IGREJA MATRIZ DE LAMAS
TEXTOS DE BELISÁRIO PIMENTA
A actual igreja paroquial de Lamas é de construção, relativamente recente.
A anterior que, certamente, já não seria a primitiva, era nos começos do século 18.° pequena para a população da freguesia — então curato anexo á matriz de Miranda.
Em 1733 o visitador, dr. Pascoal Mendes Barreto, de combinação com o juiz da igreja e mesas das confrarias, deixou um capítulo relativo á necessidade de alargamento do templo e de novo retábulo da capela-mor, além doutros melhoramentos. Com este fundamento, subiu ao Bispado um requerimento para que aquelas entidades pudessem proceder — ao que o promotor se não opôs bem como o vigário-geral que mandou passar licença.
Levantaram-se, porém, dificuldades e durante os 50 anos seguintes as coisas ficaram no mesmo pé.
Em 1784, novamente o visitador, o vigário da colegiada de Abiul, dr. José Caetano Rebelo Tavares e Mesquita que na freguesia esteve a 12 de Fevereiro, impôs a obrigação da reforma e aumento da igreja e a construção dum cofre para a guarda do dinheiro recolhido das esmolas que então somava já 80:000 reis na mão do bacharel José António Machado de Aguiar, conimbricense que casara em Lamas e lá residia.
Mas ainda desta vez a obra não começou.
Passaram onze anos. Em 1795, o visitador o Dr. Manuel Dias de Sousa, prior de Monsárros (o célebre defensor dos direitos dos seus fregueses na questão muito conhecida) esteve em Lamas no dia 5 de Junho e perante a exiguidade e ruína do templo ordenou que se recolhesse mais dinheiro por fintas lançadas ao povo, para que, na primavera do ano seguinte a obra começasse.
Na verdade, fizeram-se os projectos e reuniram-se materiais; mas como a obra foi calculada em 5:000 cruzados, o juiz da Igreja, então Sebastião José Domingues, do lugar das Fervenças e pessoa influente e activa, requereu para o Desembargo do Paço, em 1798, provisão que autorizasse a finta pelos fregueses. O Desembargo despachou que o Provedor da Comarca informasse depois de ouvir a Câmara, Nobreza e Povo do concelho; recebida a ordem em 5 de Janeiro de 1799, da Provedoria; a Câmara com os braços da Nobreza e Povo reuniu em Lamas e verificando as necessidades da obra, determinou que as confrarias dessem 200:000 reis e o que faltasse fosse fintado pelo povo.
A 3 de Maio a Provedoria publicou edital para arrematação da obra — edital só afixado legalmente em 19 de Junho. Mas apenas apareceu um concorrente, certo Manuel José da Silva que lançou 2:800:000 reis. O Provedor, passado um ano é que se resolveu a ir a Lamas, acompanhado por peritos, vistoriar e resolver. Encontrou muito material, não só pedra lavrada mas quase toda a madeira necessária; verificou que o povo queria o templo que «não só por sua grandeza mas ainda pela construção, fosse capaz, de acomodar dentro em si toda a povoação deste mesmo lugar e freguesia»; e com os peritos (que eram dois pedreiros de Coimbra) avaliou-se a obra em 2:600$000 reis ou 6:500 cruzados, quantia superior á primitivamente calculada.
O Provedor voltou para Coimbra e só quase dois anos depois (!) é que informou o Desembargo da diligência que fez: disse que, na verdade, a igreja estava em tal estado que «poucas se poderão mostrar em tanta ruína e indecência»; entendeu que se devia aproveitar todo o imaterial acumulado há anos e que a importância de 2:600$000 reis não incluía «a factura da capela-mor e sacristia» pois estas competiam ao Prior da freguesia de Miranda (á qual Lamas estava anexa) e se este se recusasse se deveria proceder a sequestro nas rendas ou dízimos.
Juntamente com a informação iam os Apontamentos da nova Igreja, dos quais constava que deveria ter 92 palmos de comprido por 38 de Largo (ou sejam 20,24m x 8,36m) com paredes de 5 palmos de grossura (1,100m); que deveria ter de altura, por fora, 45 palmos e por dentro até á cimalha, 35 (respectivamente 9,90 e 7,70m).
O Desembargo, em resposta, mandou pedir novas informações e ouvir a opinião do Prior da matriz que, neste caso tinha que abrir as duas portas do cofre para não sofrer aborrecimentos.
Sebastião José Domingues era talvez o que hoje se chama «dinâmico» e, segundo reza a história parece que não era muito para graças.
Vamos ver.
“Diário de Coimbra”, nº 6790, 1951-03-23
Em 1802, quando o Desembargo do Paço mandou ouvir o prior de Miranda acerca da obra da igreja de Lamas, ocupava a cadeira paroquial, desde 1790, o bacharel Francisco Brandão Pereira da Silva, de Oliveira do Bairro, com cerca de 59 anos de idade. Tinha uma quinta no Valmeão, junto a Celas, subúrbios de Coimbra para onde gostava de fugir muitas vezes, talvez por se sentir doente ou se não dar bem na terra, e deixava aos curas os cuidados da freguesia.
A intimação do Desembargo do Paço parece que lhe não agradou e não a cumpriu. Deixou correr o tempo que é, em regra, bom conselheiro.
Mas Sebastião José Domingues, o juiz da igreja, é que não esteve com meias medidas e requereu ao Desembargo nova intimação; este concordou e em 19 de Agosto passou provisão nos termos do requerimento.
Mas o prior continuou com orelhas moucas o que fez com que Sebastião Domingues apelasse para o Provedor da Comarca— o qual dando razão ao requerimento mandou-o com vista ao prior em fins de Outubro.
O prior Pereira da Silva, então, respondeu com habilidade e fugindo a uma resposta clara: mostrou-se melindrado por não ter sido ouvido de começo como seria natural; pois a verdade é que não concordava com a construção do novo templo, obra muito cara para a pobreza da freguesia e entendia que com certos consertos e arranjos que indicava, o velho edifício ficaria bom.
O terrível juiz da Igreja, porém; é que foi claro: expôs ao Provedor que a resposta do prior era o modo de fugir á obrigação, que, o que ele não queria era gastar como devia os seus 11:000 cruzados de rendimento da matriz e encobria assim com o interesse pelos fregueses de Lamas o desejo de opor obstáculos e delongas á construção.
E a verdade é que a obra não começava. O Provedor, em Abril de 1803 fez novas diligências que concluíram pela urgente necessidade da obra; essas diligências subiram ao Desembargo; daqui, em Março de 1804, seguiram para o Procurador da Coroa que promoveu a provisão régia de 4 de Junho desse ano que autorizava a saída das verbas das confrarias ao mesmo tempo que o Desembargo do Paço expedia a provisão em nome de Sebastião José Domingues «para se proceder á finta pelos moradores (...) para as obras da igreja».
O trabalho que deu e a papelada que amontoou nos arquivos a igreja de Lamas ! (1).
Mas... ai de nós!
As obras lá começaram mas de vagar; e muito material acumulado há tempo ia desaparecendo, e quando, em Agosto do ano imediato o visitador foi a Lamas, alguns fregueses que depuseram acusaram Sebastião Domingues de não querer largar o cargo de juiz da igreja «para acabar de gastar os bens da fábrica menor» e consumir «os dinheiros da dita fabrica» e de tal modo que «por culpa dele se não tem feito a igreja» etc. etc.
Como isto era matéria confidencial, não haveria procedimento legal; mas parece que lhe tiraram a direcção da obra e a consequente administração dos dinheiros que passou para o cura que então era o Padre....................... por o Padre Caetano Moreira de Carvalho, natural da freguesia e, ao tempo, sem ocupação certa; e, ainda por cima, intimado, em 1807, para prestar contas na Provedoria.
Sebastião Domingue, porém, alegou que as não prestava sem proceder contra os dois reverendos que lhe tiraram a direcção da obra; por outro lado, a Câmara Eclesiástica reclamou que deveria ser perante ela que as contas se deviam dar — e finalmente em Abril desse ano de 1807 parece que ficaram as contas fechadas e a obra concluída a contento de todos.
E assim se fechou o episódio que, bem esmiuçado daria uma saborosa novela em que este juiz da igreja seria o centro
A igreja, porém, teve pouca sorte: no Inverno de 1810-1811 durante a campanha de Massena, foi queimada pelos invasores; os prejuízos foram avaliados em oito contos e oitocentos mil reis — mais do dobro do que custou a construção toda uns poucos de anos antes.
Vê-se que os erros nas contas continuavam
(1)Tudo isto se pode ver, no Arquivo da Câmara Eclesiástica de Coimbra, no da Provedoria da mesma cidade; e no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, nas secções do Desembargo do Paço e Chancelaria de D. Maria.
“Diário de Coimbra”, nº 6830, 1950-05-03