça recreativa. Atualmente os produtores rurais são os mais afetados e tendo as maiores, senão todas, perdas econômicas causadas pela invasão do javali. Normalmente as comunidades rurais caçam o javali como uma atividade oportunista (Carvalho et al 2015) e como uma fonte alternativa de proteína, o que diminui a pressão de caça sobre espécies nativas (Nielsen et al 2014, Junker et al 2015, Desbiez et al 2011).
A metodologia de controle dos javalis mais utilizada no Brasil é a caça com cachorros, apesar da alta eficiência das armadilhas. Isso se deve a tradição no Brasil em utilizar cachorros para caçar espécies nativas (Neto et al 2012) e tem sido a metodologia mais viável para o controle dos javalis inicialmente, pois pelas condições históricas existe animais e pessoal treinado, além da pouca documentação requerida quando comparado a armadilha.
O Brasil pode estar enfrentando um grande desafio nos próximos anos para atingir o controle efetivo dos javalis, já que houve o espaço de 24 anos desde o primeiro registro de javali no Brasil e a criação de uma normatização para seu controle. Atualmente muitos controladores, sobretudo produtores rurais, atuam ilegalmente devido a burocracia para tirar licença e/ou falta de informação. Os atrasos e complicações no processo para tirar a licença contribuem para a falta de confiança dos controladores e proporcionam o aumento da distribuição das populações de javali pelo Brasil. Portanto, é preciso realizar uma revisão da IN 03/2013 para que seja reduzida a burocracia, sobretudo no que diz respeito ao licenciamento através de um sistema online. Além disso, acreditamos que a implementação de relatórios online e o trabalho organizado entre pesquisadores, agências do governo e controladores, avaliando a eficiência de métodos de controle, melhorará significativamente as técnicas utilizadas pelos controladores.