Vocabulário Teológico para América Latina (Notas do Livro)

Beleza

A beleza é uma das propriedades fundamentais do ser, de todo ser, através da qual ele manisfesta uma harmonia e um esplendor que suscitam os sentimentos que chamamos "estéticos" no ser humano. São sentimentos indefiníveis que elevou o espírito e levam-no a compreender e captar vivencialmente a realidade sensível, em uma profundidade transcendente. 

A Bíblia trata muito sumariamente do mundo da beleza de modo formal e reflexo. Ocorre que a beleza se encontra no campo sensorial do imediato, ao passo que a religião busca a transcendência. Isso não significa que se negue a estreita relação que, de fato, existe entre o religioso e o artístico. 

Mas, na medida em que a paixão pela transcendência predomina na religião, todo o sensível passa para segundo plano. Isso não significa que não apareça na Bíblia a dimensão da beleza. O primeiro poema de Adão diante de sua esposa, sem dúvida, é inspirado pelo sentimento de beleza. Sara e Rebeca são apresentadas como mulheres de beleza excepcional, que cativavam os homens onde quer que fossem. 

A mentalidade religiosa tende a ver na beleza, sobretudo a beleza feminina, um fator de tentação para desviar o homem de sua missão. Sansão é seduzido e traído pela esposa a quem ama (Jz 16,15). Betsabeia arrasta Davi para o adultério e o crime. 

O Novo Testamento dá tanta importância à mensagem da conversão interior que pouco se fixa na beleza exterior das coisas. E isso a ponto de nem sequer ter nos deixado indicações sobre os traços da pessoa de Cristo. Maria é apresentada como "cheia de graça", mas certamente se trata muito mais da beleza da alma do que da beleza corporal. (Lc 1, 28-29)

Durante muito tempo, a preocupação do cristianismo e de sua pregação não foi tanto a de exaltar a beleza humana, mas muito mais de impedir que um culto sensual à beleza corporal viesse desvirtuar a beleza interior do espírito. Ao contrário do culto pagão à beleza feminina, que subordinava a virtude e a honradez à aparência exterior, a beleza cristã é a beleza da pessoa como um todo, do amor, da gratidão e do heroísmo refletidos na beleza do corpo.

No plano da beleza artística, o cristianismo incentivou as belas-artes desde o início. Catedrais, imagens, pinturas. A vivência cristã tem sido uma fonte de irradiação de criatividade artística, através da qual o espírito pode, plasmar-se em símbolos visíveis, portadores da luz espiritual da beleza. 

Também é preciso que nos esforcemos para que, as expressões artísticas correspondam ao genuíno modo de ser de nossos povos. Dois perigos: 1) excesso de arte importada; 2) valorizar só o que é nacional e local. 

Consciência (moral)

Em sentido amplo, entende-se por "consciência" a capacidade de perceber as realidades internas e externas. É o fluxo interior em constante movimento, que constitui nosso campo de conhecimentos, sensações, afetos e emoções. O que nos interessa aqui é a consciência em seu sentido moral, isto é, como capacidade do homem de avaliar interiormente o que há de bom ou de mau em suas ações. O sentido de "consciência" não é o mesmo que o de "lei". A lei sempre expressa as normas gerais de conduta. A consciência, ao contrário, é a luz concreta que ilumina o homem em seu "aqui e agora" sobre o que há de bom ou de mau em uma ação. Costuma acompanhar-se de uma deliberação, através da qual se estabelece um imperativo: "faça isto" ou "não o faça". Também se entende por "consciência" o ditame posterior à ação, que aprova o fato com complacência interior ou o reprova com intranquilidade e tristeza. A consciência reveste-se de uma importância fundamental para toda a vida moral e para o livre desenvolvimento do homem até o seu fim. 

A consciência possui uma dimensão inata à medida que a luz da razão tende a apontar as normas da ação, e impele-nos para o bem e afasta-nos do mal. Mas a educação também exerce influência decisiva na criação dos modelos concretos de bem e no desenvolvimento dos sentimentos de aprovação ou rejeição que acompanham nossas ações. A educação interioriza no jovem uma imagem social que se torna normativa para ele e que se faz acompanhar de sentimentos gratificantes quando sua conduta adapta-se ao modelo. A influência do pai e da mãe nessa tarefa também é fundamental, mesmo quando o indivíduo se torna capaz de formar-se e aperfeiçoar a própria consciência por meio da sua ação livre. Uma tendência excessivamente racionalista acredita na possibilidade da formação da consciência exclusivamente por meio das ideias, claras e nobres. Mas a realidade nos mostra que se trata de um processo vital, no qual os sentimentos e modelos seguidos exercem uma influência decisiva. A reta formação da consciência constitui uma tarefa fundamental para a família e para a escola cristãs. 

Na Bíblia, a consciência costuma ser designada como "coração". Ou seja, trata-se da dimensão exterior da lei ou das realizações externas. No mito do paraíso já se revela o drama da consciência humana, através da qual se realiza a liberdade. Adão e Eva deliberam sobre a sua conduta futura. Por um lado, sentem a atração da fruta e o anseio da autonomia que lhes é sugerido pela serpente. E agem livremente, mesmo contra aquilo que sua consciência lhes aponta como justo. A presença posterior de Deus e as acusações contra a conduta adotada constituem a encenação da voz da consciência, que os acusa pela ação cometida (Gn. 3). O relato de Caim e Abel também também dramatiza a deliberação e o sentimento da consciência intranquila após o crime: "Por que estás irritado e por que o teu rosto está abatido? Se estás bem disposto, não levantarias a cabeça? 

Os profetas constituem uma consciência social viva na história de Israel. Diante da falta de desenvolvimento da consciência interior do povo, a Lei se havia tornado a expressão primeira da vontade de Deus, à qual todos tinham de se adaptar em cada situação concreta. Mas a Lei era letra morta e, além disso, exterior. Assim, com sua palavra ardorosa e eficaz, os profetas despertam a consciência dos homens, ricos e pobres, sacerdotes e leigos, tendo em vista uma justa conduta aos olhos de Deus. 

Antes da vinda de Cristo, os fariseus procuraram realizar a santidade da Lei através de uma exatidão escrupulosa. Mas, desprezando a voz interior da consciência, que se adapta à realidade concreta, aplicando o bem ou o mal às circunstâncias concretas, quiseram ater-se à Lei de forma objetiva e calculada. O resultado foi a desumanização da santidade e o abandono dos bens supremos do amor pelas insignificâncias mais meticulosas da antiga Lei (Mt 12,1ss; 23, 13, 27-28*). Já Cristo combate a moral exterior e codificada nos preceitos, e revela o valor íntimo da consciência aberta para o olhar de Deus. 

Paulo desenvolveu grandemente a doutrina sobre a consciência. A moralidade não pode estar ligada à Lei, que é exterior e não é conhecida pelos gentios. Dentro do homem está a sua consciência que lhe serve como lei. 

Em virtude da normatividade da consciência, destaca-se a importância da reta formação da consciência desde a infância. Ela deve ser colocada em harmonia com Deus e a sociedade. Há, porém, algumas deficiências na formação da consciência: utilizar o medo e o sentimento de culpa para inculcar uma moralidade que deixa de ser adulta à medida que está condicionada pelo medo. 

O individualismo é outra deficiência na formação da consciência cristã. Partindo-se do sujeito, pretende-se orientá-lo para a sua própria perfeição e santidade. Mas a consciência cristã só pode ter como norma o amor, preferencialmente pelos mais abandonados. 

Deve-se evitar a crescente influência no mundo moderno no sentido de desprezar os valores morais. Sem uma atitude enérgica de moral nenhum povo poderá superar a mediocridade nem o subdesenvolvimento. O Cristianismo pretende chegar a uma moralidade adulta e consciente. Não deve se manter pelo medo ou pela imposição, mas sim pela convicção pessoal do bem, amado no fundo do coração. 

Conflito. Pode-se operar males reais e objetivos com boas intenções, assim como se pode realizar boas obras com más intenções. Trata-se do conflito entre o pessoal e o social, entre a realidade e o nosso modo de conhecê-la. 

Hoje, insiste-se em que é necessário superar o casuísmo moral tendo em vista a formação da consciência. O casuísmo se resume na exposição de casos diversos e na adequada atitude que se deveria tomar diante deles. A solução de casos estereotipados acaba por desprezar a pessoa. 

Hoje, insiste-se na necessidade de uma dimensão comunitária para a solução dos problemas morais graves. A tentativa de solucioná-los a partir de um enfoque simplesmente particular e individualista implica sempre o risco de cair em uma solução unilateral e falsa. 

Dimensão espiritual de cada problema moral. A consciência moral deve formar-se na relação direta com Deus e com a participação das luzes do espírito. Paulo diz que o homem espiritual tem uma possibilidade nova de julgar todas as coisas com a força de Deus (1 Cor 1, 14-16).

Problema referente ao Poder do Estado - Respeito à liberdade de consciência. A consciência constitui um santuário pessoal, em que cada pessoa se expande, sem coação nem repressão. O homem tem direito de ver sua consciência respeitada, mesmo quando erra. Pode-se chamá-lo a abandonar essa atitude ou opinião.

Deus

O homem encontra Deus em sua experiência mais íntima, que está sempre relacionada com Deus, mesmo quando o homem não o reconhece como tal. 

Deus é a profundidade da existência

Pode-se dizer que Deus é aquilo que é maior do que podemos pensar. É o limite de nossa aspiração ao conhecimento, limite para o qual sempre tendemos sem no entanto conseguir captá-lo. E Deus é também aquilo que é maior do que podemos amar

Também se pode dizer que Deus é o espaço aberto que possibilita a nossa liberdade. Sem essa indeterminação do finito em relação ao infinito, nós não poderíamos ser livres... Assim, Deus se faz o norte definitivo da vida cada homem, quem o impele em todas as as suas decisões particulares e diante do qual tudo é relativo. 

Nesse sentido, todo homem tem seu deus, aquele valor supremo que é digno de todos os sacrifícios. Mas é justamente nesse sentido que a idolatria dos homens se torna mais patente. Na maioria dos casos, cada homem absolutiza uma porção da realidade que corresponde ao seus desejos, fazendo-a o seu deus. Então, se dispõe a tudo por essa realidade "sagrada". Todas as outras pessoas e seus interesses começam a ficar subordinados ao deus escolhido. E, assim, a idolatria torna-se fonte de todas as injustiças. Toda a história das injustiças humanas encontra-se unida essencialmente à divinização dos ideais terrenos. Quando o ideal humano começa a ser considerado divino, as ações dos homens começam a girar em torno desse ideal, submetendo-se a ele. Assim, a história da humanidade e de seus empreendimentos é uma história de seus deuses, frequentemente falsos. 

O Deus verdadeiro é precisamente aquele que supera tudo o que é mundano, todos os interesses particulares. 

Dúvida

A dúvida é um estado de ânimo que caracteriza a indecisão entre duas ou mais responsabilidades. É um estado de incerteza que impede que se permaneça com segurança verdade para a qual nosso espírito tende dinamicamente. A dúvida pode ser de dois tipos: a dúvida teórica, que é a indecisão diante dos acontecimentos ou diante da verdade especulativa; a dúvida existencial, que é a impossibilidade de nos ligarmos com confiança a uma pessoa. Embora as duas dúvidas estejam relacionadas, é a segunda que afeta mais profundamente o homem e o deixa mais desamparado. Acontece que a dúvida teórica impede a certeza, mas a existencial impede a , através da qual nos relacionamos vivencialmente com os homens e com Deus e alcançamos o sentido mais profundo da vida. 

Pode-se dizer que a história do pensamento moderno é a história da dúvida. O pensamento antigo confiava mais nas evidências imediatas que nos são oferecidas pelos sentidos ou pela razão. A filosofia antiga começava a pensar a partir de sua admiração diante de um cosmos harmônico. A filosofia moderna começa a partir da dúvida, que leva em suas entranhas, uma suspeita sobre a verdade que nos é oferecida por nossos meios de conhecimento. Por isso, o homem antigo tinha mais confiança e vivia mais seguro de si mesmo. Apesar de seus grandes avanços, a ciência moderna é filha da dúvida, que cria problemas, ao passo que na Antiguidade os dados eram aceitos com uma ingênua confiança. Acontece que a dúvida apresenta um duplo aspecto, negativo e positivo: negativo, à medida que deixa a alma em dúvida e indecisão, gerando desse modo inseguranças e angústia; positiva, à medida que é o ponto de partida para todo avanço científico ou filosófico. A dúvida é a perfuradora que rompe a evidência natural e nos faz penetrar na mina de um saber recôndito. Sem a dúvida, o homem permaneceria como uma criança ingênua, que aceita todas as coisas sem crítica. 

E o método que é impulsionado pela dúvida constante chama-se precisamente método crítico. Foi Descartes quem inaugurou a filosofia moderna com sua dúvida metódica, que o levava a colocar entre parênteses todo o seu saber, inclusive a sua fé cristã até encontrar bases sólidas sobre as quais assentá-lo. Em princípio, ele desconfiava de todas as evidências imediatas e suspeitava de qualquer possível engano. Na mesma linha Kant chegou a desconfiar de que nosso conhecimento seja capaz de captar a realidade como ela é. Na dúvida, chegou a concluir que não conhecemos o mundo, a não ser à medida que o representamos no computador de nossa mente que elabora os dados empíricos. Mas nada conseguimos saber de Deus, da alma, do mundo como totalidade. Teoricamente, ficamos condenados a um eterno duvidar ou não saber. 

Dando continuidade à tarefa de suspeitar de nossos conhecimentos, Marx colocou em dúvida o valor das ideologias dominantes nas diversas épocas. Disse ele que, embora elas habitualmente sejam tomadas como verdades, outra coisa não são do que manipulações mais ou menos conscientes para a conservação de privilégios sócio-econômicos. Em muitos casos, as leis, as normas, mitos e costumes representam apenas a imposição das conveniências de uma classe social, que as faz passar como verdades. Nietzsche também suspeitava radicalmente das chamadas "verdades morais". Segundo ele, por detrás de uma evidência, muitas vezes se esconde medo da vida, a inveja diante dos mais sábios e poderosos, a impotência para competir com os mais corajosos. Na mesma linha, Freud fez ver que muitas das verdades que a consciência nos apresenta escondem outras motivações subconscientes, mais verídicas. Aquilo que considerávamos como verdade interior muitas vezes não passava de um disfarce com que nossos impulsos libidinosos apresentavam-se decorosamente em nossa consciência. A verdade, porém, é a que está subjacente e se oculta. 

Toda essa elaboração crítica rompeu com a segurança e a certeza em que se apoia o homem simples da rua... Muitos homens, porém, não são capazes de viver nessa corrente de crítica e dúvida. Por isso preferem basear-se em evidências fornecidas pelo bom senso ou pelos hábitos culturais. A dúvida rouba-lhes o sossego e o amor à realidade. Quando não é doentia, a dúvida constitui a base de toda a verdadeira ciência e de todo o progresso. 

A dúvida existencial, porém, nos interessa mais de perto. E isso porque, como dissemos, ela se opõe à , que é a raiz de toda a posição cristã. A desconfiança é a dúvida sobre a veracidade de uma pessoa. Nesse aspecto, também podemos dizer que o mundo moderno é muito mais desconfiado do que o antigo. As relações humanas modernas, que se dão nas grandes cidades, levam ao anonimato, à independência, à falta de solidariedade com os outros. Cada qual confia no seu próprio dinheiro, na previdência social, em suas próprias forças. Mais do que amizade ou confiança, o que se procura nos outros é encontrar aliados para negócios e empreendimentos. Em vez de se desenvolver em profundidade, as relações se desenvolvem de acordo as forças motrizes do lucro ou do poder. Nesse clima frio que faz murchar a fé, é muito difícil desenvolver-se a vivência cristã que se centra na fé nos homens e, através deles, na fé em Deus. 

Sendo a história de dos homens, a Bíblia também é, ao mesmo tempo, a história da sua desconfiança. Já nos primórdios da humanidade, o pecado original nos é apresentado como fruto da desconfiança dos homens em relação a Deus. Mais do que o amigo, Adão e Eva começam a ver em Deus um rival. Duvidam que seus preceitos tenham sido estabelecidos com boa intenção, suspeitando que oculta algum logro. É dessa dúvida existencial que brota o pecado (Gn 3,3-6). Do mesmo modo, o pecado contra os homens surge da dúvida e da desconfiança. Caim duvida de seu irmão, desconfia de sua amizade com Deus e vê nela um perigo... 

O encontro dos apóstolos com Cristo também foi marcado por períodos de dúvida. Inicialmente, surge neles uma dúvida positiva, que abre seus corações para buscar em Cristo algo mais daquilo que aparentemente viam nele, um homem. Diante de suas obras maravilhosas, não podem deixar de duvidar: "Que homem é este, que até os ventos e o mar lhe obedecem?" (Mt 8,27). Mas, depois que a fé cristã já havia nascido neles, quando ouvem o anúncio da cruz, novamente são assaltados pela dúvida e sentem-se perturbados. Pedro duvida da palavra de Jesus e o convida a mudar de caminho (Mc 8,31-33). Mas o momento em que a dúvida os assalta de modo especial é na hora da paixão e da cruz. Já na última ceia, duvidaram de que um deles seria um traidor (Mc 14,18-21). Depois, duvidaram ao ver a agonia de Jesus no horto e ao vê-lo aprisionado pelos guardas. Por isso, fugiram daquele que era seu líder e a quem haviam prometido seguir (Mc 14,50)... 

A fé cristã sempre foi uma luta incessante contra a dúvida que brota do coração. E é natural que a dúvida nos assalte. Primeiro, porque Deus é mistério, que ninguém viu nem pode ver. Depois, porque sua revelação é misteriosa e se realiza através de mensagens que são por vezes obscuras, distantes e difíceis. Ter fé não é deixar de ter dúvidas, mas sim ter a força suficiente para superá-las. Para aquele que está unido amorosamente ao Senhor, mil dúvidas não fazem uma negação, assim como, para aquele que está afastado afetivamente, mil razões não fazem uma adesão

Um anseio desesperado de certeza da fé trará uma profunda insegurança. Lutero sentia-se atormentado por mil dúvidas. Precisamente por isso, chegou a afirmar que era necessário ter uma fé fiducial em Deus, mesmo acima dos próprios pecados e acima das evidências contrárias que a razão nos mostrasse. A insegurança o levava a uma confiança absoluta e cega, na qual ele buscava a paz. 

A fé em qualquer pessoa move-se sempre em um clima de risco, pois a amizade não depende somente de nós, mas também da outra pessoa. 

Em geral, podemos dizer que a fé se reanima pelo contato vivo e comprometido com a pessoa amada

A força do meio é muito poderosa. O pragmatismo da sociedade, vivido como lei suprema, afasta muitas pessoas de uma mensagem generosa e altruísta. 

Há também a frieza e os maus exemplos de muitos cristãos que torna duvidosa para muitos a verdade que o cristianismo anuncia. 

Guerra

À primeira vista, a posição cristã diante desse problema parece estar clara: a condenação absoluta da guerra e a incessante proclamação do amor. Na história da Bíblia há diversas guerras. E mais ainda: podemos encontrar mandamentos divinos conclamando à luta ardorosa contra os adversários. Isso nos faz perceber que se trata de um profundo problema humano, que não pode ser solucionado simplesmente com meros idealismos pacifistas ou exortações em prol do amor. 

A possibilidade de guerra é inerente à própria condição humana. Para se defender ou para ampliar seus direitos ou posses, o indivíduo entra inevitavelmente em conflito com outros indivíduos, que defendem direitos semelhantes e contrapostos. Quando não é resolvido de modo razoável, esse conflito costuma gerar a luta, o conflito pela força, orientado para a obtenção dos propósitos do indivíduo às custas do vencido. No plano social, a questão se agrava. Em certos casos, esse conflito dos homens e dos povos poderá ser qualificado de injusto, mas em outros casos, é certamente moral, quando se trata de defender os direitos atingidos ou impedir que os opressores explorem os mais fracos ou pacíficos. Assim, não é a guerra que se apresenta como injusta, mas sim a sua utilização para causas ou objetivos de opressão

O pacifismo, que é a renúncia por todos os meios a toda forma de guerra atrai com frequência os cristãos e outros homens de boa vontade. Trata-se da visão de um ideal que almejamos e que gostaríamos de antecipar historicamente. Mas a realidade nos mostra que o pacifismo é uma meta para a qual devemos tender ininterruptamente, mas não propriamente um plano que se possa colocar em prática. "Se queres a paz, prepara a Guerra", diziam os latinos. Não se pode realizar a preparação da paz sem certa previsão da possível guerra e sem medidas de defesa contra ela. 

A história de Israel que nos é narrada na Bíblia começa precisamente com a preparação de uma guerra de libertação: o povo encontrava-se escravizado no Egito e Deus suscitou Moisés para organizar uma saída que implicava inevitavelmente uma guerra. Depois da saída do Egito, Deus quis dar ao seu povo uma pátria, que também iria ser conquistada através de uma guerra, que agora deixa de ser defensiva para tornar-se ofensiva. É difícil explicar o sentido dessa conquista de Canaã. Nas fontes bíblicas, ela é apresentada como resultado da obediência ao mandamento divino (Ex 23, 25-30). A lei prescrevia a forma como a guerra deveria ser travada, distinguindo entre os povos distantes e aqueles que ocuparam o território da Palestina. Estes últimos deveriam ser eliminados para que não representassem uma constante tentação para Israel em sua missão religiosa. A missão renovadora da religião parecia exigir esse isolamento na terra prometida. 

A escatologia também é apresentada com simbolismo da guerra. As forças do mal presentes na história se concentrarão, em um último esforço, para fazer triunfar sua causa. Será um momento de devastação e angústia. Mas a vitória final de Deus representará a paz definitiva e universal entre os povos. A luta escatológica resume e condensa toda a luta histórica a que se produz na história entre as forças do mal e a ação do Espírito de Deus, que leva a humanidade em direção à paz universal e eterna. 

O Novo Testamento representa uma mudança de foco. O cristianismo se desliga do povo judeu, passando a ser uma vivência religiosa autônoma, desligada de todo Estado ou cultura. A mensagem de Cristo se resume na amor, que deve abranger todas as atividades humanas. A violência e a opressão são condenadas como inimigos desse ideal de reconciliação. Cristo recebeu injúrias e ataques e não utilizou violência contra seus adversários. 

No entanto, embora a guerra entre os povos no sentido material seja reprovada pelo Evangelho, o próprio Cristo é apresentado com aquele que veio lutar contra o mal e o pecado no combate escatológico. "Não vim trazer paz, mas a espada". O Reino sofre violência e são os violentos que o conquistam. Cristo não prega o passivismo ou a inação. Prega uma tarefa dura que exige uma luta árdua, mas não contra os outros e sim da pessoa contra si mesma, exigindo o cumprimento das metas difíceis do Evangelho. Isso provoca escândalo e ruptura com amigos e parentes. A exemplo de Cristo, o cristão deve lutar pelo Reino com um amor que exige renúncia e cruz, ou seja, uma luta penosa consigo mesmo. Paulo descreve detalhadamente as armas para o combate cristão (Ef 6, 10-12).

Alguns autores cristãos e não-cristãos (Gandhi, por exemplo) procuraram dar uma interpretação "não violenta" à margem de Jesus, proibindo toda guerra ou utilização da força, mesmo contra os adversários injustos. Cremos que a mensagem de Jesus fala da supressão total da violência e da guerra, mas não como um preceito normativo a seguir e sim como um ideal que deve ser perseguido em todas as ações, sem no entanto ser alcançado nunca. A história do cristianismo está pontilhada de guerras entre os povos. Não se pode aprová-las. Mas o cristianismo contribui para moderar e suavizar as paixões violentas. E considera-se que desse modo ele obtém frutos mais positivos do que com um pacifismo absoluto. As armas nucleares e de destruição em massa, fruto da técnica moderna, mostram ao homem moderno a grande periculosidade de qualquer conflito armado. O cristianismo deve colocar toda paixão do Evangelho nos apelos contra a Guerra. Mas nem por isso deve limitar-se a condenar a guerra, pois isso significaria favorecer simplesmente aos mais inescrupulosos. 

O Apocalipse concebeu esse combate como uma batalha final e definitiva em que os poderes do mal serão destruídos (Ap. 19, 11-16). Essa batalha já se está travando - depois dela, a paz será definitiva (Ap. 12, 7-12).

Homem: unidade e contradição. 

O homem unitário é composto de instâncias antagônicas

O homem é um ser social, que se realiza de certa forma em inúmeros indivíduos. Se fosse como os animais, estaria submetido à espécie. O aspecto conflitivo do homem está em que, superando a animalidade, tornou-se pessoa e, como tal, um fim em si mesmo, que não pode subordinar-se à espécie. Mas, ao mesmo tempo, é um ser social que precisa regular sua vida no meio de uma grande quantidade de pessoas, cada uma das quais também é um fim em si mesma, exigindo respeito e veneração.

A preferência por um dos elementos dessa antítese leva a soluções unilaterais. Observam-se, por exemplo, tendências do psicologismo, que procuram a causa de todos os problemas humanos nas raízes internas da consciência e do inconsciente. Assim, pretendendo-se salvar a pessoa afetada por problemas interiores, cai-se facilmente na posição de antepô-la aos outros subordinando a ela os interesses dos demais, que, no fundo, são iguais aos da pessoa que se torna centro da problemática psicológica. Na verdade, os outros convertem-se em elementos que não devem impedir a solução dos problemas particulares do sujeito principal. 

As tendências do sociologismo, ao contrário, preocupam-se essencialmente com a construção de uma sociedade justa e bem organizada, que supere o problema dos abusos individuais e na qual os bens sejam distribuídos equitativamente e sem discriminações entre todos os membros da sociedade. Tomando-se como preferencial o ponto de vista comunitário e sociológico, cai-se facilmente na posição segundo a qual os interesses pessoais deixam de ser um fim em si e se submetem aos interesses da sociedade. No caso anterior, eram os outros que se convertiam em instrumentos; neste caso, é a pessoa que passa a ser um instrumento a serviço da sociedade. 

Todas as grandes concepções morais, políticas e religiosas sempre procuraram chegar a uma síntese desse duplo aspecto do homem: o pessoal e o psicológico e o social e comunitário. Alguns exemplos: a guerra, que exige a morte de pessoas pelo bem da sociedade; a economia, que exige sacrifícios decisivos em determinada conjuntura em nome de um futuro mais próspero, a ser usufruído pelas gerações vindouras; a repressão da liberdade em benefício da ordem. Trata-se de todo um mundo de conflitos, que limitam diariamente as opções concretas da pessoa, a ponto de obrigá-la a arriscar a sua vida pessoal e única em favor da "sociedade", no fundo, uma multidão desconhecida.

Essa contradição se agrava historicamente nas lutas sociais e políticas, principalmente em função das desigualdades sociais. E esses problemas agravaram-se tragicamente em virtude do egoísmo e da ambição humana, que procuram açambarcar desmedidamente os bens e privilégios: daí a guerra e outros desastres. 

Há ainda outra divisão: trata-se do fato de que o ser humano se nos apresenta em duas manifestações sexualmente diferentes: o homem e a mulher. Suas características psicossomáticas são diferentes em virtude de suas missões na existência. Mas a realidade é que a força converteu-se em lei e a mulher ficou secularmente reduzida à condição de objeto de posse e satisfação do homem. A existência humana, que deveria ser um encontro amoroso especialmente através dos sexos, converteu-se muitas vezes em um conflito sexual escravizador da mulher, com as consequentes deformações masculinas. E a própria condição humana continua pondo um desafio para o homem e a mulher que queiram vivê-la autenticamente. 

Mas as contradições não se apresentam somente entre uma pessoa e as outras. Dentro da própria pessoa também se destacam tensões antagônicas que tornam a vida problemática. Uma das mais importantes é a contradição que ocorre com os anseios mais nobres do espírito. Trata-se de uma contradição dilacerante que converte a vida do homem em uma constante luta consigo mesmo. A vida reclama a maior quantidade de energia psíquica seus imperiosos impulsos. Mas, como o homem é um ser limitado, essa satisfação só pode ser alcançada às custas de outras tendências, mais elevadas e espirituais. O ideal biológico humano não coincide com o espiritual. Muitas vezes, um gênio cultural que contribui decisivamente para a humanidade é um ser doente para a biologia, ao passo que a pessoa sadia e robusta se consome em suas meras satisfações somáticas. Frequentemente, o heroísmo das causas grandiosas exige rupturas vitais, quando não a própria vida. Quanto mais elevada é uma meta, ela costuma ser mais árdua e exigir sacrifícios que só podem realizar-se às custas dos desejos primários, que habitualmente se rebelam. A multiplicidade e o antagonismo das tendências mais íntimas do ser humano o expõem a uma luta, não contra agentes externos, mas no seio de sua própria personalidade.

Um aspecto dessa divisão interior é a que costuma se dar entre a razão e o coração. Há uma divergência causadora de conflitos entre a busca fria e abstrata de uma verdade universal que se estende igualitariamente a todos e a calorosa tendência do coração, que se volta para a pessoa concreta e que é capaz de renunciar ao mundo pelo olhar de um amigo. Trata-se de conflitos como os surgidos entre a concepção essencialista da verdade, com a validade para qualquer sujeito, e a captação existencial, na qual o sujeito torna-se o centro e a norma do conhecimento puro, que possa ser válido para qualquer pessoa de qualquer planeta; por outro lado, procura-se a verdade do sujeito, que compromete todo o seu ser e, portanto, é exclusivo. É a dupla dimensão das ciências abstratas e da filosofia existencial, da moral ou da religião. 

Outro aspecto da divisão humana é o colocado pela contraposição entre teoria e práxis. Também nesse caso nos encontramos diante de duas vertentes necessárias da mesma realidade, que levam forçosamente a uma opção exclusiva ou parcial. Cada homem deve escolher uma dessas facetas para realizar-se ou pelo menos dar preferência a um em detrimento da outra. Uma coisa é o mundo do planejamento racional, e outra é o da dolorosa execução. Uma coisa é o mundo do estudo, das leis e da ciência e outra o mundo do trabalho, dos negócios e das lutas políticas. E viver é dar preferência a um desses campos em detrimento do outro. 

O tempo também nos coloca diante de novas ambiguidades, que dividem os diversos homens e cada um em particular. Na medida em que a vida não é algo realizado e presente, mas sim um fluir ininterrupto em que o passado morre e o futuro nasce constantemente, sempre nos defrontamos com a possibilidade de uma atitude de defesa do presente que se vai cristalizando no passado e de uma atitude mais revolucionária, que se projeta para o futuro, sempre à espera do novo que destruirá o superado e trará a plenitude. Daí, o conservadorismo e o progressismo, a segurança do passado e a esperança do porvir. É como uma necessidade de cobrir duas frentes diferentes, o que nunca se pode conseguir plenamente. O que obriga a opções que limitam e estruturam a realização humana.

A essas limitações, inerentes à própria condição humana, devemos acrescentar as divisões que a cultura especializada moderna impõe propriamente. Diante de homens de culturas mais primitivas, que atuam em quase todos os aspectos da realidade, a técnica moderna obriga progressivamente a uma redução do campo de ação. É preciso escolher uma carreira, uma profissão ou um ofício. Dentro dessa primeira restrição deve-se delimitar um campo às vezes insignificante e sem sentido da totalidade para conseguir fazer algo com alguma competência. Assim, o horizonte humano vai-se estreitando, ao passo que se amplia incessantemente o campo das realidades que vão sendo abandonadas. Em consequência disso, surge um conflito entre a extensão dos conhecimentos e da ação e a especialização da capacidade humana: é preciso escolher entre saber pouco de muito ou saber muito de pouco, entre a extensão sem profundidade ou a profundidade sem extensão.

Homem: Corpo Humano

O homem é um ser espiritual, mas ao mesmo tempo, também é um ser corporal. A matéria que faz parte do ser humano é uma matéria orgânica e viva, estruturada animicamente, de modo que pertence a um gênero diferente do da matéria bruta. O homem é uma realidade corporal em que a matéria está como que "espiritualizada" pela ação do espírito nela. 

Frequentemente, o excessivo dualismo entre alma e corpo nos levou a reduzir o corpo à matéria bruta, tornando-o origem de todas as paixões baixas e egoísmos. Já se chegou a pensar que o corpo era a prisão onde a alma gemia prisioneira, à espera de sua libertação. Assim, no corpo estaria um conhecimento mais ilimitado e puro, limitando a alma a uma vinculação espacial e arrastando-a para a sensibilidade e o pecado. O pano de fundo dessa e de outras concepções era constituído pela suposição de que a vida cristã era uma luta constante do espírito contra o corpo. 

Corpo e espírito se complementam, ou seja, há aspectos contrapostos de uma mesma realidade que é o homem. Quando Descartes observou claramente que a evidência primeira do homem era a sua própria consciência ("penso, logo existo"), esqueceu-se de um elemento essencial do pensamento, que é sempre pensamento sobre algo. Como ser pensante, o homem encontra-se submerso em um mundo que o cerca e que se converte em objeto permanente de seu pensamento. Nosso pensamento está incrustado em um mundo que é o seu ambiente e a sua circunstância, algo sem o qual o pensamento deixa de existir: eu sou eu e minha circunstância. 

Pois bem, o homem realiza esse contato com o mundo essencialmente através do corpo. O corpo é o instrumento de percepção através do qual o pensamento chega ao mundo e o mundo penetra na intimidade da consciência. Por meio dos sentidos corporais, penetram na alma muitas ondas mensageiras do mundo, que ficaria infinitamente afastado do espírito sem essa mediação. O mundo repercute nos órgãos corporais e assim pode ser captado pela mente, que está essencialmente unida ao orgânico. O mesmo ocorre nas relações interpessoais. A aproximação e a comunicação entre os seres espirituais é possível através do corpo, do rosto e da palavra. 

Ao mesmo tempo, o corpo é o instrumento de auto-expressão do espírito. O espírito necessita manifestar em palavras e obras aquilo que conseguiu sentir em seu interior e recriar graças ao contato com o mundo. 

Ao mesmo tempo, o corpo serve de vestimenta do espírito, encobrindo seus planos íntimos e suas realidades vergonhosas. Sem a proteção do corpo, véu do espírito, o homem se veria desarmado, incapaz de conservar sua intimidade e resguardá-la no contato com os outros.

Mas, embora seja como que o sacramento do espírito, através do qual este se manifesta e atua no mundo, o corpo também é um instrumento limitado e ambíguo, que pode dificultar os anseios infinitos próprios do espiritual. 

Há concepções de que o corpo é a tentação do espírito; nesses casos, o espírito deve lutar contra o corpo. É evidente que uma moralidade que parte da depreciação essencial de um dos aspectos constitutivos do homem só pode levar a uma deformação e a uma falsificação da tarefa humana.

Falso: comparar nossas lutas morais como se fosse a luta do espírito contra o corpo. Nossos instintos corporais (fome, sede, libido, atividades corporais etc.) e tendências espirituais (anseio de estima, vontade de poder, sociabilidade) sendo amorais podem ser indistintamente dirigidos pelo homem para o bem ou para o mal. 

A liberdade humana é a verdadeira fonte da moralidade, pois é através dela que o homem escolhe ou seleciona as diversas tendências que brotam na consciência, procurando alcançar a sua própria satisfação. 

Os conflitos entre os diversos aspectos do humano podem e deve ser reais. Mas esses conflitos devem partir do pressuposto da valorização de todo o humano, que deve ser integrado em uma síntese total. A mensagem cristã é uma mensagem de salvação do homem inteiro. 

Homem: Tendências Humanas

O homem não pode ser reduzido à racionalidade. Antes de se caracterizar por essa dimensão, o homem é um ser de aspirações e impulsos que o impelem para o mundo, a fim de conhecê-lo, dominá-lo e desfrutá-lo. Esse mundo de impulsos e aspirações está na origem de todas as atividades ulteriores do homem. Até mesmo o próprio conhecimento é impulsionado por essas tendências. Como ressaltou santo Agostinho, não se conhece nada que não se deseja previamente. 

O homem experimenta essas vivências como necessidades que se impõem e se renovam na inquietude, como uma carência que pressiona imperiosamente no sentido da sua satisfação. Surge como que um vazio no ser, reclamando sua satisfação e colocando em movimento todo o organismo para alcançá-la. Cada uma dessas tendências e impulsos brota do inconsciente, do substrato vital que está cheio de aspirações fundamentais. E depois entra na consciência com força imperiosa e estimulante. 

As tendências na libido e no gozo sexual bem como o desejo de poder e auto-estima são visões parciais. 

As tendências dos impulsos podem ser classificados em três grupos: 1) gozo; 2) defesa do eu individual; 3) transitivas e altruístas, que impulsionam em direção ao mundo e aos outros. 

É falsa a concepção da virtude como carência de fortes estímulos no sentido das realidades vitais. Isso seria apatia ou indiferença, expressões de ausência de vitalidade.

Solução simplista dos conflitos. Se as tendências se reduzem todas à libido, a solução estaria em reprimir o que se oponha a ela. Se elas se reduzem ao desejo de domínio, então será necessário combater o que for contrário. 

Mas as tendências humanas são mais complexas. "O homem, ao contrário do animal, cultivou uma grande quantidade de instintos e impulsos contrapostos. O homem superior deveria ter a maior variedade de tendências e com maior intensidade relativa." (Nietzsche)

O animal responde aos instintos; o homem, dono de si mesmo graças à liberdade, pode manipular de certa forma essas tendências, reprimi-las, antepor umas às outras, adiá-las ou estimulá-las. É por isso que o homem pode ser melhor ou pior do que o animal, mas não igual a ele. (Aristóteles)

Para que as tendências altruístas adquiram o valor devido ao nível pessoal, é preciso que o homem as escolha livremente, mas em meio ao conflito com outras tendências egoístas

O homem também sente tendências que exige uma resposta religiosa. A religião não é algo que cai do céu, um fenômeno completamente inesperado pra o homem. Se não houvesse essa aspiração religiosa que brota do mais profundo do inconsciente vital, as respostas religiosas seriam supérfluas e carentes de interesse.

Ideologia

Trata-se de um conceito muito utilizado na época moderna, embora com características bem diversas. Daí a dificuldade de precisar o seu significado. Em primeiro lugar, é digno de nota a ambivalência positiva e negativa da palavra. Ora se acentua o positivo ora o negativo, mas o termo parece incluir sempre algo obscuro, que lhe é essencial. 

Costuma-se entender por "ideologia" uma visão parcialmente estruturada da realidade, própria de grupos sociais ou nacionais caracterizados, incluindo e predispondo a uma ação em determinada direção. Apresenta um elemento limitativo: o fato de não ser estritamente objetiva e completa. Acontece que a visão científica ou filosófica da realidade se revela muito complicada para grupos numerosos, que são incapazes de dominar vastos e complexos setores do real. Então, a ideologia intervém para simplificar esses dados e, agrupá-los em formas facilmente assimiláveis ao alcance de todos. 

A ciência ou a filosofia sempre procuram ajustar-se aos dados da realidade antes de mais nada. Por isso mesmo, são menos operativas, embora exijam um esforço muito maior de captação e um constante esforço de revisão e mudança, o que lhes dá certa instabilidade. E os indivíduos não podem ficar esperando por uma síntese completa para começarem a agir. Mas é desse mesmo fato que provém o caráter instrumental das ideologias. Marx estudou a ideologia dominante em nossas sociedades, que é a ideologia burguesa: valendo-se dela, as classes dominantes conseguiram manter a "ordem estabelecida" e impedir a mudança social. Para Marx, a base real da mudança se encontra na dimensão econômica da sociedade...

A psicologia também pesquisou o campo das ideologias. Muitas das ideias tidas como verdades incontestes na sociedade, na realidade outra coisa não são do que projeções dos desejos inconscientes das pessoas. Não podendo viver na insegurança, os indivíduos produzem esquemas cômodos nos quais passam a se apoiar. O homem tende a crer naquilo que deseja e deixa-se enganar facilmente pelos seus desejos. 

Essa contraposição entre o mundo das ideologias, instrumentalizado a serviço de causas sociais ou desejos pessoais, e o mundo da realidade cotidiana implica uma divisão no próprio homem, uma espécie de ruptura entre a realidade objetiva e as ideias construídas pelos homem a serviço de interesses sociais ou psicológicos. No mundo antigo, a confiança na razão e a falta de crítica social faziam com que a visão humana fosse mais segura e a aparente coincidência entre o objetivo e o subjetivo mais indiscutível. Hoje, o pluralismo dos grupos e partidos diante de problemas comuns leva a posições mais fanáticas, nas quais o subjetivo se desliza mais apaixonadamente do objetivo. Hoje, o mundo inteiro se apresenta como um confronto de ideologias, que fazem as massas vibrarem com muita paixão.

Imagens, Culto às

As imagens sempre estiveram ligadas ao culto religioso. E a razão é evidente. Ninguém viu nem pode ver Deus (Jo 1,18). Assim, só podemos falar de seu mistério por meio de símbolos e imagens. Toda a história dos homens se expressa nessa busca das imagens de Deus. A noção de imagem é diferente da noção de ídolo. O ídolo representa sempre um termo final da veneração, ao passo que a imagem sempre se refere a outro. O ídolo é absoluto e opaco, ao passo que a imagem é relativa e transparente. Embora por imagem entenda-se comumente a imagem escultória, também ha imagens pictóricas e literárias. Todas se enquadram na noção de "imagem": expressão visível do mistério. 

Ao contrário de muitos outros povos, o judaísmo, em sua Lei, proibiu o culto às imagens. Trata-se de um texto taxativo que se encontra no Decálogo (Ex 20, 4-6). As imagens de Deus que a Bíblia reconhece são naturais e não artificiais: o cosmos e sobretudo o homem (Gn 1, 26-27; Sb 13, 3-5; 1 Cor 11,7). No entanto, a Bíblia não teme as imagens de Deus: pode-se dizer que toda a Bíblia é uma descrição imaginativa de Deus com base nas mais diversas imagens. Deus é apresentado como oleiro, médico, visitante, pastor, rocha, vinhateiro, esposo, pai, amigo etc. E os traços mais antropomórficos são utilizados sem temor para enriquecer essa imagem literária de Deus. 

O Novo Testamento volta a ressaltar que os homens constituem a autêntica imagem de Deus, mas entre eles e de modo primordial a figura de Cristo. O Deus invisível não pode ser representado, mas, sendo Cristo imagem por excelência, não seria então representável? Rejeitar toda imagem de Cristo não representa certa negação da encarnação? Teofanias.

Muitos autores cristãos antigos se opuseram ao culto das imagens, vendo nele o perigo da idolatria, que inundava toda cultura pagã. E não apenas as imagens: eles viam os templos e altares como deformação das imagens transcendentes de Deus. Observe que Jesus é visto como pastor, pescador. Foi aí que começou a se desenvolver a teologia de que a imagem de Cristo é a imagem viva. As imagens são apenas pobres imitações, que nos recordam a Imagem original e nos aproximam dela. Essa concepção distingue então entre a "latria" (adoração) devida a Deus e a veneração relativa às imagens que se referem ao próprio Deus. 

A utilização progressiva das imagens levou ao abuso, culminando na idolatria. Os imperadores bizantinos, a partir de Leão III (726), começaram uma campanha de destruição das imagens. A controvérsia entre os próprios teólogos foi longa, até que o segundo concílio de Niceia (787) aprovou o culto a elas tributado. Útil aos ignorantes e analfabetos, as imagens representam de forma visível os mistérios de Deus e da salvação em Cristo - método sacramental de salvação de chegar ao invisível por meio do visível. 

Os reformadores voltaram a desencadear a polêmica em torno das imagens

Reconhecer que o povo se apega excessivamente às imagens e perde a clara distinção entre o meio, a imagem, e a pessoa a que se tributa a adoração. 

Seria inútil tentar arrancar do povo as suas atuais imagens. Trata-se muito mais de um processo de educação, para que o próprio povo vá superando progressivamente suas etapas, alcançando condições anímicas mais profundamente religiosas e cristãs. Os novos sinais e imagens devem procurar uma maior personalização do homem religioso e um encontro com os outros que seja mais interpessoal do que de massas. 

Luta de Classes

A luta entre indivíduos e entre povos é amplamente conhecida desde a Antiguidade, mas a luta de classes é uma noção moderna. Isso não significa que a luta de classes não existia anteriormente, mas sim que ela ficava obscurecida por outras tensões de maior transcendência. Quem colocou a luta de classes em primeiro plano foi o século XIX, que trouxe a aparição de um proletariado consciente e ansioso de reivindicar seus direitos. O marxismo quis convertê-lo de modo absoluto na única força motriz da história. Hoje, não se trata tanto da luta entre as classes de uma nação, mas sim dos países proletários diante dos países capitalistas e desenvolvidos. 

No início, havia ódio cristão à violência marxista. Depois, os cristãos perceberam que a luta de classes é algo vital e presente em toda a história moderna. Há, contudo, uma diferença fundamental entre a concepção cristã da vida que se orienta para o amor e a concepção marxista, que sem orienta para a luta política, eficaz e agressiva. 

Lei do Antigo Testamento admitia a escravidão.

O Novo Testamento não legisla sobre a escravidão, pois deixa de ser um código civil concreto do povo. Ele apresenta os princípios religiosos da igualdade de todos os homens, que são valorizados por sua livre consciência. O Novo Testamento não encara diretamente o problema das classes sociais. Fala dela porque se dá em um ambiente de acentuadas diferenças sociais e humanas. Cristo opta pelos pobres, os desprezados do mundo e os privilegiados do Reino. Não pelo confronto.

Os dirigentes políticos e econômicos foram os inimigos do Evangelho, justamente porque temiam que Cristo abatesse suas posições de poder e de riqueza.

Muito embora Jesus tenha pregado o amor universal até mesmo aos inimigos de nacionalidade ou de classe, sua atitude em relação aos fariseus e sacerdotes, que guiavam o povo, denota certamente agressividade e ira santa que revelam uma atitude de luta corajosa, embora não sangrenta.

O ideal do Sermão da Montanha permanece sempre vivo mas não se pode pretender aplicá-lo ao pé da letra. A luta se torna invisível, mesmo que continue internamente animada, pela "utopia" do amor universal e irrestrito. 

A história do cristianismo está muito longe de ser uma história pacifista. Há quem veja nisso uma traição ao Evangelho. 

A atual posição dos cristãos é contestada pelo desafio marxista. Os marxistas veem toda a história como uma luta de classes, na qual os opressores e os oprimidos se enfrentam em uma guerra mortal. Tudo deve girar em torno dessa luta, que deve ser provocada, estimulada e travada à custa de qualquer sacrifício. Para elas, todo desvio a essa linha constitui uma traição. Com base nesse esquema, os marxistas muitas vezes alcançam um grau de fanatismo e eficácia em seus seguidores que causa grande impacto, sobretudo entre os jovens. 

Sem negar a necessidade e a importância da luta de classes, o cristianismo não lhe reconhece o caráter de realidade absoluta e instrumento único de salvação - amor. 

Para os cristãos, a luta de classes é um meio e não o fim em si mesmo. Quando a luta se torna armada e sangrenta o cristão deve refletir seriamente sobre os males decorrentes dessa guerra para ver se poderá participar dela. 

Hoje, o cristão tem pela frente uma árdua tarefa: permanecer fiel a duas missões que podem parecer contraditórias entre si. Por um lado, ele deve permanecer fiel à tarefa do desenvolvimento próprio e das classes mais oprimidas no sentido de um mundo mais justo e fraterno.

Mística Marxista e Mística Cristã. 

O marxismo, da mesma forma que o cristianismo, abrange dimensões muito diversas e complexas, que impedem uma comparação clara. O marxismo, por exemplo, é uma teoria filosófica, uma doutrina econômica, uma teoria da revolução, uma política multiforme seguida pelos regimes marxistas e um história de fatos vinculados ao pensamento de Marx. O mesmo ocorre com o cristianismo.

Muitos marxistas aceitam esse termo, considerando que sua militância não se reduz a uma teoria e tampouco a uma práxis, sendo estimulada e motivada por profundas raízes afetivas e dinamizadoras que mobilizam todo o ser e dão um significado à vida inteira. - Aceitação do Evangelho. (in Novo Aurélio, mística é um sentimento arraigado de devotamento a uma ideia). Em nossos países, muitas pessoas sentem-se imperiosamente atraídas pela mística marxista. Em alguns casos a mística marxista é simultânea a uma rejeição aberta do cristianismo e de toda religião, considerada alienante. Mas, em muitos outros casos, as duas místicas parecem conviver em pessoas que se consideram ao mesmo tempo marxistas e cristãs e que procuram explicar de várias formas a conciliação de suas experiências de uma e de outra doutrina e suas consequentes ideologias. Muitos desses jovens mostram um grande desconhecimento da filosofia e da economia marxistas. Alguns pouca coisas leram de Marx. Mas vibram misticamente com seu apelo e sentem-se "marxistas". Muitos deles rejeitam quase todas as formas concretas de política dos regimes marxistas. E, no entanto, a mística marxista permanece e continua estimulando essas pessoas para a luta libertadora dos povos. 

E mais ainda: muitos desses jovens e intelectuais nunca chegam a atuar no campo concreto da luta política. Vivem o ideal na Universidade e depois se restringem às suas atividades profissionais. Outros não participam da tarela política.

Vejamos especialmente o caso dos que procuram conciliar ambas as vivências místicas, a marxista e a cristã. No longo prazo nãos se sustenta. Pode-se dizer que a tônica fundamental da mística marxista é constituída pela meta da justiça plena e igualitária entre todos os homens, tendo por instrumento a luta de classes, que deve superar a trágica situação presente. E os cristãos, que a adotam, pretendem fazer conciliar essa tônica com a mística cristã, na medida em que esta também implica uma rejeição deste mundo submerso no pecado, com compromisso com os pobres e abandonados e um sacrifício generoso pela justiça e o amor entre os homens. Ouve-se falar de uma unidade inseparável e harmônica entre as vivências cristã e marxista.

No longo prazo, muitos desses acabam por abandonar sua fé. Há dois senhores (absolutos): querem que todos submetam a eles. Só serão conciliados pelo fanatismo. A coincidência que pensamos: a opção em favor dos pobres diante dos opressores, a opção pelos que nada têm contra os que têm tudo em abundância. No marxismo, trata-se de organizar os oprimidos e estimular os seus anseios reivindicatórios para capacitá-los assim para a vitória. Dessa forma, estamos diante de uma mística de defesa do próprio grupo e de luta contra adversários. A mística cristã em favor dos pobres, ao contrário, não poderia unir os pobres para a luta, mas sim, dar significação evangélica à própria pobreza

Fora dessas posições mais juvenis e idealistas, isto é, numa posição mais madura, cabe certa síntese entre a mística cristã do altruísmo e a mística marxista da luta, desde que haja uma hierarquia afetiva e pessoal que subordine os elementos marxistas à opção básica, em prol da posição cristã. Crê-se hoje que todos nós temos algo de "marxista" e que não devemos rejeitar essa condição. Trata-se muito mais de assimilá-la e dar-lhe uma interpretação condizente com nossos princípios. Sabendo-se manter esse difícil equilíbrio e essa primazia cristã, pode-se dizer que o cristianismo sai enriquecido, colocando-se em condições de ir ao encontro dos homens de hoje, angustiados com os problemas de uma luta política desesperada. 

Palavra

O homem, que é um animal simbólico, praticamente não dispõe de um símbolo mais privilegiado para a comunicação do que palavra. 

No campo religioso, a palavra é o instrumento privilegiado através do qual Deus se comunica. Paulo: "a letra mata, mas o Espírito comunica a vida" (2 Cor 3,6).

A Bíblia constitui a história da palavra que Dirige a seu povo. Abraão, Moisés...

Mas a palavra de Deus apresenta-se distinta das palavras humanas: à medida que brota de Deus, ela é normativa e modelar. Cristo é o mensageiro divino, que revela o Pai e orienta eficazmente os homens para a salvação (Jo 1, 14-18).

Nunca como hoje foi tão urgente a revalorização da palavra em nosso mundo. Vivemos em um mundo que, graças aos modernos avanços da técnica, possui a capacidade de multiplicar as palavras numa crescente inflação. Aos poucos, o conteúdo e a verdade vão se perdendo e as palavras vão substituindo  as coisas: na política, são os discursos e promessas vazios; na economia, a crescente propaganda, que nos enche de promessas e suscita falsas necessidades; na cultura, é uma multiplicação de mitos e falácias que se tornam instrumentos de interesses bastardos. Hoje, vivemos afogados em dilúvios de palavras. No entanto, morremos de sede de verdade, pois as palavras não são verdade e realidade, mas sim temas vazios, ruídos sem conteúdo nem mensagem. A sinceridade cristã deve levar-nos a viver de acordo com o modelo de Deus, que se aproxima de nós em Cristo, identificando com ele, na medida do possível, o nosso falar e o nosso agir. 

Pessoa

A palavra "pessoa" ao contrário dos indivíduos das espécies animais, que se encontram essencialmente subordinados ao bem geral do grupo, o ser humano possui uma característica peculiar, que faz com que ele seja ao mesmo tempo — e um tanto conflitivamente — um exemplo da espécie e um fim em si mesmo, que nunca pode ser reduzido a meio. Com efeito, como indivíduo, o homem é um dos inúmeros exemplares da espécie humana, sendo, consequentemente, limitado, contingente e efêmero. Assim ele se apresenta subordinado ao bem e aos interesses da sociedade, mais vasta e abrangente. No entanto, apesar desse condicionamento, o homem nunca pode ser tomado como um número, uma peça da totalidade.

O elemento característico do indivíduo humano, que o faz pessoa, está em que ele é sempre um fim em si, que vive para si e possui um destino próprio e intransferível. É a unidade constituída por um ser pequeno, mortal e frágil e por valores espirituais do eterno, do universal e do infinito.

Política

Trata-se de uma palavra ambígua, que suscita reações diversas em diferentes pessoas. Em sentido próprio, "política" é administração do poder público. Nesse sentido, exercem política os ministros e chefes de Estado, bem como seus subordinados nos mais diversos níveis ou instâncias. Também exercem a política nesse sentido os partidos políticos, que se organizam visando a tomada e o exercício do poder. Nesse sentido, a política é uma tarefa sublime, pois quem tem a suprema responsabilidade na sociedade é quem tem mais possibilidades para realizar o bem e contribuir para o desenvolvimento dos cidadãos em todos os aspectos. Trata-se de uma missão que tende para o universal, pois se preocupa essencialmente com o bem comum. 

No entanto, a realidade nos mostra que a política, nesse sentido, também se reveste em muitos lugares de um sentido pejorativo. Ocorre que, como o dinheiro, o poder também costuma corromper os que o detêm. Às vezes, os cristãos mostram um grande desprezo pelos que detêm e acumulam poderes, da mesma forma que desprezam os que detêm e acumulam dinheiro. E preferem se afastar de realidades tão perigosas que chegam a tornar o homem escravo dessas paixões violentas. No entanto, a realidade é que nem a política nem o dinheiro são maus: mau é o uso que se faz deles. Por isso, é preciso incentivar os cristãos a aproximarem-se da política, atuando politicamente, tendo em vista uma contribuição positiva e eficaz para o bem comum. 

Em um sentido mais amplo, entende-se às vezes por política tudo o que se refere à vida social e às relações e cooperação entre os cidadãos, como organização, sindicatos, associações etc., bem como à constante interação dos homens em tarefas comuns. 

Por fim, também se poder designar como política a forma de realizar uma tarefa com precaução, sagacidade e táticas visando alcançar determinado objetivo. Esse costuma ser o método próprio dos que exercem a política. Nesse sentido, chamar alguém de "político" também costuma equivaler a chamá-lo de astuto, fingido ou insincero. E, no entanto, nas relações entre os homens sempre se necessita de um pouco dessa tática, sobretudo em dimensões mais amplas, onde não cabe a intimidade sincera própria de um grupo de amigos. 

Salvação

A ressonância desta palavra nos ouvidos cristãos assume por vezes dois sentidos que se devem corrigir: 1) pretende-se que Deus salve cada indivíduo (individualista) dos perigos que o acossam e lhe conceda a recompensa depois da morte; 2) Acentua-se de tal modo o caráter escatológico que parece que a ação de Deus está reservada exclusivamente para depois da vida. 

Entretanto, ao longo de toda a Bíblia, fica claro que, antes de mais nada, o plano salvador de Deus é plano universal. É verdade que começa por um povo, mas o recado é para toda a humanidade. 

A Salvação prometida por Deus não é exclusivamente para "outro" mundo. A escatologia é a abertura das realidades presentes e valiosas para um futuro que possibilite sua crescente plenitude no encontro definitivo com Deus. 

A salvação bíblica começa desenvolvendo-se a partir dos perigos e desgraças do homem peregrino. É Abraão que recebe a promessa salvadora. Então, o povo hebreu começa a ver na salvação a superação de sua impotência, de seus perigos e desgraças na sua chegada à morada prometida de Deus, a "terra prometida" que se torna símbolo da plenitude dos bens sonhados pelo homem. A vida humana é essencialmente risco. E o risco costuma estar ligado a fracassos e tragédias. A salvação significa a superação cotidiana dos diversos obstáculos do caminho pela graça divina, sobretudo o encontro, agora e para sempre, com aquele que é capaz — ele e só ele — de preencher plenamente o coração do homem: Deus. 

Toda história de Israel representa uma caminhada da escravidão ao deserto, do deserto à guerra, da guerra ao reino, do reino à opressão sob o domínio dos grandes impérios e depois a dispersão e o retorno ao exílio, para lutar novamente contra a opressão cultural da Assíria. 

A salvação fica ligada à ideia do Reino, tornando-se sinônimo da paz plena e da felicidade que brotam do dom pleno de Deus aos homens. 

Ao longo dos evangelhos, Jesus é apresentado como o Salvador por antonomásia: o seu nome é Salvador (Mt 1,21; Lc 2,11; 3, 2ss). Sua mensagem de salvação pressupõe certamente uma interiorização mais do que às realidades políticas ou econômicas, refere-se à libertação do pecado, da concupiscência e da morte. Não implica a salvação, que se reduz apenas ao coração. Cristo coloca no centro de sua pregação o Reino, que é a presença de Deus entre os homens, dirigindo-os pelos caminhos do amor e da paz. Livrado o ser humano do pecado, quer formar o homem novo, que possa conseguir, com sua graça, instaurar o novo mundo de santidade e justiça. 

Teillard de Chardin utilizou uma audaciosa comparação. Assim como foi necessária a evolução da matéria até um alto grau de complexidade para o aparecimento da vida, a atual criação também necessita de um longo processo evolutivo para que o espírito possa vir em sua plenitude, como origem da nova e definitiva etapa escatológica. Nesse sentido, toda ação na justiça e no amor leva ao Reino, não se reduzindo esse processo a um exercício de méritos para obter transferência para outra esfera. 

Tempo

O tempo é algo como uma moldura móvel em que se encontra enquadrada a vida do homem e de seu universo. Trata-se de uma dimensão essencial do homem, que se encontra presente em todos os seus campos de atividade, inclusive e concretamente no religioso. As religiões primitivas fixaram-se fundamentalmente no tempo cósmico, pois o cosmos era o lugar em que descobriram Deus e chegavam ao encontro com ele. A forma peculiar do tempo era cíclica, baseada na rotação dos astros e na periodicidade das estações. Todo o culto estava ligado ao ritmo dos tempos da colheita e dos novilúnios. No fundo, esse tempo mundano outra coisa não era do que a repetição do tempo primordial, no qual os deuses haviam realizado as suas grandes façanhas criadoras. Pelos ritos e pela repetição dos mitos, o homem procurava superar a caducidade do tempo presente e alcançar a plenitude do tempo divino primordial. 

A Bíblia também apresenta uma sacralização do tempo e das estações, ao longo de um calendário disposto por Deus (Ex 34, 18 ss; Lv 23; Dt 16). No Antigo Testamento, as festas são celebrações de agradecimento a Iahweh por ter derramado suas bênçãos sobre os campos e rebanhos e ter realizado obras maravilhosas em benefício de seu povo ao longo do tempo. O tempo humano passou a se colocar no centro da preocupação religiosa, com os bens produzidos pelos campos sendo substituídos pelo destino do povo em sua lutas e esperanças históricas. 

O tempo histórico, como o tempo de liberdade humana, já não é cíclico. Ele não se dá no eterno retorno das mesmas coisas. Trata-se de um tempo linear, aberto para a constante novidade de um futuro que nunca se repete. O homem vai se aprofundando no próprio mistério do tempo, que é visto como a incessante passagem de um passado feito para um presente fluido, aberto para um futuro imenso e misterioso. Em meio a esse deslizar do tempo encontra-se o homem, com a tarefa de sua própria vida. O que condiciona o homem e o força a tomar decisões nas quais tudo se decide de modo definitivo é precisamente o aspecto de caducidade e limitação do tempo. Desde que toma consciência de si mesmo, o homem sabe que está encerrado em um circuito limitado, que faz fronteira com a morte. Assim, cada uma de suas ações adquire uma transcendência que é decisiva e irrepetível. A Bíblia constitui um constante apelo à vigilância diante de um tempo do qual brotam o juízo de Deus e a salvação. A voz dos profetas é um grito para que se descubra nos sinais dos tempos e Deus. E o Novo Testamento ressalta a expectativa do Cristo que vem (Mt 25).

Por outro lado, a Bíblia contrapõe o tempo humano à eternidade ou tempo de Deus. A transcendência de Deus em relação ao homem não pode deixar de se manifestar em um tempo diferente e único, a eternidade. Diferença é mais qualitativa do que quantitativa. Deus é de eternidade à eternidade, sem cruzar o nosso tempo. 

Toda Bíblia está marcada essencialmente pela passagem do tempo, constituindo uma verdadeira história. Não se trata do pensamento sobre o bem e o mal, nem de uma doutrina sobre a salvação. É uma história dos homens que caminham para Deus pelo único caminho do tempo. As primeiras palavras da Bíblia são alusivas ao tempo: "No princípio..." E as últimas palavras constituem um novo chamado à esperança no futuro: "Sim, venho muito em breve!" (Ap 22, 20)

A eternidade de Deus não pressupõe distanciamento. O tempo do homem está marcado pela infidelidade e o pecado. Mas se abre continuamente para a salvação. 

Cristo apareceu na terra em uma etapa de tempos inquietantes e tensos. Perdia-se a satisfação do presente e voltava-se para a esperança do futuro. "O tempo está cumprido e o Reino de Deus está próximo." (Mc 1,15)

Para a escola liberal, Cristo encerra uma missão presente: santificar a porção atual do tempo. Sermão da Montanha: doutrina que se resume no amor. Para a escola escatológica, Cristo descuida-se do presente e se inclina apaixonadamente sobre o futuro, de onde chega o Reino de Deus. Cristo procura converter o homem, abri-lo para o amor e fazê-lo viver a serviço dos outros, como um caminho que realmente prepara a vinda ao Reino. Sem uma síntese das duas correntes, não é possível compreender o Evangelho sem mutilá-lo.

O cristão sabe que é pecador e que participa das injustiças do mundo presente, mas, em constante conversão, conta com a mediação de Cristo junto ao Pai. Espera o Reino, mas não se desespera no presente. Ama o encontro definitivo com o Pai, mas sem impaciência, pois já leva em seu coração as primícias do Espírito. 

Tradição

Por tradição entendemos o patrimônio cultural que a história nos legou a partir do qual começa a se exercer a nossa liberdade. O homem nunca é um Adão que inaugura a história. Ele nasce em uma situação, em um meio cultural e em circunstâncias humanas que o ligam a um passado e a uma geografia. Esse mundo do passado é o substrato fundamental sobre o qual cada pessoa e cada geração empreendeu a tarefa de construir o futuro. Nós estamos de tal forma condicionados pelo passado que recebemos dele não apenas a vida corporal e espiritual, mas também a cultura. Do passado, recebemos a linguagem, que é uma forma intrínseca do nosso pensamento, isto é, tradição concentrada e viva em nós. Com a linguagem, recebemos as formas de pensar, julgar, valorizar e viver. Até mesmo os gênios mais originais não podem deixar de partir das condições que encontram para superar a situação. E é no diálogo e na discussão com seus predecessores que conseguem superá-los. No fundo, as colocações e muitos elementos dessa tradição acabam perdurando no novo enfoque. O novo sempre aparece como desenvolvimento do passado, mesmo nos saltos mais espetaculares do progresso. Essa tem sido a lei da história: quanto mais desenvolvida e organizada está a cultura, maior é o grau de dependência do legado do passado que ela impõe. 

Com base na tradição, cada pessoa ou cada geração traz a sua contribuição nova, superando e esquecendo a tradição. Sem isso, a história estagnaria, limitando-se a uma simples repetição do passado.

A religião de Israel se desenvolveu dentro de uma tradição. Israel era portador de uma revelação salvífica destinada às futuras gerações e com sentido universal. A Bíblia é a expressão escrita da tradição de Israel, pois conserva a história desde as origens épicas do Êxodo, as formas jurídicas que o povo desenvolveu em suas diversas etapas, episódios ligados a santuários, rituais, hinos...

Cristo inscrevia-se no quadro da tradição judaica, movendo-se em seu mundo de imagens, símbolos e esperanças. Mas sua atitude foi plenamente inovadora. Ele mudou o próprio sentido da Lei, interiorizando-a. Resumiu a lei do amor, deixando de lado costumes, ritos e tradições. Desse modo, inaugurou uma nova tradição, que iria adquirir pleno sentido com sua morte e ressurreição. 

No entanto, são graves os perigos de uma concepção estreita da tradição. De um lado, encontra-se o perigo visto pelos reformadores: o risco de que a palavra de Deus ficasse em mãos de uma autoridade que a interpretasse de acordo com interesses e circunstâncias. Do outro lado, está o perigo de conservar a tradição literalmente, fazendo dela uma nova escritura, fixa e imutável. 

Assim, a tradição deve ser progressiva e crescente, ao mesmo tempo que uniforme, de acordo com as diversas manifestações da cultura. Essa diversidade é fonte de riqueza, desde que se mantenha a unidade essencial da mensagem de Cristo, que é sempre mais espírito do que letra e que necessita de uma permanente reformulação. 

Tristeza

A vida humana está tão estreitamente ligada à desgraça e à dor que a tristeza constitui um dos sentimentos mais frequentes e, ao mesmo tempo, mais temidos do humor. A tristeza é como uma queda espiritual, que obscurece a existência e torna pesada e dolorosa qualquer forma de experiência. As causas da tristeza podem ser as mais variadas, mas sempre se reduzem a algum mal, nosso ou dos seres amados, que rouba a nossa alegria de viver. Tanto as religiões como as filosofias procuraram de diversos modos superar a tristeza que obscurece a vida e alcançar as raízes vivas da alegria a fim de acabar com esse estado de isolamento e depressão. 

Mas curiosamente, as religiões que pretendem buscar a alegria e a solução apresentam-se frequentemente com atitudes predominantemente tristes. Será por defeito ou por autenticidade que muitos cristãos não apresentam uma atitude alegre diante da vida? A meditação sobre os problemas profundos e metafísicos da vida levará a um estado de tristeza? Parece-nos necessário distinguir entre duas formas de tristeza: a tristeza fundamental diante da vida, por um sentimento de falta de sentido e valor de nossa contingência, e as tristezas ocasionais, que, por mais profundas e dolorosas que sejam, não roubam nada, mas, ao contrário, só fortalecem o valor e o apreço pela vida, concebida como uma experiência valiosa e significativa. O afastamento evasivo da realidade apresenta frequentemente um pano de fundo pessimista e trágico, pois a pessoa se recusa a enfrentar a realidade em si, procurando viver de costa para os graves problemas fundamentais da vida. Nessa alegria superficial e enganosa esconde-se uma angústia, que mina a verdadeira alegria. As religiões, ao contrário, estimulam uma corajosa visão do mistério do ser, que não pode deixar de afetar seriamente o homem, muito embora lhe transmita uma nova forma de alegria, mais sensata e moderada, mas ao mesmo tempo mais profunda e decisiva. 

Por isso, a alegria e a tristeza não podem ser medidas externamente, por suas manifestações superficiais. E também não se pode falar de tristeza do cristão pelo fato de ele recorrer menos ao divertimento e à alegria provocados artificialmente por situações e prazeres superficiais. Na realidade, o cristianismo se apresenta como uma boa nova, um anúncio de felicidade que diz respeito à vida inteira. Trata-se de uma forma nova de exaltação, que parece arrancar pela raiz todas as outras tristezas cotidianas. 

O Antigo Testamento apresenta muitas reflexões sobre esse problema... Mas, em sua dimensão mais teológica, procura-se ver no pecado a causa da verdadeira tristeza

O cristão caminha incessantemente para superação definitiva da tristeza, com o ingresso no Reino do gozo e da alegria. Por isso, sua disposição fundamental é de contentamento, disposição que supera toda possível situação de tristeza. 

Verdade

É muito difícil precisar o significado e o conteúdo da verdade. E, no entanto, ela constitui uma das aspirações mais universais do homem. Todos nós aspiramos à verdade, embora por diferentes caminhos e mesmo sem saber exatamente como ou onde encontrar. Às vezes, luta-se por uma mesma verdade a partir dos mais opostos antagonismos. 

Num primeiro sentido, a verdade costuma ser entendida como a realidade autêntica de um ser. A verdade é o próprio ser das coisas, em sua originalidade específica. Mas o homem só chega às coisas através de seu conhecimento, que é imperfeito. E é nesse ponto que se encontra a principal fonte dos erros: o homem não conhece as coisas como elas são em si mesmas, mas sim deformadas por suas ideias preconcebidas, por seus sentimentos ou por suas conveniências. Por isso, costuma-se definir a verdade como adequação do pensamento à realidade, isto é, quando a mente consegue captar o objeto em sua realidade, dele desenvolvendo uma imagem autêntica para si. Dai a necessidade de aperfeiçoar os recursos cognoscitivos para conseguir captar as coisas como elas realmente são. 

A essa captação da verdade, desenvolvida sobretudo pelo pensamento grego, deve-se acrescentar a concepção judaica, menos científica, mas mais pessoal: a verdade é fundamentalmente a fidelidade de um ser que corresponde à sua promessa. Ou seja, o homem que se expressa na promessa e se realiza de acordo com ela é o homem verdadeiro. Nesse sentido, o modelo primordial da verdade é Deus. Ao contrário dos homens, enganadores e falsos, capazes de não cumprir suas promessas, Deus é fiel, é aquele cuja firmeza se assemelha à rocha inabalável. 

O Novo Testamento herdou e desenvolveu as verdades judaicas: a verdade é a fidelidade de Deus, que se cumpriu em Cristo. Ele é o "sim" a todas as promessas de Deus, o "Amém" (em hebraico, "verdade") que cumpre tudo o que se anunciou no Antigo Testamento. Deus da verdade se opõe à mentira dos ídolos. Mas a noção mais tipicamente evangélica é a da verdade como revelação de Deus em Cristo e no Evangelho

Também está presente na Bíblia a noção de verdade como expressão da interioridade, ou seja, a coincidência entre o que se pensa e o que se diz. Trata-se da manifestação real daquilo que cada um tem em seu interior, contrapondo-se à mentira, ao engano ou à hipocrisia. 

No mundo moderno, vivemos em uma sociedade de consumo que se serve de todos os meios para promover a venda de toda sorte de produtos. Para tanto, recorre à mentira, estudada psicologicamente e apresentada com inúmeros traços de beleza e atração. Isso faz com que vivamos para a satisfação fictícia de nossos desejos e com a inevitável frustração diante do falso. O mesmo vale para o mercado das ideologias, onde grosseiras mentiras, como o ocultismo ou a magia, se apresentam sob as roupagens de modernidade ou de ciência. Ou onde doutrinas políticas prometem fáceis paraísos quase sem esforço e libertam de qualquer culpa. A verdade sempre é dura. Acostumados aos prazeres e alienações, é duro atrever-se a dizer a verdade, que sempre é desagradável para uns e para outros. E, no entanto, essa verdade dura e amarga é a única fonte de felicidade, pois uma construção autêntica só pode basear-se na realidade. O resto é simples aparência, sem solidez. 

A realidade é um mistério que supera todos os esforços de formulação ou utilização. Por isso, a dimensão religiosa da verdade, marcada pelo compromisso, pela veneração e pela acolhida, é imprescindível para que a verdade não seja mutilada. 

Por isso, devemos defender o aspecto religioso da verdade. A religião é inseparável da realidade e, por conseguinte, da verdade, embora seja uma verdade captada pela fé, pela intuição emocional. A verdade é uma só, embora seja múltipla em suas vertentes e manifestações. É preciso que a vivência religiosa procure viver em harmonia com a vivência científica ou com a prática, pois a realidade é única, embora nós cheguemos a ela por diferentes caminhos e com metodologias opostas. Devemos educar o povo para que compreenda a verdade profunda da religião, que nunca se identifica com o sistema de símbolos através dos quais se manifesta. 

Virgindade / Celibato

A virgindade consiste na integralidade sexual da pessoa que não manteve relações sexuais. Apresenta aspecto positivo e negativo. No aspecto positivo, há a novidade, a disposição para o primeiro encontro sexual; no aspecto negativo, a falta da experiência. Celibato é uma forma de vida que exclui as relações sexuais, tanto de direito como de fato. Em si mesmo, não exige a virgindade.

Muitos povos antigos, inclusive o de Israel, valorizavam bem pouco a virgindade definitiva. A virgindade era valorizada quando se tratava de condição prévia à entrega da mulher ao seu marido. Para a mulher, constituía um crime e uma desonra o fato de não chegar virgem ao casamento. E o marido tinha o direito de acusá-la por isso diante de seus pais, configurando um delito para o qual a Lei impunha a lapidação (Dt 22, 13ss). Por isso mesmo, a Lei protegia a virgindade das jovens: se alguém desonrava uma virgem, era obrigado a casar-se com ela e pagar uma indenização ao seus (Ex 22, 15ss). Embora essa valorização da virgindade indique um desejo de proteção da família e de assegurar a descendência legítima, muitas vezes deu margem ao surgimento de uma concepção de que a mulher era um objeto de venda, que devia ser entregue intacto, e em boas condições. Caso contrário, considerava-se como uma traição ao marido, que, por sua vez, era muito mais livre em suas relações sexuais. 

Em muitos povos, a virgindade era uma forma de consagração aos deuses, mas Israel não valorizava a virgindade cultual. Um grupo de donzelas permanecia nos lugares sagrados, sendo consideradas como esposas do deus, imaginando-se que ele teria relações com elas. Por isso, o pecado dessas virgens era considerado como um terrível sacrilégio. No entanto, Israel tinha algumas prescrições relativas à virgindade cultual, como o caso do sumo sacerdote, que só podia casar-se com uma virgem, caso contrário ficaria em estado de impureza. (Lv 21, 13s)

Mais do que a valorização da virgindade como condição prévia para o casamento, o Novo Testamento insiste na igualdade dos sexos. (Gl 3, 28) A exigência moral da castidade volta-se mais para a pessoa. Mas no Novo Testamento nos leva a uma valorização mais espiritual da pessoa

Talvez a maior valorização da virgindade no Novo Testamento seja a pessoa de Maria. A virgindade de Maria é símbolo da virgindade da Igreja, que também aceita Deus virginalmente e recebe o seu dom em Jesus Cristo. 

Jesus teve uma vida celibatária, não por desprezar a sexualidade, mas sim para viver uma entrega total e ilimitada à causa de seu Pai. 

O celibato se estendeu entre os cristãos como uma tendência ao heroísmo, um sinal de superação do presente e uma antecipação escatológica do Reino, como um propósito de imitar mais de perto o Mestre. 

Fora dedicação ao Reino, o celibato pode tender a degenerar um evasão ou misantropia. 

Uma antiga tradição da Igreja foi progressivamente exigindo moralmente dos ministros da pregação e do culto a observância do celibato. O Novo Testamento não fazia essa exigência, por tratar-se de um carisma. Mas uma crescente exigência de imitar mais de perto a vida de Cristo e reações justificadas contra frequentes abusos que perturbavam a consciência dos freis foram transformando o costume numa Lei. Na Igreja Oriental, que valoriza muito o carisma do celibato, como o demonstra o florescimento da vida monástica, ele não é obrigatório para diáconos e presbíteros, mas apenas para os bispos. Nas Igrejas protestantes, ao contrário, o normal é que seus ministros sejam casados. Na Igreja ocidental, que mantém com todo o rigor a antiga disciplina, hoje muitos já pensam que se deveria permitir a ordenação daqueles que têm anseios de exercer o ministério sacerdotal e não sentem o carisma do celibato, especialmente em regiões onde o celibato é mal visto ou onde há grande escassez de vocações. No entanto, por enquanto, a suprema autoridade da Igreja não parece disposta a modificar a disciplina vigente. 


IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo: Paulinas, 1983.