Data de postagem: Jan 02, 2012 2:22:33 PM
A ética do aborto
Por envolver noções de vida e morte, encerrar uma gestação não pode ser nos termos de certo ou errado, sugerem os filósofos. A possibilidade da decisão do STF no caso de fetos anencéfalos, mais uma vez adiada, reacende a discussão no Brasil.
Normalmente, quem condena o aborto também condena qualquer lei que permita sua prática segura; e quem defende a descriminalização não vê nenhum problema ético no aborto. Uns olham somente para o feto, outros apenas para a mulher. É possível, porém, considerarmos o aborto uma coisa ruim e ao mesmo tempo não concordar que ele seja um crime punível com prisão. Podemos ser contra o aborto, mas a favor do direito da mulher ao aborto.
Em geral, contra o aborto, alega-se que: é errado matar um ser humano inocente (premissa maior, normativa); um feto humano é um ser humano inocente (premissa menor, factual); portanto, é errado matar um feto humano (conclusão). Em favor do direito ao aborto, em geral, argumenta-se contra a segunda premissa acima: um feto humano não seria, desde o início da gestação, um ser humano desenvolvido, pois ele se forma gradualmente.
Tirar a vida de uma pessoa é um dos maiores danos que se pode causar a ela: primeiro, se a morte subtrai um futuro valioso, cheio de benefícios que seriam vividos pela vítima; segundo, se a pessoa não quer ser morta; terceiro, se a morte também causa danos à família e à sociedade da vítima; quarto, se o interesse da vítima em continuar vivendo for protegido como um direito quase absoluto.
Mas, por causa do erro de matar alguém como nós, em geral, algumas pessoas pensam que também é errado tirar a vida do feto. Em alguns aspectos, o feto se parece com um de nós, por exemplo, ele está vivo, é um ser humano. Mas em outros aspectos ele não se parece com um de nós: o embrião não é ainda um organismo, o feto precoce não tem a capacidade de sentir e ser consciente; mesmo um feto desenvolvido ainda não é autoconsciente e autônomo.
Há várias maneiras de justificar por que seria errado terminar uma vida fetal, mesmo em desenvolvimento, e dentre elas a mais forte é a que condena o aborto porque terminar a vida fetal subtrairia o futuro valioso para tal ser em desenvolvimento, já que sem o aborto ele teria um futuro como o nosso. Pensamos que um feto humano tem um futuro normalmente promissor pela frente, cheio das experiências que tornam uma vida normalmente boa de ser vivida. Ora, tirar a vida do feto é impedir que esse futuro valioso ocorra e é impedir que alguém como nós tenha este futuro. Aquela ação pode causar um grande dano ao feto, pois uma explicação do erro de nos matar reside na perda de todos os anos de vida pela frente que teríamos (cf. Marquis, 1989).
UMA VIDA VALIOSA COMEÇA QUANDO SE PODE APRECIÁ-LA DE ALGUM MODO: SÓ COM A CAPACIDADE PARA EXPERIMENTAR BENEFÍCIOS DA VIDA ALGUÉM PODE SER BENEFICIADO
Porém, terminar uma gestação, ao menos quando o feto está em formação, talvez não seja prejudicar alguém, mas apenas deixar de preparar e beneficiar uma pessoa no futuro. Se interferimos no processo de reprodução, impedindo que um espermatozoide fecunde um óvulo, também estamos impedindo que alguém, no futuro, aprecie uma vida valiosa. Uma vida valiosa começa quando se pode apreciá-la ou experimentá-la de algum modo: só com a capacidade para experimentar os bens ou benefícios da vida alguém pode ser beneficiado ou prejudicado.
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Alcino Eduardo Bonella é professor de ética da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Email: abonella@gmail.com