Olá, estudante! Como vai? Seja bem-vindo à décima lição da disciplina de Noções de Direito. Como breve retomada, na lição anterior nós abordamos os tipos societários existentes no Brasil, bem como as características de cada um. Cumpre destacar que uma das principais características das sociedades empresariais é a separação do patrimônio dos sócios em relação ao patrimônio da empresa. Você estudou todo o conteúdo da lição anterior? Pois isso será necessário para que possamos caminhar de forma fluída com o conteúdo dessa lição.
Para adentrarmos no assunto da lição de hoje, quero que considere que uma pessoa comprou um carro 0km, e suponhamos que o veículo comece a dar defeito de motor no 2º dia após a compra, mas até apresentar o problema, ele estava sendo usado de forma correta. Diante desse problema, quem será responsável pela reparação do dano? A concessionária ou a montadora da marca do veículo? Eu apresentei a você esse exemplo, que é muito comum no nosso cotidiano, para te instigar a estudar nosso conteúdo sobre a responsabilidade civil do empresário e a proteção do consumidor.
Desde já, eu adianto que a resposta para a pergunta sobre o exemplo acima tem previsão no Código de Defesa do Consumidor, que é o dispositivo legal para regulamentar a relação entre consumidor e fornecedor (empresário), atuando principalmente na promoção da preservação dos interesses daquele. Agora que já vimos brevemente o que iremos estudar na Lição 10, bora colocar a mão na massa!
A responsabilidade civil do empresário e a proteção do consumidor são dois conceitos interligados que fundamentam a relação comercial moderna. O empresário, enquanto agente econômico, detém o poder de ofertar bens e serviços no mercado, ao passo que o consumidor, como destinatário final, possui direitos e expectativas em relação aos produtos adquiridos. Nesse contexto, a responsabilidade civil do empresário emerge como um importante mecanismo legal que visa assegurar a reparação de danos causados aos consumidores em decorrência de produtos ou serviços defeituosos.
A legislação consumerista, em diversas jurisdições ao redor do mundo, estabelece normas e diretrizes claras sobre a responsabilidade civil do empresário. Essas normativas geralmente impõem ao empresário o dever de garantir a segurança e qualidade dos produtos e serviços oferecidos, bem como a obrigação de reparar eventuais danos causados aos consumidores. Além disso, são previstos mecanismos de responsabilização objetiva, ou seja, independentemente de culpa, nos casos em que o produto ou serviço defeituoso cause danos aos consumidores.
A proteção do consumidor, por sua vez, abrange um conjunto de medidas legais e institucionais destinadas a salvaguardar os interesses e direitos dos consumidores. Isso inclui o direito à informação clara e precisa sobre os produtos e serviços, o direito à segurança e à saúde, o direito à reparação de danos, entre outros. Contudo, apesar dos avanços legislativos e das medidas de proteção ao consumidor, ainda persistem desafios e lacunas na efetivação desses direitos.
Com isso, eu te pergunto: como garantir, de forma efetiva, que os direitos dos consumidores sejam preservados e protegidos? Como fiscalizar que todas as informações sobre um produto e serviço estão totalmente disponibilizadas pelo fornecedor ao consumidor? Com o aumento do comércio on-line e a presença de plataformas de marketplace, eu te questiono: como atribuir a responsabilidade das empresas intermediárias na venda de produtos defeituosos por terceiros? Ainda é possível afirmar que as legislações em vigor são suficientes para garantir a proteção ao consumidor?
Com o estudo dessa lição, você terá as ferramentas e o conhecimento necessário para responder às questões apresentadas acima!
No case dessa lição, trago a você uma situação real que aconteceu envolvendo recall. Antes de apresentar a você o caso, é importante que saiba que recall é um procedimento realizado por uma empresa para chamar de volta produtos que foram distribuídos no mercado devido a preocupações com a segurança do produto ou defeitos de fabricação. Geralmente, o recall é iniciado quando a empresa descobre que um produto apresenta um risco para a saúde ou segurança dos consumidores, seja por meio de relatórios de clientes, testes internos de qualidade ou regulamentações governamentais.
Um caso emblemático que envolveu um recall foi o da empresa de veículos que chamaremos de J.V.R. Auto Car (nome fictício) entre os anos de 2009 e 2010. A J.V.R. Auto Car, uma das maiores fabricantes de automóveis do mundo, enfrentou um grave problema de segurança que resultou em um dos maiores recalls da história automobilística. O problema estava relacionado a um defeito nos tapetes dos carros que poderiam ficar presos no pedal do acelerador, causando aceleração involuntária e colocando em risco a segurança dos motoristas e passageiros. Além disso, em alguns casos, o pedal do acelerador também poderia ficar preso em posição aberta, aumentando ainda mais o risco de acidentes.
Diante da gravidade do problema e da pressão da opinião pública, a J.V.R. Auto Car anunciou uma série de recalls para corrigir o defeito em milhões de veículos em todo o mundo. O recall envolve não apenas a substituição dos tapetes, mas também a modificação dos sistemas de aceleração dos carros afetados para evitar futuros incidentes.
Esse caso ilustra a importância do recall como um mecanismo para garantir a segurança dos consumidores e a responsabilidade das empresas em reconhecer e corrigir problemas em seus produtos, mesmo que isso envolve custos significativos e danos à reputação da empresa. Além disso, ressalta a necessidade de uma resposta rápida e eficaz por parte das empresas quando surgem problemas de segurança em seus produtos.
Agora que você já teve um breve contato com o conteúdo da lição de hoje, através do case e exemplos anteriormente descritos, vamos aprofundar o conhecimento sobre o conceito e características, responsabilidade civil do empresário e a proteção do consumidor. Nesse primeiro momento, é importante tecer algumas considerações acerca da legislação que rege a relação entre consumidor e empresário (fornecedor). Antes do Código de Defesa do Consumidor – CDC entrar em vigência (Lei n. 8.078/90) –, a relação e contratos com empresários estavam regulamentados pelo Direito Civil ou Comercial. Com a publicação do CDC, as relações e contratos de consumo passaram a ser disciplinadas por legislação própria, uma vez que o objetivo principal da lei busca a proteção aos consumidores. Para tanto, Coelho (2017, p. 122) explica que “aplica-se o CDC sempre que os sujeitos de direito se encontram numa relação de consumo legalmente caracterizada”.
Para que possamos prosseguir com o nosso conteúdo, é necessário reconhecer, conforme a legislação, quem se enquadra como consumidor e quem se enquadra como fornecedor. Assim, de acordo com o CDC, em seu art. 2º “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (BRASIL, 1990). Já a definição de fornecedor, temos no artigo 3º, também do CDC:
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (BRASIL, 1990).
Assim, para que fique fácil a visualização na prática, vamos pegar o exemplo de compra e venda de veículo? Os contratos de compra e venda, podem acontecer de duas maneiras: com aplicação pelo Código Civil e aplicação pelo Código de Defesa do Consumidor. Primeiro, a compra e venda será regida pelo Código de Defesa do Consumidor, quando configurar a compra de um automóvel em uma concessionária, isso se o vendedor se caracterizar como fornecedor e o comprador como consumidor, mas será mercantil, se o comprador não for o destinatário final do produto (compra de automóveis pela concessionária junto à fábrica), ou civil se o vendedor não exercer atividade de fornecimento do bem em questão (venda do automóvel usado a um amigo, por exemplo) (COELHO, 2017). Assim, no primeiro exemplo, a lei aplicada será o Código de Defesa do Consumidor, já nos dois últimos, a aplicação será do Código Civil.
Para que fique ainda mais clara a relação e o conceito de empresário e consumidor, trago a você uma explicação do autor Fábio Ulhoa Coelho (2011, p. 117) sobre o tema, onde ele afirma que “fornecedor é a pessoa que desenvolve atividade de oferecimento de bens ou serviços ao mercado (mesmo que de forma gratuita) e consumidor aquela que os adquire ou utiliza como destinatário final”.
Tendo em vista que você compreendeu os conceitos de fornecedor e de consumidor e quando é aplicado o CDC, vamos analisar o conceito de fornecimento perigoso, defeituoso e viciado, pois será nesses casos que se aplicará a responsabilidade do fornecedor sobre o produto ou serviço que refletirá no consumidor.
Quanto ao conceito de fornecimento perigoso, ele pode ser entendido como a falta de informações adequadas sobre os riscos associados ao uso do produto ou serviço, de modo que isso pode ser perigoso para os consumidores. Para tanto, se não houver nenhum defeito no produto ou serviço, mas, mesmo assim, o consumidor acabe sofrendo algum dano por usar de forma incorreta, isso pode ser resultado da falta de informações claras e suficientes fornecidas pelo fornecedor, se caracterizando como fornecimento perigoso.
Já o produto ou serviço defeituoso, é o que se configura com alguma falha danosa ao consumidor, entretanto, diferentemente do fornecimento perigoso, o dano não está na má utilização por falta de informação sobre os riscos, mas sim por problemas relacionados à sua distribuição no mercado. Para que esse conceito fique claro para você, vou lhe apresentar um exemplo! Imagine uma empresa fabricante de biscoito/bolacha que, por descuido, deixou vazar um componente químico excessivo na mistura dos recheios das bolachas, que não são letais, ou seja, não causa a morte, entretanto, pode causar mal-estar ocasionando que o consumidor precise de auxílio médico após a ingestão.
Assim, nesse caso envolvendo o biscoito/bolacha, o produto se configurou como defeituoso por causar ferimentos, mesmo que leves, ao consumidor. Conforme previsão legal do CDC, em seus artigos 12 a 14, o “fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa” (BRASIL, 1990), assim, a responsabilidade pela indenização dos danos decorrentes de fornecimento defeituoso é objetiva.
Por último e não menos importante, o fornecimento viciado é aquele que possui defeito, mas que não apresenta nenhum risco ao consumidor. Assim, um mesmo produto ou serviço pode ser considerado defeituoso e viciado, dependendo do resultado que ele vier a causar no consumidor, ou seja, algum prejuízo decorrente do uso do produto ou serviço. Vamos verificar esse conceito em um exemplo? Se um automóvel apresenta problema em seu sistema de freios, mas isto é detectado pelo consumidor antes de qualquer acidente, constata-se o fornecimento viciado; se, contudo, o problema não é detectado a tempo, e, em razão dele, ocorre acidente de trânsito, o mesmo torna-se um fornecimento defeituoso (COELHO, 2011).
Como responsabilidade do fornecedor por conta do vício do produto ou serviço, o consumidor pode optar por algumas opções como reparação do dano, conforme previsão dos artigos 12 e 13 do CDC, são elas:
a) desfazimento do negócio, com a devolução dos valores já pagos, devidamente corrigidos, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
b) redução proporcional do preço;
c) a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios;
d) complementação do peso ou medida;
e) a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível (Brasil, 1990).
Além dessas medidas protetivas e de reparação apresentadas acima, o Código de Defesa do Consumidor apresenta outras inovações em defesa dos direitos dos consumidores, tendo reflexo no ramo do direito penal, processual e societário. Como previsão legal de proteção ao consumidor, a lei tipifica como crime os atos desrespeitosos ao consumidor em geral. Dessa forma, a caracterização como crime pode se dar desde a omissão de informações sobre um produto, até mesmo quanto à uma publicidade enganosa ou abusiva. Entre os artigos 61 e 80 do Código de Defesa do Consumidor, há uma série de condutas tipificadas como crime contra as relações de consumo, inclusive, reconhecendo a responsabilidade de qualquer pessoa que concorrer para o fato delituoso, como o representante legal, administrador, diretor ou gerente.
Conforme mencionado anteriormente e com previsão legal do CDC, o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, ou seja, estamos nos referindo à Teoria do Risco, que está relacionada à atribuição do fornecedor de forma objetiva. Quem melhor explica este conceito, é o autor Tarcisio, vejamos:
A responsabilidade objetiva se dá em razão da teoria do risco na qual fica abstraída a culpa, sendo, portanto, uma espécie de responsabilidade sem culpa. Dessa forma, haverá a obrigação de alguém reparar o dano a outrem ‘independentemente de culpa’. Assim, se na responsabilidade civil subjetiva a vítima precisa demonstrar a culpa (ação ou omissão), o dano e o nexo de causalidade entre a culpa e o dano, na responsabilidade objetiva a culpa é um elemento dispensável (TEIXEIRA, 2018, p. 675).
Ao falarmos de proteção ao consumidor, não podemos esquecer o instituto de maior eficiência e mais inovadores na defesa do consumidor. Estou me referindo à desconsideração da personalidade jurídica, com previsão no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor.
Para evitar que a separação entre o patrimônio da empresa e dos seus proprietários seja usada de maneira fraudulenta ou abusiva em detrimento dos interesses dos consumidores, é prevista a possibilidade de desconsideração dessa separação para responsabilizar os responsáveis pelo mau uso da pessoa jurídica pelos seus próprios bens. No entanto, o dispositivo em questão não adota completamente os princípios da teoria da desconsideração, preferindo focar causas que se relacionam mais diretamente com a responsabilidade pessoal dos administradores por suas próprias ações do que com o abuso da autonomia patrimonial. Além disso, o artigo 28, parágrafo 5º, diz que isso somente poderá ser aplicado em relação a sanções não pecuniárias, caso contrário, o principal objetivo do dispositivo seria desconsiderado.
Para que possamos finalizar o nosso conteúdo de hoje, ressaltarei que a responsabilidade civil do empresário está intimamente ligada com a proteção ao consumidor, pois, muitas vezes, este é prejudicado por conta de um produto defeituoso, serviços inadequados ou práticas comerciais enganosas, práticas essas que são passíveis de reparação, conforme o caso concreto. Ainda, a proteção ao consumidor visa garantir que os consumidores tenham recursos adequados para buscar reparação quando são prejudicados, assim, podemos citar como exemplo a desconsideração da personalidade jurídica e a reparação do dano causado.
Vale lembrar que os princípios garantidores da proteção ao consumidor, ajudam a equilibrar os interesses das empresas e dos consumidores, provendo relações de consumo mais justas e seguras.
A Responsabilidade Civil do Empresário é um princípio legal que implica que os empresários são responsáveis pelos danos que suas atividades comerciais causam a terceiros. Isso significa que, ao conduzir seus negócios, os empresários devem tomar medidas adequadas para prevenir danos a clientes, fornecedores, funcionários e outras partes interessadas. Se ocorrer algum dano devido a negligência ou falha na prestação de serviços ou produtos, o empresário pode ser responsabilizado e obrigado a compensar a parte prejudicada pelos danos sofridos.
Por outro lado, a Proteção do Consumidor é um conjunto de leis e regulamentações destinadas a garantir que os consumidores estejam protegidos contra práticas comerciais injustas, produtos defeituosos e informações enganosas. Isso inclui garantir a segurança e qualidade dos produtos, fornecer informações claras e precisas sobre produtos e serviços, oferecer garantias adequadas e garantir que os consumidores tenham meios eficazes de resolver disputas.
Esses dois conceitos estão intimamente relacionados, pois a responsabilidade civil do empresário muitas vezes se aplica quando um consumidor é prejudicado devido a um produto defeituoso, serviço inadequado ou práticas comerciais enganosas. A proteção do consumidor visa garantir que os consumidores tenham recursos adequados para buscar reparação quando são prejudicados por empresas, enquanto a responsabilidade civil do empresário estabelece as bases legais para a compensação por danos causados por atividades comerciais. Juntos, esses princípios ajudam a equilibrar os interesses das empresas e dos consumidores, promovendo relações comerciais justas e seguras.
Agora que você sabe quais direitos são protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor, eu quero que você elabore medidas – diferentes das já existentes –, para promoção da defesa dos direitos do consumidor. Após, converse com seus colegas de classe sobre as medidas que você adotaria.
BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 04 mar. 2024.
BRASIL, Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 04 mar. 2024.
COELHO, F. U. Manual de direito comercial: direito de empresa. 23. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.
COELHO, F. U. Teoria geral do direito comercial. In ______ Novo manual de direito comercial: direito de empresa. 29. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 122-131.
TEIXEIRA, T. Direito empresarial sistematizado: doutrina, jurisprudência e prática. – 7. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.