Falar em Público

Exórdio

Cícero definiu o exórdio como sendo "A oração que prepara o ânimo do ouvinte para bem receber o restante do discurso". (De Oratore-II-19). A existência do exórdio não é uma pura convenção artística; baseia-se na própria natureza. Toda gente tem necessidade de preparar a matéria de que vai tratar, prever os obstáculos, afastar as dificuldades. Daqui se infere que onde não houver tais obstáculos, tais dificuldades, não será necessário o exórdio. Por isto mesmo ficou dito que é uma parte acidental do discurso. Cícero ensina que o objetivo do exórdio é tornar o auditório benévolo, atento, dócil.

A benevolência do auditório pode ser conseguida: 1) pela pessoa do orador, pela sua modéstia, dignidade, delicadeza e competência; 2) pelo assunto do discurso, mostrando a sua importância, a sua necessidade; 3) pela pessoa do adversário, respeitando-a, considerando-a de valor, exalçando-lhe as qualidades, intelectuais e cívicas; 4) pela pessoa dos próprios ouvintes, sabendo tocar no mais sensível dos seus pundonores, dizendo que se trata de um auditório inteligente, patriota, religioso, etc.

ESPÉCIES DE EXÓRDIOS

As espécies de exórdios podem ser reduzidas a quatro principais:

1) Exórdio pomposo. Quando se inicia o discurso com toda a magnificência de expressões, com toda a elevação de pensamentos. É próprio das grandes circunstâncias e solenidades, em que o auditório espera ouvir um discurso acadêmico, um panegírico, uma oração fúnebre, um assunto enfim de proporções extraordinárias. O escol da assembleia, o carácter do orador e sobretudo a grandeza do assunto autorizam o exórdio pomposo.

2) O exórdio ex-abrupto ou veemente. Consiste em entrar o orador inesperadamente no assunto, sem a menor preparação. É necessário que o estado de ânimo dos ouvintes e do próprio orador permita esta forma de iniciar o discurso e tal se dá quando uma grande alegria ou uma grande tristeza já predispôs a todos, dispensando qualquer preparo de espírito.

3) O Exórdio insinuante. Pelo qual o orador entra no assunto do discurso de uma forma quase imperceptível, através de rodeios e disfarces a fim de evitar as dificuldades e de predispor o auditório a ouvi-lo. Este exórdio requer tino e delicadeza porque é geralmente usado quando a assistência se mostra hostil ao orador ou ao assunto do discurso e se faz necessário destruir primeiro todos os preconceitos, todas as objeções, a fim de ganhar a benevolência dos ouvintes.

4) O exórdio simples ou direto. É aquele pelo qual o orador, numa exposição breve de motivos, entra imediatamente a tratar do seu assunto. Emprega-se nos casos comuns de oratória, quando não há necessidade de explicação prévia, nem obstáculos alguns que vencer.

QUALIDADES DO EXÓRDIO

Todo e qualquer exórdio deve ser:

a) Adequado ao assunto.

b) Proporcionado ao discurso.

c) Modesto, sem exageros.

FONTES DO EXÓRDIO

As principais fontes do exórdio são:

a) As circunstâncias

b) Circunstância de tempo e lugar

DEFEITOS A EVITAR

evitar que o exórdio possa ser adaptado a qualquer discurso.

Evitar que seja apenas um preâmbulo ocioso e vazio de sentido; que não tenha nenhuma conexão com o resto da peça, nem se dirija a um fim desejado pelo orador  e pior ainda, que vá de encontro aos intuitos do trabalho oratório. (1)

(1) BUENO, Silveira. A Arte de Falar em Público. 7. ed., São Paulo: Saraiva, 1961. (Copyright 1933)

O Uso de Esquemas

"Todos devem disciplinar a inteligência e a memória por meio de esquemas. São de inestimável valor para todos, mormente, para os principiantes. Os esquemas põem-nos claro diante dos olhos o plano que temos de seguir. Mostram-nos, como num mapa, o caminho a percorrer. Dão-nos a planta da arquitetura que vamos executar. São os guias dos quais não nos é permitido afastar-nos sem incorrermos no perigo de um desastre.

Os esquemas devem conter só as partes principais do discurso, dando-nos a marcha do trabalho oratório. É necessário evitar que se multipliquem as divisões e as subdivisões das várias partes, porque em tal caso, em lugar de ajudar-nos, atrapalharão ainda mais. Feito o esquema, se quiserem, poderão desenvolvê-lo por escrito e depois, no começo ao menos, aprendê-lo de cor. O melhor, porém, é desenvolvê-lo oralmente, duas, três, dez vezes, se tanto for preciso, variando sempre de expressões e de vocabulários, mas fiel às disposições do esquema, à ordem nele estudada. O resultado será magnífico: no momento de pronunciar o discurso, por maiores falhas que possam existir na memória, os exercícios feitos as suprirão perfeitamente. Em lugar de um vocábulo esquecido virá outro incontinenti; qualquer expressão deslembrada encontrará de pronto a sua substituta. Este foi o processo seguido pelo maior orador do século XIX Lacordaire. Nunca esqueceu seus famosos discursos ou as suas conferências ainda mais famosas; compunha-os com esquema, dirigia-se ao jardim do convento, detinha-se diante de uma flor e para ela recitava como se estivesse em face de um auditório. Descansava um pouco e procurava outra flor que lhe ouvisse o desenvolvimento oral do esquema. Depois aparecia em Notre Dame e empolgava Paris. Façam assim os que quiserem aperfeiçoar-se na oratória: componham os seus esquemas, desenvolvendo-os, oralmente, várias vezes, variando sempre de vocabulário e de expressões, sem nunca se deter numa palavra para recordar-se dela, mas, sempre seguindo à frente e apresentem-se tranquilamente a qualquer auditório: a memória não falhará e o êxito será completo.

Fujam todos do grave defeito da repetição que denota logo a desorientação do orador. Esqueceram-se de uma palavra rara ou bem soante, que de propósito haviam escolhido, certos de que iriam produzir efeito? Não façam esforços para recordar-se do vocábulo: substituam-no imediatamente por outro ou por um circunlóquio e continuem, sem dar a perceber aos ouvintes que a memória falhou.

Os oradores escravos da memória tornam-se autômatos, sem espontaneidade alguma. O receio de que o material não venha a ser ministrado no momento preciso impede que os gestos sejam naturais e adequados, que o olhar pouse e circunvague pela assistência, porque o orador está olhando para dentro de si mesmo, está fitando constantemente a memória, de pavor de que possa traí-lo. Outros tomam tal velocidade no falar que parecem tangidos pelo demônio da pressa, tão-só porque a memória os arrasta como doida. Nada disso acontece aos que se acostumaram à disciplina dos esquemas: estão calmos e seguros; existe neles a convicção de não errar, de ir certo ao fim previsto. Possuem o traçado, a planta, da qual não se afastarão." (1)

(1) BUENO, Silveira. A Arte de Falar em Público. 7. ed., São Paulo: Saraiva, 1961. (Copyright 1933) [Cópia do item "O Uso de Esquemas" inserido no Capítulo I "Qualidades Intrínsecas do Orador"]