Olá, estudante! Seja bem-vindo(a) à oitava lição da disciplina Noções de Direito. Retomando o que estudamos na lição anterior, você aprendeu o conceito de Direito Empresarial. Para tanto, compreendemos brevemente o contexto histórico dele, o que consiste a atividade empresarial e o conceito de empresário, além da aplicação da teoria na prática. Para que o nosso próximo conteúdo seja desenvolvido com fluidez, vamos relembrar alguns conceitos já estudados?
Entendemos que o Direito Empresarial é um negócio econômico que se apresenta de diversas maneiras, com o objetivo de obter lucro. De igual maneira, a atividade empresarial consiste na organização e na sistematização profissional da produção ou da circulação de bens e serviços com a finalidade de obter lucro. Por fim, constatamos que o empresário é a pessoa que exerce a atividade empresária, tendo o direito de requerer recuperação judicial e extrajudicial, autofalência, a falência de outro empresário etc.
Feitas as considerações necessárias sobre o tema, vamos aprofundar um pouco mais o seu estudo sobre o Direito Empresarial. Nesta lição, será abordada a função social da empresa. Ao lado de outros princípios empresariais, a função social da empresa reside no fato de que a atividade empresarial é a fonte geradora de riqueza para a sociedade como um todo, além de gerar empregos, prover o pagamento de impostos etc.
Estudante, você sabe o que é o princípio social da empresa? Já parou para pensar se todas as empresas que existem no Brasil fossem reduzidas pela metade? Como ficariam os empregos e a circulação de bens e serviços? Assim como estudamos na lição anterior, um dos objetivos da empresa é obter lucro. Entretanto, ela possui uma função social, como a geração de empregos.
Pense na seguinte hipótese: uma mineradora chamada Extração de Minério S.A é a responsável por empregar cerca de 1.500 funcionários direta e indiretamente, ou seja, ao empregar essa quantidade de pessoas, acaba fomentando o comércio e a circulação da riqueza como um todo. Todavia, a empresa não está comprometida com o impacto ambiental, uma vez que acaba depositando os rejeitos de minério de ferro em um rio que corta a cidade onde é sediada. Considere, ainda, que a mineradora não possui práticas sustentáveis para a sociedade local, tendo em vista que, além dos rejeitos descartados incorretamente, não tem qualquer prática de promoção do bem-estar da sociedade.
Mesmo empregando a quantidade de pessoas citadas, será que, de fato, a mineradora está cumprindo a função social dela? Diante do estudo desta lição, você terá as ferramentas e os conhecimentos necessários para responder a tais questões.
No case desta lição, trago uma situação real que aconteceu em janeiro de 2019 na cidade de Brumadinho, em Minas Gerais. O caso de Brumadinho diz respeito ao rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração de uma empresa bastante conhecida no Brasil. Esse desastre resultou em uma das maiores tragédias ambientais e humanitárias da história do país.
A barragem que se rompeu continha uma enorme quantidade de rejeitos de mineração, compostos por resíduos sólidos e água provenientes do processo de extração de minério de ferro. O rompimento causou uma avalanche de lama tóxica que se espalhou rapidamente, destruindo tudo em seu caminho, incluindo casas, infraestrutura, vegetação e vidas humanas.
O desastre de Brumadinho teve impactos devastadores, resultando na morte de mais de 270 pessoas, incluindo funcionários da empresa, moradores locais e pessoas que estavam na região no momento do rompimento. Além das vidas perdidas, o desastre causou danos ambientais irreparáveis, contaminando rios, solo e ecossistemas naturais, além de afetar comunidades inteiras que dependiam dos recursos naturais locais para a subsistência.
O caso de Brumadinho gerou indignação nacional e internacional e levantou questões cruciais sobre a segurança das barragens de rejeitos, a responsabilidade das empresas mineradoras, a regulamentação ambiental e a proteção dos direitos humanos. Ele também reacendeu o debate sobre o papel das empresas na promoção da sustentabilidade e na prevenção de desastres ambientais. Após o desastre, a empresa enfrentou uma série de processos judiciais, multas e investigações por parte das autoridades brasileiras. Além disso, foi pressionada a adotar medidas de reparação e compensação às vítimas e às comunidades afetadas, além de revisar os próprios protocolos de segurança e gestão de riscos.
Perceba que o caso de Brumadinho serve como um alerta sobre os impactos devastadores da exploração irresponsável de recursos naturais e a necessidade urgente de promover práticas sustentáveis e responsáveis tanto no setor privado quanto no setor público, visando proteger o meio ambiente e garantir a segurança e o bem-estar das comunidades locais.
Agora, aprofundaremos os nossos estudos sobre o conceito de função social e a aplicação dele na prática. Antes de iniciarmos, precisamos entender o contexto que originou o princípio da função social.
É inegável que as empresas sempre exerceram e exercem uma atividade de imensa importância social, resultando na geração de empregos, tanto direta quanto indiretamente, e possibilitando a circulação de riqueza na economia. Portanto, querer que uma empresa se mantenha ativa no mercado e sem dificuldades não é somente um desejo dos próprios titulares, mas também de toda a sociedade que acaba se beneficiando com a existência da empresa. Imagine como seria uma sociedade sem grande parte das empresas que existem hoje nas mais diversas áreas. Seria um caos total, não é mesmo?
Em prol da preservação das empresas, em 2005, foi criada a Lei nº 11.101/2005, que previu a criação de um instituto chamado recuperação judicial da empresa, o que, na Lei de Falência, publicada em 1945, previa a extinção total da empresa. Assim, com a recuperação judicial, além da previsão de um plano para pagar as dívidas da empresa sem a venda dos próprios bens para a satisfação dos credores, hoje, um dos objetivos é a recuperação da empresa, para que ela continue atuando no mercado, atingindo a função social dela e, consequentemente, mantendo o quadro de funcionários.
Cabe pontuar que o princípio da função social não é única e exclusivamente preservar a empresa dos credores, mas foi desenvolvido em torno desse fator. Em sentido amplo, a função social da empresa visa à geração de empregos e condições de trabalho, à preservação e ao impacto ambiental, à responsabilidade social e corporativa e aos ganhos para a comunidade local.
Portanto, ao analisar o princípio da função social da empresa, é importante considerar não apenas a capacidade dela de gerar lucros, mas também o impacto dela na sociedade, no meio ambiente e na comunidade em que está inserida. Uma empresa verdadeiramente comprometida com a função social deve buscar o equilíbrio entre o sucesso econômico e o bem-estar coletivo, adotando práticas sustentáveis, respeitando os direitos dos trabalhadores e contribuindo para o desenvolvimento social e ambiental.
Nesse aspecto, Teixeira (2018) pontua que o princípio da preservação da empresa deve ser visto ao lado do princípio da função social, que considera que a atividade empresarial é a fonte produtora de circulação de bens e serviços para a sociedade em geral, com a criação de empregos, desenvolvimento da comunidade local e arrecadação de tributos tanto municipais, quanto estaduais e federais, e deve zelar pelo respeito ao meio ambiente e aos consumidores, e pela proteção ao direito dos acionistas minoritários.
A função social da empresa está prevista no Art. 116, parágrafo único, da Lei nº 6.404/76 que, apesar de publicada no âmbito da lei sobre companhias, acabou se tornando um princípio com efeitos para além das sociedades anônimas, alcançando, assim, outros tipos societários, como a sociedade limitada (TEIXEIRA, 2018).
É importante lembrar que a preservação da empresa se justifica nos casos em que ela cumpre a função social dela, e não ao contrário, ou seja, aquela empresa que não valoriza os funcionários, tem inúmeras ações trabalhistas, possui diversas ações por desrespeito ambiental, acaba sofrendo ajuizada em seu desfavor por não promover a diversidade dentro de seu ambiente de trabalho e não possui nenhum projeto de impacto social local. Essas empresas não terão o amparo dos princípios da preservação da empresa e da função social.
Agora que você aprofundou consideravelmente o seu conhecimento sobre o princípio da função social e o princípio da preservação da empresa, a seguir, serão detalhadas algumas características relativas à função social da empresa, tendo em vista as importâncias empresarial e social dela. Acompanhe:
Uma empresa pode ser lucrativa, mas isso não significa necessariamente que esteja contribuindo positivamente para a sociedade. Problemas, como a precarização do trabalho, salários baixos, falta de benefícios e condições inadequadas de trabalho, podem surgir. Portanto, podemos questionar se uma empresa está cumprindo a função social dela se não oferece empregos dignos e condições adequadas para os funcionários.
Outro ponto de problematização é o impacto ambiental das atividades da empresa. Muitas empresas geram poluição, consomem recursos naturais de forma excessiva e contribuem para as mudanças climáticas. Nesse sentido, podemos questionar se uma empresa está cumprindo a função social dela se não adota práticas sustentáveis e não se preocupa com o meio ambiente.
A responsabilidade social corporativa envolve o compromisso das empresas com o desenvolvimento sustentável e a promoção do bem-estar da sociedade. No entanto, algumas empresas podem adotar práticas de responsabilidade social apenas como uma estratégia de marketing, sem um real comprometimento com a causa. Portanto, podemos questionar se uma empresa está cumprindo a função social dela de forma genuína ou apenas buscando melhorar a imagem dela perante o público.
Uma empresa pode ter um impacto significativo na comunidade em que está inserida, seja de forma positiva, a partir da geração de empregos e investimentos locais, seja de forma negativa, mediante a degradação do meio ambiente e da exploração de recursos naturais. Assim, podemos questionar se uma empresa está cumprindo a função social dela se não contribui de forma positiva para o desenvolvimento da comunidade local.
Assim, Marlon Tomazette (2017, p. 404) esclarece que se deve ter um equilíbrio entre os objetivos da empresa, ao alegar que “há que se atentar para a função social que a empresa desempenha, equacionando os interesses da sociedade, dos sócios que saem da sociedade, ou seus herdeiros, e dos sócios que permanecem”. Nesse sentido, a previsão sobre a função social não é somente doutrinária, ou seja, dos autores de livros, mas também legal, pois a Lei nº 6.404/1976 prevê, em seu Art. 116, parágrafo único, que:
O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, para com os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender (BRASIL, 1976, on-line).
Você pode perceber que, por mais que tenhamos legislações atualizadas sobre o tema, a Lei nº 6.404, publicada em 1976, já aborda uma questão de suma importância, pois “constitui a mais moderna expressão da doutrina institucionalista, atribuindo à sociedade uma função social e destacando que o interesse social compreende o daqueles que trabalham na sociedade, e na comunidade em geral e o interesse nacional” (TOMAZETTE, 2017, p. 517).
Resumindo o que estudamos nesta lição, o princípio da função social é uma ideia importante do Direito que afirma que a propriedade (seja de terra, de uma empresa ou de outro bem) deve ser usada de maneira que beneficie a sociedade como um todo, e não apenas o dono dela. A ideia é a de que se pense na propriedade como uma ferramenta que pode ajudar a melhorar a vida das pessoas ao redor. Por exemplo, se alguém tem uma grande área de terra, ele deve usar essa terra de maneira que não prejudique o meio ambiente e possa ajudar outras pessoas, seja produzindo alimentos, seja criando empregos na região.
Esse princípio se aplica não apenas à propriedade de terra, mas também às empresas. Uma empresa deve pensar não apenas em ganhar dinheiro para os donos, mas também em como pode contribuir para a sociedade, respeitando os direitos dos trabalhadores, cuidando do meio ambiente e ajudando a comunidade onde está inserida.
Estudante, agora, vamos compreender, de forma mais detalhada, como utilizar o conteúdo apresentado até o momento. Para isso, serão expostos alguns exemplos de como a função social é desempenhada em nossa sociedade, levando em consideração que o objetivo da função social não é somente manter a estabilidade do empresário ou da sociedade, mas impactar toda a cadeia social. Observe alguns exemplos de como o princípio da função social acontece na sociedade:
Agricultores familiares que praticam a agricultura sustentável estão cumprindo a função social das próprias terras. Eles cultivam alimentos de forma responsável, sem degradar o solo ou utilizar produtos químicos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Além disso, muitas vezes, esses agricultores contribuem para a segurança alimentar local e para o desenvolvimento econômico das próprias comunidades.
Empresas que adotam políticas de responsabilidade social corporativa também estão seguindo o princípio da função social. Elas podem investir em programas de educação, saúde e assistência social para os funcionários e para a comunidade em que estão inseridas. Além disso, essas empresas podem adotar práticas sustentáveis de produção e respeitar os direitos humanos em toda a cadeia de suprimentos.
Projetos habitacionais voltados para a população de baixa renda contribuem para o cumprimento do princípio da função social. Esses projetos visam proporcionar moradia digna para as pessoas que não têm condições de arcar com os altos custos do mercado imobiliário. Ao oferecerem moradias acessíveis, esses empreendimentos promovem a inclusão social e o direito à moradia adequada.
A criação de áreas protegidas, como parques nacionais e reservas ambientais, é um exemplo importante de cumprimento do princípio da função social. Essas áreas são fundamentais para a conservação da biodiversidade, a proteção dos recursos naturais e o bem-estar das gerações futuras. Ao preservarmos o meio ambiente, estamos garantindo benefícios para toda a sociedade, como ar limpo, água potável e beleza natural.
Cooperativas agrícolas, onde os agricultores se unem para produzir e comercializar os próprios produtos em conjunto, constituem outro exemplo de como o princípio da função social pode ser aplicado na prática. Essas cooperativas ajudam os agricultores a obter preços mais justos para os próprios produtos, reduzir custos e compartilhar conhecimentos e recursos. Além disso, fortalecem as comunidades rurais e promovem o desenvolvimento econômico local.
Esses exemplos demonstram como o princípio da função social pode ser colocado em prática em diferentes contextos, promovendo o bem-estar da sociedade e o desenvolvimento sustentável!
Agora, para que você aprofunde os seus conhecimentos em relação à função social das empresas, lanço um desafio! Individualmente ou em grupos, você(s) e seus colegas vão selecionar algumas empresas de sua cidade/região e identificar qual é a relação delas com a função social. Se possível, diversifique(m) as empresas e, depois da pesquisa, compartilhe(m) entre si o que encontraram. Essa atividade, além de aprofundar os seus conhecimentos sobre o tema da lição, fará com que você conheça melhor a sua cidade/região!
Bons estudos!
BRASIL. Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Brasília, DF: Presidência da República, [2023]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm. Acesso em: 12 mar. 2024.
TEIXEIRA, T. Direito empresarial sistematizado: doutrina, jurisprudência e prática. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
TOMAZETTE, M. Curso de Direito Empresarial: teoria geral e direito societário. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2017.