Em memória do Padre Luciano Pereira de Carvalho que me ofertou a informação, bem assim os documentos.
José Alberto Matos da Silva
Miranda Antiga
O tesouro de Chão de Lamas
No Museu Arqueológico Nacional de Madrid, na chamada Sala del Tesouro, encontram-se desde o ano de 1922, com os números 28586 e 28591 um conjunto de objectos a que os arqueólogos chamam Tesouro de Chão de Lamas.
Trata-se de um conjunto de peças de prata lavrada e fundida, de raro valor, e que, sem se saber como, foi parar a Espanha, onde tem sido estudado por arqueólogos e etnógrafos de além fronteiras.
Sabe-se que um “português ilustre” e “entusiasta hispanófilo” conseguiu que o Estado
Espanhol comprasse para figurar num museu da Península perante a impossibilidade
de o Governo Português o adquirir por falta de dinheiro...
As peças de que se compõe o tesouro são seis:
Uma lunula; ou colar (torque) de prata lavrada e repuxada cujas extremidades simulam cabeças de serpente;
Duas lunulas ou peitorais, uma de prata batida outra fundida;
Dois vasos (um de 156 m/m e outro de 124 m/m são bojudos e têm ornamentos e cordoes à volta do gargalo e no bojo folhas largas e estilizadas.
O umbo ou umbiqo de escudo de guerra ou seja o seu ornamento central com ornatos de ouro ou de prata muito dourada, com um diâmetro de 115 m/m.
Pertencem todas elas a certa classe já elevada da arte de ourivesaria de que tanto se pode orgulhar a Península nos períodos proto-históricos, mas ao mesmo tempo deixam dúvidas quanto à sua origem, porque, pelo seu exotismo, fogem um pouco às regras estabelecidas e podem admitir influências provocadas por meio de relações de ordem comercial ou ainda pela movimentação de povos antes do período da sua fixação.
Por estas razões o tesouro de Chão de Lamas vem levantar uma série de problemas como por exemplo, o da origem destes artefactos e do tipo de civilização onde foram encontrados.
É muito possível que estes belos objectos encontrados no planalto de Lamas e que denunciam cultura artística apreciável, correspondente aos últimos séculos anteriores a Cristo, não representem a existência de qualquer aglomerado humano de importância onde fossem objectos de uso corrente, pois não há notícia, até hoje, de populações activas e cultura elevada no território mirandense.
Será, assim, mais verosímil a hipótese de este tesouro ter vindo de qualquer outro núcleo de população vizinha, mais ou menos próximo, destruído pelas sucessivas invasões dos povos do Norte e abandonado a toda a espécie de pilhagens.
Dificilmente terão resposta estas dúvidas.
Só é lamentável que por falta de dinheiro, de cultura e de patriotismo se alienem bens de incalculável valor artístico e histórico, tornando cada vez mais pobre e despido de interesse o interior deste País...
N. .R. — Este artigo foi baseado em Notas sobre Miranda do Corvo da autoria do Coronel. Belisário Pimenta publicado no “Diário de Coimbra” em 1950.
[“Mirante. Órgão regionalista de defesa e propaganda do Concelho de Miranda do Corvo”. Miranda do Corvo, Ano II, n.º 15, (Jun. 1979)]
Miranda do Corvo
(Notas)
XXVII
Por coronel Belisário Pimenta
O capitel visigótico do Museu Machado de Castro de que se falou em notas anteriores e que pode levantar problemas relativos às populações do concelho veio lembrar outro problema possivelmente mais fácil de resolver mas que também tem alguma coisa que se lhe diga.
Quero referir-me a certo conjunto de objectos depositados no Museu Arqueológico Nacional de Madrid, na chamada Sala del Tesoro, desde o ano de 1922 com os números 28586 a 28591 e que, entre os arqueólogos espanhóis é conhecido por el tesoro de Chão de Lamas.
É possível que só raros mirandenses saibam da existência destas preciosidades guardadas, com o cuidado devido, no museu arqueológico da capital da nação vizinha e estudadas com proficiência e citadas muitas vezes nos estudos eruditos de alguns arqueólogos e etnografos de além fronteiras. Pois é mesmo assim: o tesouro de Chão de Lamas, conjunto de peças de prata lavrada e fundida que, sem saber como, foi parar à capital espanhola, exposto há quase 30 anos numa exposição de ourivesaria, promovida pela Sociedade Espanhola dos Amigos da Arte e quase ignorado em Portugal.
Sabe-se que houve um português “ilustre” e “entusiasta hispanófilo” (segundo informa um arqueólogo espanhol) que “ante el sentimiento patriótico que le produjo la impossibilidad de momento de adquirirlo su nacion, com tal que quedase en la Peninsula, preferió figurase en un Museo de España, mejor que emigrára a outro extranjero…”
Assim foi que o Estado Espanhol comprou para o dito museu essas ricas peças que o governo português abandonou por falta de dinheiro e que o entusiasta hispanófilo vendeu levado por sentimento patriótico…
Ora bem. As peças de que se compõe o tesouro são seis: um colar (torque) completo; um fragmento de outro; duas lunelas ou peitorais, uma de prata batida ou fundida; dois vasos lavrados e um umbo ou umbigo de escudo de guerra ou seja o seu ornamento central com ornatos de ouro ou de prata muito dourada. Pertencem todas elas a certa classe já elevada da arte de ourivesaria de que tanto se pode orgulhar a Península nos períodos proto-históricos mas que deixam ao mesmo tempo certas dúvidas pelo seu exotismo que foge um pouco às regras estabelecidas pelos estudiosos na evolução da mesma arte e podem admitir influências provocadas ou por meio de relações de ordem comercial ou ainda pela movimentação de povos antes do período mais ou menos conhecido da sua fixação.
Tudo é problemático e apenas é positivo o valor do tesouro que sobressai entre muitos outros grupos de peças encontradas aqui e além, quer pelo seu valor real quer pelos problemas de vária ordem que comporta — desde o da origem dos artefactos ao da espécie de civilização do local onde foram encontrados. Deveremos admitir até como mais provável uma larga expansão artística de vária espécie de influências continentais em períodos de vida pacífica, tanto mais que as peças que compõem o tesouro aprecem não ser rigorosamente contemporâneas e algumas têm merecido interpretações de certa diferença.
E também para apreciação rigorosa das peças, deve entrar-se em linha de conta com a circunstância de este tesouro e outros encontrados em vários pontos da Península, não poderem, só por si, darem elementos para mapa elucidativo acerca de núcleos de população e suas possíveis relações extra-peninsulares.
“...Podemos citar, infelizmente, entre várias destas valiosas peças saídas de Portugal clandestinamente (algumas delas até com a conivência ou simples desleixo e incúria de pessoas de responsabilidade) a maravilhosa “Xorca de Sintra”, hoje no British Museum, de Londres; o “Colar de Portel”, em França, no Museu da Saint-Germain-en-Laye; o “Colar de Penela” roubado do Palácio das Necessidades, e que pertencera à colecção do Rei D. Fernando, consorte de D. Maria II; o magnífico “Tesouro de Chão de Lamas” e o “Bracelete de Estremoz”, estes dois últimos actualmente no Museu Arqueológico Nacional de Madrid [... Sobre o colar de Penela (Coimbra), cujo paradeiro hoje se ignora, tendo sido roubado do Palácio das Necessidades em Outubro de 1910, afirmou o falecido investigador espanhol Juan Cabrê y Aguiló que ele se encontrava num museu estrangeiro, sem designar qual fosse, o que, a não ser que se tratasse de lapso deste Autor, mereceria que o Estado português procedesse a uma averiguação relativa às circunstâncias em que o valioso objecto roubado saiu do nosso pais (Vide Juan Cabré y Aguiló, El tesoro de Chão de Lamas, Miranda do Corvo, Portugal, Actas y Memorias de la Sociedad Española de Antropologia, Etnografia y Prehistoria, Madrid, 1927, tomo VI, p. 263).
Também sobre o tesouro argênteo de Chão de Lamas, composto de numerosas peças (torques, lúnulas, vasos, etc.) o mesmo D. Juan Cabré, no trabalho acima citado, diz, a páginas 263, que foi comprado para o Museu Arqueológico Nacional de Madrid, por oferta ao Estado espanhol feita em 1922, por “un ilustre portugues entusiasta hispanófilo», do qual aliás não indica o nome. Seria interessante para nós, portugueses, conhecer-se quem fora esse tão “entusiasta hispanófilo”, quanto anti-patriota lusitanófilo!] in:Joalharia Lusitana/Mário Cardoso “Conimbriga”. Coimbra, Faculdade de Letras. Instituto de Arqueologia, vol. I, 1959, p.16.