A criação do Programa de Pós-Graduação em Etnografia e Crítica Cultural (PPGECC) é resultado direto e fruto do desmembramento do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) composto por um número expressivo de professores antropólogos que atuam há 40 anos nesta pós-graduação que atribui título de mestre e doutor em antropologia cultural há 25 anos, desde 1996, e que alcançou a nota 7 na avaliação da CAPES em 2006. Neste sentido, este conjunto de professores e suas atuações a nível de mestrado e doutorado continuarão a se dar, de forma natural e contínua, no âmbito, agora, do PPGECC.
O Programa de Pós-Graduação em Etnografia e Crítica Cultural (Mestrado e Doutorado Acadêmico) da Universidade Federal do Rio de Janeiro tem por objetivo estimular o aprofundamento em antropologia enquanto área disciplinar formando mestres e doutores com título em Antropologia Cultural assim como pesquisadores, docentes, antropólogos capazes de atuar no campo ampliado da Antropologia no Brasil e no exterior.
A proposta de criação e implementação de um Programa de Pós-Graduação vinculado à área disciplinar de Antropologia na segunda década do século XXI deve estar em sintonia com os problemas do tempo presente que relevam da emergência de outros sujeitos coletivos e diversidades culturais, étnicas, linguísticas e epistêmicas contemporâneas. O desafio do conjunto de antropólogos, docentes e pesquisadores, criadores do PPGECC, é o de elaborar o projeto de um programa que imprima em sua matriz teórico conceitual e em seu projeto pedagógico uma reflexão crítica aos aparatos discursivos e práticos da colonialidade, do poder/saber hegemônico buscando, assim, criar espaços revigorados de confrontos de distintos pensamentos, epistemologias e ontologias. O PPGEEC busca contribuir para um desenho institucional da antropologia capaz de levar em conta questões candentes da sociedade brasileira contemporânea e das proposições de vanguarda de políticas públicas que se pretendem inclusivas, participativas e colaborativas pondo-se em sintonia com os significados de produção do conhecimento no século XXI.
O PPGECC procura contemplar em seu projeto pedagógico práticas etnográficas que se inscrevem em novas formas de produção do conhecimento na e pela Antropologia. Neste sentido, a ETNOGRAFIA assume forte protagonismo no PPGECC.
ETNOGRAFIA pensada em sua dimensão teórico-conceitual capaz de articular diferentes disciplinas do curso, desde a base dos cursos teóricos aos optativos, infletindo em projeto pedagógico-disciplinar que revele uma maior problematização da produção do conhecimento a partir da relação etnográfica, emergente do diálogo reflexivo com os chamados conceitos nativos. Etnografia, em sua fortuna crítica e conceitual no interior da Antropologia, tona-se epistemologia, modo de produzir o conhecimento. Não obstante, Etnografia prossegue seu percurso impondo reflexões conceituais, de método e como técnica de pesquisa em múltiplas áreas das humanidades, de modo que a Antropologia se insere na interdisciplinaridade, fato que aporta à Antropologia um modo especial de produção do conhecimento no quadro das ciências humanas.
A antropologia na contemporaneidade, acompanhando tendências decoloniais que surgem no interior de diversas áreas das Ciências Humanas, passa por um profundo questionamento, que se inicia desde os meados dos anos 1980, e que incide, sobretudo, numa revigorada reflexividade com relação ao significado de etnografia e dos modos de representação do outro propostos pela antropologia. Esta nova sensibilidade da antropologia influencia uma reflexão que foca nos modos de escrita da etnografia, na relação entre etnógrafo e etnografado, nas implicações políticas, éticas e estéticas do fazer antropológico, o que força, necessariamente, uma nova percepção sobre alteridade e subjetividade.
Portanto, não seria exagerado dizer que a antropologia contemporânea forjou uma nova percepção da condição da alteridade e das formas possíveis de realização da etnografia que dependem de uma relação constituída em outras bases e a partir de outros parâmetros que re-semantizam o significado de ‘nativo’ e de ‘antropólogo’. Estas questões encaminham uma percepção do significado da etnografia que desestabiliza o lugar do sujeito/objeto na construção da própria etnografia e do conhecimento na antropologia.
Neste sentido, a essência do fazer etnografia passa a ser a relação - enquanto gênese, possibilidade e resultado de uma narração - esta relação é entre sujeitos e o conhecimento na antropologia surge desta possibilidade.
Portanto, etnografia parece ser o ponto de encontro e proposição de uma série de questões caras à antropologia que impulsionam a discussão das ciências humanas há muitos anos: o lugar do sujeito, do objeto, da subjetividade, da objetividade, do real, do ficcional, da alteridade, do trabalho de campo e da produção de conhecimento. Etnografia se afigura como um dispositivo que coloca em relação, tensão e colaboração, a teoria e o etnográfico de um modo propositivo e provocador.
A partir desta percepção da etnografia observa-se possiblidades de realização de saberes cruzados, transversais, interfaces. Partindo deste estar situado etnograficamente, estabelece-se efetivamente esta relação entre sujeitos.
Neste novo contexto, parece importante pensar a etnografia como forma de criação ao atribuir ao conceitual nativo esta mesma capacidade criativa. É o que acontece quando a abordagem etnográfica busca não só ‘representar’ as ‘categorias nativas’, mas reformular as suas próprias estratégias de representação através de sua aproximação das chamadas formas ‘nativas’ – as formas e processos através dos quais os outros estudados se ‘representam’ a si e entre si mesmos e a nós, assim como estes nos representam em relação ao seu próprio mundo.
É, justamente, a dimensão ocupada hoje pela etnografia e pelo seu reconhecimento como ponto de inflexão do pensamento antropológico que nos orienta ancorá-la num lugar de centralidade em um Programa de Pós-Graduação em Etnografia e Crítica Cultural de modo que a própria estrutura disciplinar pedagógica reflita problemas da etnografia e do etnográfico e de seu poder de articulação e aglutinação das questões propriamente antropológicas. O projeto teórico e pedagógico, ao tomar a etnografia e o etnográfico como orientadores, objetiva poder contribuir para uma permanente reflexão sobre problemas epistemológicos, éticos, políticos advindos das pesquisas que englobam num sentido lato ‘trabalho de campo’, escrita, concepções teóricas, possibilidades comparativas.
Neste sentido, etnografia significa, nesta nova acepção de criação de um programa de pós-graduação que incorpora esta categoria em seu título e nome, a consciência aguda de se situar no campo da antropologia no século XXI, em que a etnografia oferece a possibilidade de engendramentos de processos de simetrização do conhecimento, invocações de saberes cruzados, produzindo e gerando na academia e fora dela diálogos e interseções em que distintos conhecimentos se entrecruzam no campo disciplinar da antropologia possibilitando daí emergir renovadas discussões conceituais, políticas, éticas, epistemológicas e teóricas.
O projeto teórico-pedagógico do PPGEEC está pautado pelas seguintes ações institucionais que seguem, sobretudo, as recomendações da área 35 da CAPES (Antropologia/Arqueologia) que enfeixa os seguintes eixos apresentados abaixo:
Oferecer, através de disciplinas obrigatórias, eletivas de escolha restrita e optativas, uma sólida formação teórica, conceitual, metodológica de modo a propiciar aos egressos uma atuação plena e competente no exercício profissional no campo da antropologia, ciências sociais e humanidades;
Capacitação em pesquisa e oferecimento de instrumental teórico- conceitual adequado que garanta uma formação que leve em conta questões éticas e políticas implicadas no fazer antropológico e nas pesquisas realizadas com seus sujeitos de pesquisa;
Assumir, produtivamente, a interface com a graduação de um modo efetivo, participativo e colaborativo promovendo cursos que proporcionem a integração institucional entre pós-graduação e graduação;
Promover uma interface e inserção social através de ações pedagógicas diretas de ensino/extensão que tomem a forma de formação e publicização do conhecimento produzido na Universidade e, especialmente, pelos docentes de nosso programa de pós-graduação;
Acolher e colaborar estreitamente com outros sujeitos/formas de saberes, coletivos e linguagens epistêmicas, de modo a propiciar engajamentos colaborativos e compartilhados que permitam um revigorar permanente da proposta teórico-didática do PPGECC, o que impacta a produção do conhecimento na e pela pós-graduação;
Produzir um conhecimento construído em bases horizontais, em que os sujeitos de nossas pesquisas possam, efetivamente, participar em cursos, interferindo, decisivamente, nas formas de circulação do conhecimento no âmbito da pós-graduação e nas áreas de humanidades na UFRJ;